A celebração de Fernanda

Publicado em Crônicas

Severino Francisco

Algumas amigos e alguns amigos disseram que estavam preparando o vinho para comemorar o Oscar de Ainda estou aqui e de Fernanda Torres. Fiquei preocupado porque o Oscar é um prêmio regido pelo interesse em autoglorificar a indústria cinematográfica norte-americana. Claro que a academia mudou muito nos últimos anos, mas essa continua sendo a premissa que domina o prêmio.

Não é um prêmio que, necessariamente, escolhe os melhores do ponto de vista estético. Ainda estou aqui furou a bolha e conquistou a inédita estatueta de Melhor Filme Internacional. Vale muito em termos de prestígio e alcance de mercado. No entanto, me parece que merecia também ganhar nas categorias de Melhor atriz e Melhor Filme.

Aos que entendem que exagero ou incorro em patriotada, lembro que o site Rotten Tomatoes, que agrega críticas de filmes e séries, conferiu 95% de aprovação por parte da crítica internacional. O índice mais alto entre os concorrentes ao Oscar. Alguns sites estrangeiros defenderam que Ainda estou aqui ganhasse não apenas o prêmio de Melhor Filme Internacional, mas, também, o de Melhor Filme.

Eu acho que é o mais tocante dessa safra. Tem algo da pungência de Nelson Pereira dos Santos e do neorrealismo italiano. “O candidato mais urgente do ano para melhor filme é aquele que quase ninguém viu”, disse o site Slate.

E emendava tocando, com agudeza, no ponto crucial: “Entre os 10 indicados para Melhor Filme, há vários com pretensão de relevância contemporânea, alguns mais do que os outros. Mas nenhum parece tão urgente, tão essencial quanto Ainda estou aqui, ou tem uma performance em seu centro tão elementalmente poderosa quanto a de Fernanda Torres”.

O Oscar não se emenda. Em 1999, em vez de distinguir a magnífica interpretação de Fernanda Montenegro em Central do Brasil, o Oscar preferiu premiar Gwyneth Paltrow, de Shakespeare apaixonado. Ela ficou famosa, não por outras atuações primorosas, mas por ser flagrada em foto na qual usa a estatueta como escora da porta em casa.

Pois bem, na edição de 2025, Fernanda Torres foi a maior estrela do Oscar. Ela é a personalidade que mais mobilizou a atenção do público, dos jornalistas e dos críticos. Brilhou, intensamente, dentro e fora das telas. As inúmeras entrevistas que concedeu se tornaram acontecimentos de inteligência, elegância, dignidade e bom humor.

Nos últimos anos, nos sentimos tão envergonhados com nossos representantes, principalmente quando saíram para eventos em outros países, que foi um prazer vê-la e ouvi-la. Ela nos representou com dignidade. Nada fez para agradar ou viralizar. Simplesmente foi Fernanda Torres de corpo inteiro.

Em uma das entrevistas, concedidas à Globo News, ela disse que a força do filme foi recolocar em circulação uma família brasileira, amorosa, que gosta de amigos, de música, de cultura, de solidariedade e de empatia. Isso encantou o Brasil e o mundo: “Isso é a alma brasileira. Por isso, tocou tantas pessoas no Brasil e em outros países”.

Se a academia concedeu a estatueta de Melhor Filme Internacional a Ainda estou aqui e se Fernanda é, como bem disse Walter Salles, a alma da fita, é uma incoerência descartar a atriz-protagonista. Mas, com ou sem estatueta, Fernanda virou uma estrela internacional de brilho próprio.

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