Severino Francisco
Um cronista deve falar de questões sociais ou é melhor que fique com os assuntos amenos? A dúvida assola várias pessoas. E, confesso, que eu mesmo vivo o dilema. De outra parte, de vez em quando, alguém me sopra no ouvido: “O que Rubem Braga diria da situação vivida pelo país na atualidade?”
O mestre da crônica ficou com a imagem de alienado lírico incurável, a discorrer, infinitamente, sobre o voo de borboletas ou a gentileza dos passarinhos. Mas trata-se de engano. O ilustre colega foi extremamente combativo e escreveu sobre os principais problemas do século: rebelou-se contra o nazismo, denunciou as torturas durante governos ditatoriais, protestou contra as guerras, brigou pelo monopólio da Petrobras, se revoltou contra a fome, debateu as inovações da arte moderna, defendeu a estabilidade do emprego dos trabalhadores e chamou a atenção para a indiferença dos governos com os miseráveis.
“É difícil mesmo ser cronista neste país”, escreveu Braga. “O primeiro mandamento de um cronista é variar de assunto, saltar disto para aquilo, falar de bois e de nuvens, de máquinas e metafísicas. Pois isso não se pode fazer. O país é horrivelmente monótono. Seus males e suas vergonhas se repetem com tão insistente despudor que o remédio é voltar a eles”.
As notícias de torturas nos quartéis durante a ditadura não passaram em branco: “Que os quartéis do Exército sejam locais de espancamento e tortura é coisa que não pode agradar a nenhum militar honrado. A covardia é algo que repugna fortemente os homens de farda. Infelizmente, a verdade é que a Revolução tem seus primeiros meses marcados por essa mancha detestável”.
Mais do que cronista, ele se considerava jornalista, uma máquina de escrever, com algum uso, mas ainda em bom estado de funcionamento. Fez até uns versinhos para brincar com a opção de jornalista: “Quando eu era rapazinho/Queria ser intelectual/Mas hoje sou jornalista/Que faço eu no jornal?/Sou cozinheiro do trivial!/Sou cozinheiro do trivial!”.
Os governos autoritários sempre foram alvos da ironia, da sátira e do humor, que raiavam a poesia: “Parece que vão fazer uma lei para proibir dizer essas e outras coisas. Como não gosto de cadeia, passarei a falar das borboletas azuis. Encherei as colunas deste jornal e os ares desta República de borboletas azuis até que seja proibido falar das borboletas azuis. Então, se me permitirem, falarei das borboletas amarelas. Há muitas borboletas e muitas cores neste país; estou sereno e otimista”.
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