A cidade-viaduto

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Crédito: Ed Alves/CB/D.A Press. Cidades. Em 30 segundos, as motosserras transformam o trabalho de 30 anos da natureza em um monte de madeira no Sudoeste.

Severino Francisco

Ontem, pela manhã, recebi imagens chocantes: moradores do Sudoeste tentavam impedir que funcionários da Novacap armados de motosserras cortassem árvores das quadras 104 e 105, algumas delas decoradas pelas crianças, para construir o viaduto da EPIG. Ele atingirá uma intersecção do Parque da Cidade com o Sudoeste. Na quinta-feira, os moradores se colocaram na frente de retroescavadeiras e conseguiram evitar a eliminação das árvores.

Detalhe: em entrevista ao CBPoder, do Correio Braziliense, o secretário de Obras do DF prometeu que as árvores da quadra 105 seriam preservadas. No entanto, ontem, os operários da Novacap estavam acompanhados de agentes policiais, que ameaçaram os moradores de prisão. Que inversão dos valores: os cidadãos que tentam proteger de ação predatória os bens coletivos são intimidados, enquanto quem destrói o meio ambiente é escudado.

Durante a operação, uma coruja foge assustada com o barulho do caminhão, que levanta uma nuvem de poeira: “Acabaram com o ninho da coruja!”, grita uma moradora. Uma das árvores tinha um cartaz com os dizeres: “Eu tenho 30 anos”. A operação de corte das árvores com motosserra é assustadora. Em 30 segundos, pode ser destruir o trabalho de 30 anos da natureza.

Por isso, o promotor de justiça Dênio Augusto de Oliveira Moura entrou uma Ação Civil Pública e pediu a suspensão imediata da obra, pois existe o perigo de danos urbanísticos e ambientais irreversíveis ou de difícil reparação. No caso do projeto, são óbvios os indícios de que ele fere as escalas bucólica, gregária e residencial de Brasília, cidade tombada como patrimônio cultural da humanidade.

É como se uma via expressa como o Eixão, de fluxo selvagem e de alta velocidade, atravessasse um bairro residencial. Nunca, nenhuma intervenção urbanística terá impacto tão avassalador sobre a vida cotidiana de Brasília quanto o viaduto da Epig. O trânsito de pedestres, de ciclistas e de pessoas com deficiência ficará comprometido. Cerca de 25 mil carros por dia trafegarão pelas vias alargadas.

Isso significa poluição sonora, poluição atmosférica e perigo de acidentes. Em suma: a destruição das escalas criadas por Lucio Costa. Como tudo isso foi aprovado? É a pergunta que fica no ar. Mas, na ação civil, o promotor Dênio Augusto aponta evidências de várias irregularidades. Os técnicos do Iphan apontaram problemas e fizeram diversas recomendações, mas elas não foram atendidas.

A lei distrital n 4.566, de 4 de maio de 2011, incluiu a EPIG entre as vias que integram o chamado Eixo Oeste, reconhece o procurador: “Porém, o que se propõe na espécie é a criação de uma nova via expressa, não prevista em lei, ligando a Avenida das Jaqueiras e o Parque da Cidade, a despeito da proteção de que goza o conjunto urbanístico de Brasília, inclusive no âmbito internacional”, contra-argumenta.

Se os viadutos resolvessem os problemas de transporte, São Paulo e Brasília seriam os campeões nacionais de mobilidade urbana. Ao acionar a polícia contra os moradores que apenas saem em defesa pacífica do meio ambiente, o governo local atesta que o procurador tem razão. Por favor, parem de mobilizar, covardemente, a polícia, para ameaçar cidadãos decentes, que se arriscam para evitar a derrubada criminosa de árvores.

O projeto do viaduto da Epig precisa ser interrompido, com urgência, antes que seja tarde. É algo muito grave o que ocorre no Sudoeste e no Parque da Cidade. O Parque da Cidade é tombado por decreto da Câmara Distrital. Ela não vai se manifestar? E o Iphan, como explicar que um projeto de tamanho impacto seja aprovado? E o Detran, o que tem a dizer sobre o fluxo do trânsito?

E o Ibram, por quê concedeu licença ambiental para a derrubada de mais de 700 árvores? Como justificar um projeto que transformará Brasília, a cidade-parque, tombada como patrimônio cultural da humanidade, em cidade-viaduto?

Severino

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