Severino Francisco
No meio do caos e da tristeza provocados pelo desastre de Brumadinho, resolvi visitar o site da Vale para saber o que a empresa pensa sobre a vida das pessoas, o meio-ambiente e o trabalho. O resultado me surpreendeu, afinal, a desatenção com aspectos essenciais do plano de segurança saltou aos olhos até mesmo dos leigos, como é o meu caso.
Então, vejamos qual é a missão da Vale, segundo o site oficial: “Transformar recursos naturais em prosperidade e desenvolvimento sustentável”. A afirmação é apenas parcialmente correta.
A Vale transforma recursos naturais em prosperidade para a empresa, para os diretores e para os acionistas, mas de maneira insustentável. Arranca a riqueza das comunidades, oferece subempregos e deixa crateras quando cessa a exploração do minério.
Mesmo porque a empresa ainda não honrou sequer as indenizações das vítimas que fez, por meio da operadora Samarco, em Mariana. Nem reparou (se é que são reparáveis) os danos ambientais que causou em dois estados, em um percurso de 650 km.
Vamos para o item visão: “Ser a empresa de recursos naturais global número um em criação de valor de longo prazo, com excelência, paixão pelas pessoas e pelo planeta”. É exatamente o contrário: Brumadinho revelou que as ações da Vale são movidas pela ganância, pelo imediatismo, pela negligência, pela indiferença às pessoas, ao meio-ambiente e às gerações futuras.
Disparidades análogas se encontram no tópico dos valores: 1) A vida em primeiro lugar; 2) valorizar quem faz a nossa empresa; 3) cuidar do nosso planeta; 4) agir de forma correta; 5) crescer e evoluir juntos; 6) fazer e acontecer.
O confronto do ideário da Vale e da realidade chega a provocar um efeito tragicômico. Obviamente, a Vale fez até agora tudo ao reverso. A vida estava em último lugar. Não precisava realizar nada mais do que cumprir a própria agenda.
Se tivesse compromisso com os próprios valores, economizaria bilhões que terá que pagar em indenizações, reparação ao meio-ambiente e danos à imagem. A Vale revela uma alienação espantosa sobre os seus princípios, metas e ações.
E, no meio da tragédia, uma das cenas mais pungentes foi a dos índios Pataxós que, ao perceberem a terrível lama tóxica do Rio Paraobeba, pediram desculpas à natureza. O gesto aparentemente absurdo nos ensina a devoção ao meio ambiente.
Ouçamos o que disse a índia Ãngoho, à CBN: “Ficamos olhando até onde vai a ganância dos homens (brancos). Queria saber dos governantes e do pessoal da Vale se o cérebro deles é de minério. Eles não raciocinam. Será que eles conseguem dormir em paz? Imagina se o filho deles pede água e na torneira deles saísse essa água vermelha.”