A Brasília de Bracher

Publicado em Crônicas
Crédito: Miguel Aun/Divulgação. Catedral Metropolitana de Brasília na visão dramática de Carlos Bracher.

 

Severino Francisco

 

A família do artista plástico Carlos Bracher é de Diamantina, a cidade em que nasceu Juscelino Kubistchek, o criador de Brasília. A avó de Bracher morava em frente à casa da mãe de JK. Desde os tempos de criança, ouvia histórias do Nonô, apelido de JK na família. Corria a fama que era muito inteligente, acordava cedo, desde os 6 anos, para ler.

 

Depois, Bracher acompanhou pelas revistas as matérias sobre a construção de Brasília, quando era adolescente. Em 1962, visitou Brasília pela primeira vez e sentiu a vontade de pintar a cidade. No entanto, esse desejo só se realizaria em 2007. Ele passou um ano no planalto, pintou próximo aos monumentos, no meio das praças, em meio aos passantes brasilienses.

Crédito: Aureliza Correa/Esp. CB/D.A Press. Brasil.  Carlos Bracher desenha painel no Sindicato da Indústria da Construção Civil do DF.

 

Foi uma experiência inesquecível. Bracher pintou 66 quadros e a série foi registrada no documentário Âncoras aos céus, dirigido pela filha Bluma Bracher. Carlos é impregnado do barroco de Minas. Embora a arquitetura de Niemeyer seja forjada no concreto, ele tem uma alma barroca, que se manifesta na Catedral Metropolitana, no Congresso Nacional, no Palácio Alvorada ou no Supremo Tribunal Federal.

 

Mas a porta de entrada da pintura de Bracher foi a beleza do céu de Brasília. Mesmo quando ele pinta os monumentos, a esfera celeste se mistura ou se infiltra inapelavelmente nos monumentos: “Os criadores de Brasília inventaram prédios com espaço para nuvens”, escreveu Clarice Lispector. Bracher estabeleceu um contraste dramático com a arquitetura de Oscar Niemeyer.

Crédito: Carlos Bracher/Divulgação. O Congresso Nacional transfigurado nas pinceladas convulsivas de Carlos Bracher.

 

Niemeyer propõe-nos a leveza, o sentido musical da arquitetura, observa Bracher em catálogo sobre a Série Brasília. Não poderia ir pela beleza, propriamente, mas pela percepção de uma certa tragicidade: “Os céus e os abismos me assinalaram a vereda expressionista da força da cidade. É como eu poderia expressá-la. Não pela doçura das faces e dos brancos intangíveis, mas pela intensidade viril dos negrumes, da energia que move as cores escuras”.

 Crédito: Miguel Aun/Divulgação. Bracher homenageia os “altivos candangos” com uma aquarela.

 

A Catedral Metropolitana, o Museu da República, a Igrejinha da 308 Sul e a Ponte JK são transfiguradas pelas pinceladas convulsivas e dramáticas de Bracher: “Niemeyer é o branco, a pureza das formas que se saltam no espaço em busca da liberdade; eu sou o quase-negro das coisas que se assentam bruscas, como aquela tonalidade fatal, quando a revelação dos enigmas se toca pela tempestuosidade do gesto, pela frondosidade da oposição da beleza em si, em minha estética”.

 

É como se Bracher quisesse registrar, não a descrição formal dos prédios, mas “a essencialidade imaterial de cada lugar”. Em vez de aferrarem-se a frases feitas e lugares comuns, os artistas interagiram com a cidade e foram os que compreenderam melhor Brasília. A série produzida por Bracher enriqueceu o acervo iconográfico da cidade e imprimiu uma alma dramática, densa, barroca e convulsiva a Brasília, subterrada embaixo da placidez das formas da arquitetura de Niemeyer.

 

 

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