Severino Francisco
Perguntei a uma colega de redação se ela achava que o Brasil levaria a Copa. Ela respondeu: “Sinceramente, a esta altura, não me importo se vai ganhar ou perder. Quer saber, não estou nem aí para o Neymar.” Repliquei a ela: “Mas que Neymar? Estou falando da Fernandinha Torres, do Oscar, I’m still here“. Estou preocupado com amigas e amigos que se preparam para torcer e se retorcer por Ainda estou aqui e por Fernanda Torres hoje na cerimônia do Oscar.
Marcelo Rubens Paiva escreveu Ainda estou aqui no instante delicado em que a mãe, Eunice Paiva, tinha a memória afetada pelo alzheimer. Não poderia deixar que a história dela se perdesse e também que o país sucumbisse em uma espécie de alzheimer coletivo sobre os acontecimentos trágicos da ditadura militar.
“A gente sempre fala dos homens, dos heróis, dos combatentes, mas nunca fala da mãe, daquela que ficou na retaguarda ou, às vezes, no front de batalha”, contou Marcelo, em entrevista ao jornal do Sesi: “No caso da minha mãe, ela ficou na retaguarda e no front.”
Ao escrever Ainda estou aqui, em 2015, descobriu, no caos em que vivia, que ela foi realmente a grande líder, guerreira e heroína da família. “Porque, além de todas as suas lutas, ela tinha cinco crianças para cuidar. Passei a dar valor em dobro à minha mãe”.
É impressionante o poder de arregimentação desse filme e a capacidade de tocar no coração das pessoas com a luz humanista do cinema. E ele chega precisamente no momento de guinada da servidão voluntária no mundo, com alguns cidadãos clamando por uma intervenção militar, sem saber o que significa isso na vida das pessoas.
O New York Times bancou Ainda estou aqui e Fernanda Torres na condição de favoritos ao Oscar. Mas eu recomendo cautela com as altas expectativas. Primeiro, porque o Oscar não é um prêmio que reconhece apenas o mérito artístico. Antes de tudo, é uma distinção para celebrar a indústria cinematográfica norte-americana. Existe para autoglorificação de Hollywood. É difícil imaginar que seja concedido um prêmio de melhor atriz para Fernanda Torres e deixem Demi Moore de fora.
O Oscar não foi concebido para isso, se o prêmio vier para os brasileiros, será um acidente feliz. Na verdade, mesmo que não leve a estatueta do Oscar, Fernanda já ganhou. Ganhou visibilidade, projeção, alcance e prestígio internacionais. Brilhou dentro e fora da tela. Mostrou ao mundo o país e os pais de onde veio. Nas entrevistas, nos representou com inteligência, dignidade, sensibilidade, verve, ilustração, simpatia e humanidade. Não precisou ser nada além de Fernanda Torres.
Se Ainda estou aqui e Fernandinha não ganharem, isso não vai ficar assim. Acamparemos no QG do Exército para pedir intervenção militar no Oscar. Além disso, exigiremos que os organizadores divulguem o código-fonte e que os os votos sejam auditáveis. Agora, se o filme ou Fernandinha levarem a estatueta, está abandonado o plano de ocupação do QG do Exército e de intervenção militar no Oscar. E vale até cambalhota na rampa do Palácio do Planalto.