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Entre os servidores, uns admitem que é preciso algumas mudanças no RPPS. Outros afirmam que não há déficit na Previdência. Mas todos são unânimes em apontar uma atmosfera de perigo no ar
VERA BATISTA
INGRID SOARES
Estudo da Associação dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Anfip) aponta que a Previdência funcionalismo federal é superavitária. De 2000 a 2005, o saldo positivo foi de R$ 821,73 bilhões (R$ 2,1 trilhões atualizados). Nos últimos 20 anos, devido a desvios, sonegações e dívidas, R$ 3 trilhões (R$ 6 trilhões atuais) deixaram de entrar nos cofres públicos. O único déficit foi em 2016, resultado de desvinculações orçamentárias, sonegação e renúncias fiscais, associadas a recessão, desemprego e políticas macroeconômicas inadequadas. “Somente com a Desvinculação das Receitas da União (DRU), o governo retirou R$ 98,8 bilhões da Seguridade”, aponta o levantamento da Anfip.
Rudinei Marques, presidente do Fórum Nacional das Carreiras de Estado (Fonacate), lembrou que os últimos quatro anos foram de crise econômica, uma das piores da história, desmoralização política e instabilidade institucional. “Não há clima para comemoração, pois o medo tomou conta do país”. Ele destacou que as chamadas políticas de austeridade, focadas em sucessivos cortes de despesa, venda de patrimônio público e flexibilização de direitos, foram apresentadas como um imperativo, como uma panaceia, mas produziram o efeito oposto: “a pior recuperação da história econômica brasileira, desemprego elevado, mais pobreza e mais violência, além de desorganização das políticas públicas e dos serviços à população”.
A acusação de que os servidores são os vilões da Previdência, de acordo com Marques, é um equívoco. “Qualquer especialista no assunto sabe que, no âmbito federal, no longo prazo, o RPPS foi equacionado, com a instituição da previdência complementar, em 2013. Desde então, vigora para novos servidores civis o teto do INSS. O déficit será zerado, neste caso, diferentemente da situação dos militares, que não instituíram previdência complementar”, lembrou.Seja quem for eleito, segundo Marques, os servidores estarão à disposição para o diálogo, “produção e disseminação de informação qualificada sobre qualquer tema de interesse”.
Sérgio Ronaldo da Silva, secretário-geral da Confederação Nacional dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef), destacou que “todo o funcionalismo está ciente das dificuldades que o próximo período irá impor, portanto, não há o que comemorar. É certo que há muito que trabalhar e resistir”. Ele ressaltou que o maior responsável pelo rombo das contas públicas não é o servidor. “Há privilégios que não são atacados, como a dívida pública que consome quase metade do orçamento e sequer é citada como uma questão a ser encarada”. Apesar das dificuldades, Silva afirmou que, no ano que vem, os servidores estarão mobilizados. “Vamos buscar o caminho do diálogo, mas não abriremos mão do direito de destravar empasses que se mostrarem necessários”, destacou.
Desafio do governo
Claudio Damasceno, presidente Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal (Sindifisco), destacou que a reforma proposta pelo governo Temer trazia uma série de pontos negativos para o funcionalismo e para o trabalhador da iniciativa privada. “Há ainda uma questão de fundo: a Previdência é realmente deficitária?”, questionou. Ele lembrou que, em 2015, o governo arrecadou com a seguridade social R$ 700 milhões e gastou R$ 688 bilhões. “No mesmo ano, foram desvinculados para outras finalidades cerca de R$ 66 bilhões da previdência, saúde e assistência social”,ressaltou. O próximo governo, disse Damasceno, terá o desafio de encontrar uma forma de manter a saúde da previdência, “que não coloque o custo na conta dos trabalhadores, seja do setor público ou do setor privado”.
Geraldo Seixas, presidente do Sindicato Nacional dos Analistas Tributários da Receita Federal (Sindireceita), salientou que “quem aponta os servidores como principais responsáveis pelo rombo da Previdência, faz absoluta questão de retirar da conta todos os prejuízos históricos dos sonegadores, dos beneficiados com contínuos programas de refinanciamento de dívidas tributárias, os setores privilegiados com isenções e programas de desoneração, e também o custo extraordinário das pensões e aposentadorias dos militares, dos magistrados, dos membros do Ministério Público e dos políticos”. Para Paulo Cesar Régis de Souza, vice-presidente-executivo da Associação Nacional dos Servidores da Previdência e da Seguridade Social (Anasps), “o servidor público é sempre execrado como inepto por dirigentes incompetentes e corruptos, sem direito a se defender.
“A sociedade exige a prestação de serviços de excelência com razão, afinal, pagamos o maior número de tributos do mundo. Só poderemos reverter essa situação, com adequado concurso público, sistemas modernos de informatização e melhoria na qualidade, segurança e conforto nas condições de trabalho”, destacou Souza. Julio Domingues Possas, da Associação dos Servidores do Tesouro Nacional (ASTN), lembrou que as despesas com pessoal no Poder Executivo continuam em cerca de 4,5% do Produto Interno Bruto (PIB, soma das riquezas do país).
“Os problemas estão, então, nas distorções internas no serviço público, com algumas carreiras recebendo salários e benefícios incompatíveis, enquanto outras ficam defasadas em salários e quantidade de pessoal”, afirmou Possas. Ele destacou que as carreiras precisam “reconhecer que a sociedade e as contas públicas não suportam as greves injustificadas e o sindicalismo partidarizado”. “A discussão agora precisa ser técnica e cada classe tem que justificar a sua existência e a sua importância”, ressaltou o funcionário do Tesouro.
Realce
Washington Barbosa, especialista em direito público e do trabalho e diretor acadêmico do Instituto Duc In Altum (DIA), apontou apenas um dado a comemorar: a consolidação do concurso público no Brasil, que vem sendo até agora respeitado. “De resto, pouco se avançou. E muitas vezes o que a sociedade aponta como inoperância do servidor, se trata de deficiência na gestão, falta de unicidade metodológica e de uniformização de procedimentos. O servidor não tem visão integral da administração, e não pode ir além de suas atribuições”, assinalou Barbosa. Angelo Costa, presidente da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT), enfatizou que “enxugar drasticamente o tamanho do Estado não é a solução”. E algumas medidas, a exemplo da terceirização indiscriminada, vão tornar o controle dos serviços mais precário e abrir as portas para a corrupção.
“Essas é uma das nossas preocupações. Se há deficiências, é preciso abrir canais de diálogo, ouvir sugestões e críticas, não somente cortar gastos, reduzindo a estrutura e a proteção ao trabalhador, do Judiciário e do Ministério Público do Trabalho”, assinalou Costa. Igor Roque, presidente da Associação Nacional dos Defensores Públicos Federais (Anadef), chamou a atenção para o projeto que criou a Defensoria Pública da União (DPU), em 1994, que previa a interiorização em oito anos. “Hoje, ao contrário da expansão para todo o país, está havendo fechamento de unidades. Somos 628 defensores no Brasil, com muito trabalho. Não vejo motivo de comemoração no Dia do Servidor”.
Para o presidente da Federação Brasileira de Associações de Fiscais de Tributos Estaduais (Febrafite), Juracy Braga Soares Júnior, entre todas as pautas importantes que o novo presidente terá nas mãos, a principal sobre a qual o governo deve se debruçar é a remodelagem do sistema tributário nacional para entregar ao empreendedor as condições ideais para instalar uma empresa e vê-la se desenvolver no país. “Temos um sistema que não privilegia o empreendedorismo, pelo contrário, desestimula. Os decretos de cada Estado têm em média cinco mil artigos, parágrafos, incisos e alíneas. Ninguém consegue manejar esse volume de informação. É ruim para o contribuinte que quer cumprir com as suas obrigações. Fatalmente ele sempre cairá em alguma infração, mesmo que involuntariamente”.
Juracy Braga defende que, no máximo, a exigência poderia ser a emissão da nota fiscal eletrônica e escrituração simplificada. “Os grandes conglomerados, que não pagam tributo, têm tratamento de rei. Esse tipo de tratamento é um concentrador de riquezas. É o Estado tirando, por meio da arrecadação, tributos, recursos dos mais pobres, e transferindo para os mais ricos. Um sistema de Robin Hood às avessas”, comentou o presidente da Febrafite. Segundo o presidente do Sindicato dos Policiais Federais no Distrito Federal, Flávio Werneck, independentemente de quem ganhar a eleição, o debate, o diálogo e a mobilização estarão presentes.
“Acredito que qualquer tipo de mobilização terá na pauta as reivindicações por melhorias. Isso não vai acabar, seja em que governo for, em qual tempo for, isso é histórico”. Em relação ao embate sobre a Previdência, Werneck discordou que o funcionalismo público é o grande vilão. “Comprovadamente não é verdade, até pelos números já apresentados, tanto pelo Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP), quanto por auditorias independentes e vários outros órgãos. Existe uma mentira muito grande de que o funcionalismo público tem privilégios. Uma grande maioria ganha menos que R$ 4 mil. Desde 2013, o funcionário público que queira ganhar acima do teto do INSS quando se aposentar, tem que contribuir para a Previdência privada ou complementar (Funpresp)”, defendeu.
Eleitores
Morador de Águas Claras, o estatístico do Ministério da Agricultura César Travassos, 65 anos, tem 38 de funcionalismo público. Ele afirma que a categoria não tem o que comemorar pois ainda carece de reconhecimento. O paulista, antes taxista, iniciou a carreira à procura de melhoria de condições de vida para a esposa e os quatro filhos. “O funcionário público deve ser bem tratado e reconhecido. Falta informação por parte da população. Todo mundo acha que a culpa é do funcionário público. Tem que parar para olhar o que a gente desconta para a aposentadoria: são 11% do que a gente ganha”.
Travassos aponta a indicação política como um dos problemas e argumenta que concorda com as propostas do candidato Fernando Haddad (PT) para a carreira. “Tenho esperança em um país melhor, não apenas para os funcionários públicos. Simpatizo com as ideias dele de rever as regalias do Judiciário, por exemplo. Não faz sentido ganhar auxílio moradia, com casa, e auxílio-creche, se o salário permite que ele pague. No caso de Bolsonaro, temo que ele seja o próximo Collor, que caçou tudo, tomou dinheiro e até hoje tem gente em dificuldade financeira por conta disso”.
Cícera da Silva, 54, agente administrativa do Ministério do Meio Ambiente, moradora da Ceilândia Norte, passou no concurso há 24 anos. Cadeirante, ela conta que procurava uma função com estabilidade. Foi chamada para preencher a quarta das cinco vagas especiais oferecidas na época. “Em três meses me chamaram. De lá para cá, notei que algumas coisas devem mudar, como cargos com muitos benefícios, cargo comissionado, cargo político. Eles chegam já ganhando bem e não têm preparo. Outra coisa: para os cadeirantes, por exemplo, falta mais acesso na Esplanada. A rua está cheia de buraco. É o caos”.
Cícera, até o último momento, estava em dúvida sobre em quem votar para presidente. “Acho que Haddad tem boas propostas para o funcionalismo. Mas a expectativa é a de que quem quer que ganhe, faça um bom trabalho, sem corrupção, para a construção de um país melhor”. Já a brasiliense Fernanda Prudêncio de Moura Sobrinho, 28 anos, técnica judiciária do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), moradora do Setor Hoteleiro Norte e formada em direito, conta que tem muito o que comemorar na data. “Tem gente que reclama de barriga cheia. Minha vida melhorou, sou muito feliz e estudo para outros concursos. Aqui todo mundo é competente, não tem lugar para acomodados. Trabalho com pessoas bem preparadas. Me orgulho. Mas penso que a área executiva tem muito o que melhorar. O apadrinhamento é muito forte”.
Fernanda disse que pretendia dar um voto de confiança a Jair Bolsonaro (PSL). “Concordo que tem que enxugar o número de ministérios. Na minha perspectiva, para ajudar o país, a melhor saída é diminuir os benefícios da minoria, para o bem do coletivo. Voto em Bolsonaro pela situação do Brasil. Estou pensando na coletividade”, completou. Ex-vendedor de material de construção, o piauiense Anaxmandro Honório, 39 anos, assumiu há cinco anos o cargo de assistente do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). Morador de Ceilândia Sul, é o caçula de 12 filhos. “Com o serviço público, o pobre pode chegar onde eu cheguei. Sou um exemplo de onde vim. Sou a favor do bem público. O lado ruim é que a máquina pública é pesada e com má política. Somos obrigados a conviver com o acobertamento de cargo político”.
Na última hora, Honório ainda não tinha decidido o voto. “Não tenho um candidato. Há conceitos dos dois lados que eu defendo e outros que condeno. Sou a favor da pessoa, do pobre e do serviço público, que não pode acabar. Se Bolsonaro for eleito, pode enxugar a máquina pública, colocar pessoas com mérito. A minha esperança é de que quem for eleito possa modificar totalmente. Hoje tem aparelhamento político-partidário e não satisfaz a população. Oitenta por cento do meu tempo de trabalho é voltado para demanda política de terceiros e não para o bem-estar da população”, reclamou.
Campanha dos presidenciáveis
Bolsonaro
A análise feita pelo Correio tem como base os planos de governo dos presidenciáveis disponíveis no site do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que servem para uma futura gestão nos próximos quatro anos. O serviço público é tratado por eles de maneira pouca detalhada.
Jair Bolsonaro (PSL) propõe a redução do número de ministérios de 23 para 15, com fusão ou extinção de pastas. “Um número elevado de ministérios é ineficiente, não atendendo os legítimos interesses da nação. O quadro atual deve ser visto como o resultado da forma perniciosa e corrupta de se fazer política nas últimas décadas, caracterizada pelo loteamento do Estado, o popular “toma lá-dá-cá”, diz um trecho do documento.
Ele defende o chamado orçamento base zero. “Com o fim do aparelhamento dos ministérios, inverteremos a lógica tradicional do processo de gastos públicos. Cada gestor, diante de suas metas, terá que justificar suas demandas por recursos públicos. Os recursos financeiros, materiais e de pessoal, serão disponibilizados e haverá o acompanhamento do desempenho de sua gestão. O montante gasto no passado não justificará os recursos demandados no presente ou no futuro. Não haverá mais dinheiro carimbado para pessoa, grupo político ou entidade com interesses especiais. Prioridades e metas passam a ser a base do Orçamento Geral da União, para gastar o dinheiro do povo obtido pelos impostos”.
Bolsonaro considera o funcionalismo público o “grande problema” da Previdência no Brasil e disse que nesse setor há uma “fábrica de marajás”. O presidenciável ainda critica “a multiplicação de cargos, benefícios e transferências”, que resultou em um “setor público lento, aparelhado, ineficiente e repleto de desperdícios”.
Haddad
Já Fernando Haddad (PT) afirma que vai investir na profissionalização e valorização do serviço público como uma política de “recursos humanos” para o setor que leve em consideração, de modo articulado e orgânico, as etapas de seleção, capacitação, alocação, remuneração, progressão e aposentadoria.
Ele critica a “terceirização irrestrita” e o “acúmulo de privilégios” por parte do Judiciário. O petista prega também o fim do auxílio-moradia e a redução do período de férias de 60 para 30 dias para todas as carreiras com o privilégio. Haddad lembra, também, da necessidade de regular a aplicação do teto salarial no funcionalismo público.
“É crucial associar a gestão das atividades profissionais e funções no setor público à ampliação da capacidade de prestar serviços de forma cada vez mais simples, ágil e efetiva. É preciso qualificar os concursos e conter a privatização e a precarização no serviço público, expressas pela terceirização irrestrita e pela disseminação de modelos de gestão e agências capturados e controlados pelo mercado”, ressalta o documento.
Ao contrário do que defendem o governo e os analistas do mercado financeiro, não é a despesa com a folha de pagamento dos servidores que onera o Orçamento da União, no entendimento de Jordan Alisson Pereira, vice-presidente do Fórum Nacional das Carreiras Típicas de Estado (Fonacate) e presidente do Sindicato Nacional dos Funcionários do Banco Central (Sinal). “Em primeiro lugar é fundamental que o governo abra o diálogo e discuta as prioridades de distribuição do orçamento. E como se tem notado, nos últimos anos, o desembolso com o funcionalismo vem caindo a cada ano. Têm muito mais impacto as renúncias fiscais ao setor produtivo”, destacou – de acordo com o Tribunal de Contas da União (TCU), o país deixou de arrecadar R$ 354,7 bilhões com esse benefício, em 2017.
Em debate, ao vivo, pelo Facebook do Correio Braziliense, o dirigente sindical explicou os motivos pelos quais os servidores divergem do “rearranjo das prioridades orçamentárias” proposto pelo senador Dalírio Beber (PSDB/SC), relator da LDO, que, além de salários, congela benefícios, como o auxílio-alimentação ou refeição, auxílio-moradia e assistência pré-escola – permanecerão nos mesmos valores de 2018. O relatório também indica a redução de 10% das despesas com custeio administrativo. “Parece que há uma escolha por seguir uma lei e outra, não. A legislação determina que anualmente os servidores tenham os salários reajustados pela inflação. E isso não vem acontecendo há muito tempo. No Banco Central, por exemplo, atualmente, os funcionários ganham apenas 85% do que ganhavam em 2010”, reforçou.
O senador Beber incluiu, ainda, um dispositivo em seu relatório que proíbe reajuste das verbas aos gabinetes de deputados e senadores, que bancam pessoal, material de divulgação e combustível, a compra de automóveis de representação e de imóveis e os recursos para reforma. Em relação aos benefícios tributários à iniciativa privada, Bieber deu um prazo de 10 anos, para que elas não ultrapassem 2% do Produto Interno Bruto (PIB, soma das riquezas produzidas no país), hoje em 4%. “Esse é mais um motivo para discutirmos a repartição. São 10 anos para ajuste das renúncias fiscais e um corte drástico e imediato nas verbas de custeio”, comparou Jordan Alisson.