Severino Francisco
E aí, comandante, não apareceu mais na feirinha!”, observou o vendedor de abacaxi, um piauiense que conheço há mais de 20 anos. Não sei o nome, chamo de Piauí. Ele tem uma caminhonete e busca laranja em Água Fria, Goiás, e abacaxi e pequi nos cerrados do interior de Minas. Nos tempos em que construía a casa onde moro passei tempos de muito sufoco financeiro.
Todo dinheiro que ganhava virava cimento, tijolo, telha, areia, brita e pagamento para os pedreiros. Então, quando passava pela caminhonete do Piauí, ele me oferecia laranja ou abacaxi. Algumas vezes, eu recusava e dizia que não tinha dinheiro.
Mas, nos tempos de penúria, ele sempre me deixou levar as mercadorias mesmo que não tivesse grana naquele momento: “Depois, você me paga, comandante”. Tenho ascendência sertaneja, gosto quando as pessoas confiam e negociam baseados na palavra empenhada.
Com a chegada de um hortifruti sofisticado, Piauí sofreu uma concorrência desigual e perdeu freguesia. Por isso, agora, mesmo quando não preciso muito, sempre compro algumas frutas para cooperar.
Ele vendia, também, as frutas em uma feirinha popular em São Sebastião. Eu ia sempre lá aos domingo. Com a pandemia, deixei de frequentar e perdi o hábito. No, recentemente, ele arrumou um ponto nas imediações de outra feira e, na semana passada, me ofereceu araticum. Havia muito tempo que eu não degustava a fruta.
Perguntei se era das imediações e ele me respondeu que não. Vinha de Minas Gerais. Nos tempos da infância e adolescência, bastava andar alguns metros para estar em pleno Cerrado e se deparar com alguma fruta silvestre. Catava cajuzinho, cagaita, mangaba e murici. De repente, sentia um cheiro intenso e me deparava com um pé de araticum carregado e só conseguia levar umas três ou quatro, pois a fruta é grande e de muita sustança. Naquela época, ninguém morria de fome.
O gosto forte, numa mistura talvez de banana com maçã, mas com sabor agreste, me reacendeu reminiscências de caminhante do Cerrado. Depois de comer, fui pesquisar as qualidades nutricionais da fruta. Ela é rica em antioxidantes, em vitamina A, betacaroteno e quercetina. Ajuda a evitar o envelhecimento precoce ao proteger a pele contra danos causados pelos radicais livres. Por concentrar vitamina C, fator importante para a absorção de ferro, contribui para evitar a anemia.
Os componentes antioxidantes auxiliam na redução do colesterol ruim, causador de inúmeras doenças. E, também, aumentam a imunidade, previnem a diabetes e fortalecem os cabelos por causa da vitamina A. Depois de conhecer as qualidades nutricionais, achei o araticum ainda mais saboroso. Confesso que sou sugestionável e comecei a sentir, imaginariamente, os benefícios da fruta. Mas, exageros à parte, como se vê, é uma fruta maravilhosa. Na próxima semana, comprarei outro na banca do Piauí.
Em 2023, uma lei da Câmara Legislativa do DF incluiu os frutos nativos do Cerrado nos alimentos a serem comprados da agricultura familiar para compor a merenda escolar. Entre eles, figuram araticum, buriti, murici, cagaita, mangaba, jatobá e o pequi. Além do valor nutricional, a iniciativa fortalece a agricultura familiar. Espero que essa lei esteja sendo cumprida porque cada vez que conheço mais o Cerrado percebo a preciosidade que estamos destruindo por ignorância, deseducação, ação ou omissão.
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