Certa tarde de agosto, eu passava pelo Eixo Monumental, na Asa Norte, quando divisei uma aglomeração de gente em torno de um ipê florido com a cor de um amarelo incendiado. Pensei, aflito: é mais um acidente.
Com a sua avalanche de carros, quase sempre em fluxo selvagem, aquela pista costuma me despertar um estado de alerta. Aproximei-me do grupo e percebi que eles contemplavam a cena a olho nu, de binóculos ou armados de máquinas fotográficas. Logo, alguém lembrou de acionar o Corpo de Bombeiros, que chegou prontamente, depois de alguns minutos.
Os ciosos integrantes da corporação aportaram com suas macas, escada Magirus e carga de água. No entanto, todos esforços foram inúteis. Em seguida, um outro brasiliense resolveu ligar para o 190 da polícia. Cerca de uma e meia depois, os milicianos desembarcaram em uma viatura. Contudo, após um rápido exame, disseram que nada podiam fazer para ajudar.
“Vamos chamar uma ambulância do Samu”, alguém sugeriu. Ligaram para o número, mas a receptividade não foi das melhores. Do outro lado da linha, o funcionário exigiu o trâmite de uma burocracia infernal, alegando que só poderia atender se houvesse uma autorização especial do Ministério da Saúde. De nada adiantaram os contra-argumentos, o servidor permaneceu inarredável no que considerava seu dever: “Não sou eu, é o sistema que não permite. É o computador que manda na gente”.
Com destreza no metiê, um advogado presente desembaraçou a trama burocrática e, finalmente, no prazo de meia hora, chegou a ambulância do Samu. Os enfermeiros desceram com a maca, todavia, também se viram impedidos de qualquer ação.
Em face da dificuldade em se encontrar uma solução para o caso, um cidadão insinuou: “Então, por que não constituímos uma comissão de poetas?”. Acatada a proposta, foram convocados os senhores Nicolas Behr, Ronaldo Costa Fernandes, Francisco Alvim, Climério Ferreira e Vicente Sá. Depois de uma audiência veloz, que não durou mais do que dois minutos, entremeados de muitos risos, os senhores Climério Ferreira e Francisco Alvim foram convidados a dar o veredito, em decorrência da condição que ostentam de decanos líricos.
Muito bem-humorados para uma circunstância tão grave, os dois sentenciaram, mal podendo conter as gargalhadas: “Minhas senhoras e meus senhores, podem dispensar o Corpo de Bombeiros, a polícia e o Samu. O que ocorreu no Eixão foi um acidente lírico, os ipês se incendiaram de beleza. Só resta fazer isso mesmo que os senhores estão fazendo: contemplar e fotografar”.
Francisco Alvim pediu a palavra para observar: “Há momentos em que saio pelos arredores de Brasília e acho que vou cair no azul infinito. O poeta Mallarmé ficaria louco com esse azul”. Climério complementou: “É preciso ficar atento às mutações das árvores, das flores, do céu, do espaço, das nuvens e da luz”. Chico Alvim ainda teve tempo de comentar: “Sabemos que Brasília é uma cidade com graves problemas, mas por aqui acontecem muitos acidentes da beleza”.
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