Antifestival na quadra

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Severino Francisco

No último fim de semana, estive na 410 Norte, no meio da cidade-parque, embaixo das árvores, ouvindo os bentevis, para participar do Anta – Antifestival literário, promovido pelo Ricardo Fino. No caso, Ricardo Fino aparece quase como se fosse uma fundação ou uma entidade, mas é apenas a pessoa física de um animador cultural, que bancou todas as despesas para que o antifestival fosse realizado, com uma estrutura mínima de palco, microfone e cadeiras para o público.

Eu me lembrei muito dos Concertos Cabeças, que nasceram de maneira parecida, no gramado da 310 Sul. Como bem disse a poeta e cronista Maria Lucia Verdi, o evento foi uma despretensiosa, mas valiosa retomada do espírito de utopia da fundação de Brasília. Não pude acompanhar todas as mesas porque estava trabalhando, mas foram muito interessantes as que tive a oportunidade de participar.

Foi uma manhã muito agradável, conversamos sobre a crônica e sobre a poesia de Francisco Alvim. Conheci os cronistas Waleska Barbosa e Eustáquio Ferreira. Não poderia haver homenageado mais apropriado do que o poeta Francisco Alvim, autor de uma obra que está no limiar da não poesia.

No meio da antifesta, de anticelebridades, avistei na plateia uma figura parecidíssima com Ítalo Moriconi, um dos mais importantes críticos literários em atividade, ensaísta, professor universitário aposentado, organizador das antologias sobre Ana Cristina César, Torquato Neto, Os cem melhores contos do século, os Cem melhores poemas do século, entre outros. Em seguida, caí na real e cheguei a conclusão de que não era ele.

Mas, depois constatei que, sim, ele mesmo, em carne e osso. Talvez atraído pelo passado de ex- integrante do movimento da poesia marginal. Provocado a responder se crônica era literatura, Ítalo respondeu, com uma pequena aula magna, que sim, ao menos nos momentos altos. Porque o que caracteriza a literatura é a capacidade de suscitar o desejo de releitura.

E é precisamente esse desejo de releitura que a antilira de Francisco Alvim provoca, na sua enganosa facilidade. “Sente-se, leitura fluída/agradável/sem anteparos ou/escolhos/é para ler de uma/sentada”, escreve o poeta Alvim em um dos poemas de O metro nenhum, em uma senha irônica para entrar na poesia dele. Mas, na verdade, ele escreve o falso poema piada, que dói só quando você ri, como é possível apreciar no poema intitulado Argumento: “Mas se todos fazem”. Aprendi muito sobre as nuances e o alcance da poesia do Chico no debate com os poetas-ensaístas Maria Lúcia Verdi, Francisco Kac e Alexandre Pilati.

Existe o Prêmio Brasília de Literatura, iniciativa muito importante, pois, apesar dos estímulos dispersos das redes sociais, existe muita gente produzindo e os escritores brasilienses têm se destacado em prêmios, como o Jabuti e o Oceanos. Era muito interessante quando o Luiz Amorim do T-Bone fechava a 312 Comercial Norte para uma noite de poesia em plena capital do país. Essa é uma imagem memorável de Brasília.

Então, o Antifestival promovido por Ricardo Fino preenche uma lacuna relevante, embora devesse ser ampliado, com maior participação de professores e alunos do Ensino Médio e das universidades.

Com certeza, Lucio Costa aprovaria essa iniciativa de um antifestival, com a participação, não de celebridades, mas, simplesmente, de pessoas interessadas em conversar sobre literatura, sem nenhuma pose intelectual, embaixo das árvores. Ricardo Fino inventou uma esquina no meio das superquadras.

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