A boiada do Lira

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Severino Francisco

Um personagem crucial da crise tem conseguido passar ileso até agora: o deputado Arthur Lira (PP), líder do Centrão e da ala pre-histórica do Congresso Nacional. Enquanto as atenções estão voltadas para a CPI da Covid no Senado, Lira passa boiada dos projetos mais obscurantistas, medievais, anacrônicos e contrários aos interesses do povo brasileiro.

Encerrado na bolha do orçamento oficial e do orçamento paralelo de bilhões de reais, Lira empurra as propostas mais absurdas: o voto impresso, a liberação de garimpo em terras indígenas, a flexibilização da fiscalização das leis ambientais, a liberação das armas e o semipresidencialismo. Que necessidade o povo brasileiro tem desses monstrengos neste momento tão dramático?

Essa agenda credencia Lira à condição de legítimo líder da vanguarda do atraso. É uma agenda anticidadã, antiecológica e antidemocrática. Vejamos o caso do voto impresso. O sistema de voto eletrônico é, no momento, um dos raros motivos de orgulho do Brasil. Ele foi inaugurado nas eleições de 1994 e, ao longo de mais de três décadas, nunca foi registrada nenhuma prova de fraude.

Mas, como o presidente despenca a cada dia nas pesquisas de intenção de voto, resolveu desfechar uma campanha contra as urnas eletrônicas, macaqueando o seu ídolo, Donald Trump. É interessante porque, nos EUA, Trump acusou o sistema de maracutaia, porque o voto é impresso, sem apresentar nenhuma prova.

Já aqui, a fraude ocorreria, segundo o presidente, porque o voto é eletrônico. Até o principal interessado, o deputado Aécio Neves, que concorreu à presidência com Dilma Rousseff, em 2014, desmentiu o presidente Bolsonaro de que teria havido falcatrua na apuração das eleições daquele ano.

No momento em que a Europa e os Estados Unidos sofrem os efeitos devastadores da aceleração do aquecimento global, Lira passa também a boiada da flexibilização da fiscalização das leis de proteção ambiental, da liberação de garimpos em terras indígenas e dos empecilhos para a demarcação das terras indígenas. Claro, a flexibilização da proteção ambiental já deu certo em Mariana e Brumadinho, por que não seria bem-sucedida sob a liderança de Lira?

Esse pacote obscurantista vai na contramão das políticas do mundo civilizado e agravará ainda mais os problemas ambientais. O que fazem com os índios brasileiros, povos originais do país, é uma covardia que envergonha ou deveria envergonhar a todos brasileiros. Políticos da União Europeia e dos Estados Unidos já avisaram que essa irresponsabilidade será cobrada, inclusive com retaliações no campo das exportações do agronegócio brasileiro.

A privatização da Eletrobrás foi outra jogada falaciosa, pois incorporou uma infinidade de jabutis que, no fim das contas, serão pagos por nós, os cidadãos mortais. É a Jabutibrás. Para passar a boiada do atraso, Lira atropela todo o trâmite democrático, requenta projetos antigos e dribla as comissões parlamentares.

Posa de machão nordestino, mas atua como um serviçal obediente ao governo, reduzindo o parlamento a um puxadinho do Palácio do Planalto. Sem a ação subserviente de Lira nenhum desses absurdos prosperaria.

Enquanto isso, Lira senta em mais de 100 processos de impeachment e declara que não sabe para que uma CPI da Covid, se omitindo de maneira pusilânime sobre as razões da morte de mais 530 mil brasileiros. Já está a merecer homenagens nas manifestações de ruas. E, por todas as boiadas do atraso que passou, ele deveria ser um nome inesquecível para os brasileiros nas próximas eleições.

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