Severino Francisco
De negação em negação, de gracinha em gracinha, de irresponsabilidade em irresponsabilidade, de covardia em covardia, de omissão em omissão, chegamos ao caos na pandemia, com o colapso do sistema de saúde e o Brasil reduzido à condição de laboratório das mutações do vírus e ameaça internacional. Brincaram tanto de fake news com vírus chinês e, agora, as variantes brasileiras verídicas assombram o mundo.
Os cientistas, nossos atuais profetas do óbvio, avisaram que a farra das festas de fim de ano, das folias clandestinas do carnaval e das aglomerações nos bares e em setores do comércio levariam ao colapso do sistema de saúde.
Mas os negacionistas incentivaram o desastre, ao afirmarem que a covid-19 era “uma gripezinha”. Eles são verdadeiros responsáveis pelo lockdown. E, depois de tudo, ainda têm o desplante de falar em mimimi e frescura dos que perderam entes queridos. O povo brasileiro é valente. Derrotou três expedições do Exército que atacaram Canudos, até o arraial ser trucidado. Resistiu a quase quatro séculos de trabalho escravo. Trafega em ônibus lotados durante a pandemia se expondo à contaminação. Vive com auxílio emergencial de R$ 250.
O problema é que o povo não tem consciência. Vota e aplaude a quem não cuida de sua vida e o precipita no abismo. Velar e chorar nossos mortos não é fraqueza. A morte nos humaniza, é o momento de tristeza, mas também de comoção, de compaixão e de amor extremo. A tragédia encerra uma lição de fatalidade, que deveria nos tornar seres humanos melhores e mais inconformados com a irresponsabilidade dos governantes que dizimam vidas que poderiam ser poupadas.
O que nos degrada é a banalização do mal, é o crime sem castigo. É inacreditável que o negacionismo seja tolerado quando temos 260 mil mortos, a economia destroçada e o sistema de saúde entrou em colapso. Eles só têm coragem de propagar mentiras sobre a vacina pela certeza de que permanecerão impunes.
Existem três remédios capazes de nos salvar: a vacina para a covid-19, a vacina política, para os líderes, e a vacina jurídica, para os negacionistas. O Twitter, o Facebook, o Youtube e outras redes sociais precisam ser responsabilizadas pelas informações falsas letais que disseminam.
Atentar contra a saúde pública não é liberdade de expressão; é crime. Com a ameaça das variantes brasileiras do vírus, talvez seja possível negociar a compra de vacinas. Realmente, chegou a hora de as instituições realmente funcionarem.
E, para fechar, fiquemos com trechos do poema Brincadeira tem hora, do rapper Lucas Afonso, que expõe nosso drama com a síntese e expressividade da palavra de poeta: “Brincadeira tem hora./Piada boa é quando todo mundo ri./Essa postura tua daí não tá da hora/presidente da chacota/e meus pais na UTI./ Joga no time do inimigo, incentiva aglomeração./fala pra tomar remédio que não tem comprovação/tipo pula de um prédio,/ou melhor, de um avião./Pode ir sem paraquedas,/ se morrer, ele culpa o chão”.
Lucas faz uma crônica contundente da situação na qual estamos mergulhados: “Faltou oxigênio nos hospitais de Manaus,/faltou luz por vários dias/no estado do Amapá./O Brasil na pandemia/vive dias de caos/e o ministro vir falar/de dia D e hora H?/Brincadeira tem hora/Piada boa é quando todo mundo ri”.