007 no céu de Brasília

Publicado em Crônicas
Crédito: Cinefrance/Divulgação.  Jean-Paul Belmondo e Jean Seberg em Acossado, de Jean-Luc Godard: cinema moderno apresentado na Sessão da Tarde.

 

Severino Francisco

 

Quando eu tinha 15 anos e morava em São Paulo, liguei a tevê, aleatoriamente, na Sessão da Tarde. Logo, fiquei fascinado por um filme diferente de todos os que eu havia visto até aquele momento. Uma das razões do alumbramento era a beleza despojada da atriz principal, tão distinta das deusas platinadas inacessíveis do cinema holliwoodiano.

 

Sim, a nossa atriz da Sessão da Tarde também era uma deusa, mas que parecia ter descido do Olimpo, meio baixinha, vestida de jeans e blusa branca, vendendo jornais nas ruas, com um charme irresistível, ao alcance dos mortais: “New York Herald Tribune! New York Herald Tribune!!!…”

 

O protagonista do filme era um marginal, arrastado por gestos gratuitos, ao sabor da aventura. Dava tiros no sol. Era também um antigalã e um anti-herói. Sem saber, sem cerimônia, durante o ócio juvenil de uma Sessão da Tarde, eu tinha sido apresentado ao cinema moderno. Os atores eram Jean Seberg e Jean-Paul Belmondo, em Acossado, de Jean-Luc Godard.

Crédito: Cinemateca Brasileira/Divulgação. Jean-Paul Belmondo em cena do filme O homem do Rio, no topo dos prédios de Brasília, com a cidade aberta atrás.

 

Mas, para minha surpresa, muito tempo depois, eu assistiria na internet, com um calafrio na espinha, a sequência do filme O homem do Rio, em que Belmondo faz malabarismos no topo dos prédios de Brasília. Em uma das imagens, ele se equilibra, perigosamente, em uma tábua, sob a vertigem da cidade espacial, com as linhas da plataforma da rodoviária em primeiro plano e a pirâmide do Teatro Nacional ao fundo, quase reduzida à dimensão de uma caixinha de fósforo.

 

Fiquei intrigado não sei se com a habilidade de Belmondo ou com os truques da montagem. Mas o nosso ilustrado Sérgio Moriconi, cineasta, professor e pesquisador, autor de Cinema brasiliense – Apontamentos para uma história, me deslindou o mistério. O descolado Belmondo não chegava a ser o homem-aranha, mas tinha um passado de atleta: havia sido artista de circo e lutador de boxe.

Crédito: Cinemateca Brasileira/Divulgação. Cartaz de O homem do Rio, com o ator Jean-Paul Belmondo: malabarismo perto das nuvens de Brasília.

 

Escalar prédios de Brasília e fazer acrobacias a 50 metros do chão, perto das nuvens, era fichinha para ele. Seria melhor a gente se preocupar com os atores coadjuvantes que o perseguiam, visivelmente desajeitados em cima dos andaimes.

Crédito: Cinemateca Brasileira/Divulgação.  Ator Jean-Paul Belmondo corre em meio a poeira próximo a carro em cena do filme O homem do Rio: trama policial em Brasília.

 

O enredo mirabolante de O homem do Rio, dirigido por Phillippe Broca, narra as peripécias do personagem Adrien (Jean-Paul Belmondo) e sua namorada Agnès (interpretada pela belíssima Françoise Dorleac, irmã de Catherine Deneuve).

 

Agnès é sequestrada e trazida até Brasília porque ela possuía uma estatueta malteca de valor milionário. O filme é uma espécie de versão francesa das aventuras de James Bond e se tornou uma das principais fontes de inspiração de Steven Spielberg ao conceber o roteiro de Caçadores da arca perdida. Realmente, o que salvou Belmondo nos céus de Brasília foi o passado de atleta.

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