Ailema Bianchetti

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Severino Francisco

A quinta-feira amanheceu com outra notícia dramática: a arte-educadora Ailema Bianchetti morreu aos 98 anos. Ela era uma mulher positiva, acolhedora, agregadora, festeira e vibrante. Essas qualidades emanavam de Ailema da maneira mais natural. Teve participação decisiva na carreira artística do marido, o pintor Glênio Bianchetti, e na história da cultura de Brasília.

Com espírito sagaz, Darcy Ribeiro tinha como uma de suas divisas para projetos de educação o lema: só se fazem sábios com sábios. Ainda não conhecia, mas admirava a obra do gaúcho Glênio Bianchetti, um dos criadores do Clube de Gravura de Bagé, com Carlos Scliar, Glauco Rodrigues e Vasco Prado.

Darcy pediu a um amigo que convidasse Glênio para formar o corpo docente do Instituto de Artes da Universidade de Brasília, em 1962. Glênio já era casado com Ailema, companheira de toda a a vida e eles já tinham seis filhos. Ocupava o prestigioso cargo de diretor do Museu de Arte de Porto Alegre. Mas Ailema era corajosa e concordou em se mudar com os seis filhos pequenos para o que eles imaginavam ser uma selva.

A primeira impressão que tiveram da Brasília em construção foi a de um canteiro de obras com cara de favela. Imaginavam que encontrariam índios ao redor da universidade. Não foi isso com o que Glênio se deparou. Apesar da precariedade das instalações, ele lecionou e conviveu com os colegas Athos Bulcão, Alfredo Cheschiatti, Rogério Duprat, Ana Mae Barbosa, Paulo Emílio Salles Gomes, Nelson Pereira dos Santos, entre outras pessoas brilhantes, pois Darcy não queria que o cenário modernista convivesse com a mediocridade cultural.

Os futuros profissionais das ciências exatas passariam pelo Instituto, uma vez que, na visão de Darcy, os engenheiros não poderiam se limitar a ser androides competentes. Precisavam haurir uma visão humanista para exercer os seus ofícios com uma visão social. Havia tantas pessoas brilhantes que Glênio dizia que, às vezes, ficava indeciso entre ser professor ou aluno. Se a utopia não fosse interrompida, Brasília seria uma das cidades mais avançada, em termos culturais, do mundo, acreditava o artista.

No entanto, a experiência inovadora da UnB foi atropelada pelo regime militar e, em 1965, 200 professores pediram demissão coletiva. Glênio era um deles e se viu um professor desempregado, com seis filhos, numa capital sitiada pelos militares de um regime de exceção. O que fazer para garantir a sobrevivência da família? Neste momento, Ailema interveio e apostou no talento de Glênio para que ele seguisse a vocação de pintor. Decidiram permanecer em Brasília.

Glênio passou a fazer telas, desvairadamente, se afirmou na condição de um grande pintores brasileiros com as pinceladas humanistas e pôde sustentar a família com dignidade. Com a implosão do núcleo inicial formado por Darcy Ribeiro, o casal continuou a exercer a  arte-educação por meio do  Cresça, escola criada numa associação de Ailema com Maria do Socorro Coutinho.

Com uma personalidade agregadora, a casa de Glênio e Ailema sempre foi uma extensão da escola,  o trabalho facilmente se desdobrava em amizade e a amizade na alegria das festas. Ao menos duas gerações de artistas e arte-educadoras se formaram ali. O legado de Ailema é de amor à arte, generosidade, afetuosidade, solidariedade e humanismo. E esse legado permanecerá vivo em filhos, netos e bisnetos, vários deles artistas e arte-educadores.

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