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Padrões morais antiquados dificultam divisão de patrimônio no Brasil
A separação do milionário Bill Gates e Melinda Gates, após 27 anos, e sem pacto pré-nupcial, trouxe à luz uma questão que os casais brasileiros – principalmente os que não estão entre os mais ricos do mundo – tentam jogar para debaixo do tapete: os acertos, antes ou durante o casamento, como proteção para uma futura e eventual divisão do patrimônio
É um problema muito sério da cultura e dos padrões morais antiquados cultivados no país, ressalta Viviane Limongi, advogada especialista em Direito de Família. “Resquício da culpa em relação ao dinheiro e da crença judaico-cristã de que não se fala de dinheiro quando se trata de afeto. Não adianta. As pessoas precisam conversar. Quanto mais transparência, melhor”,. E quando nada é tratado, prevalece a comunhão parcial de bens, ensina.
Apenas benfeitorias ou propriedades adquiridas durante o casamento são divididas entre o casal no momento do divórcio. “Para os multimilionários, é mais fácil. Tudo fica resolvido antes da união, até deveres de fidelidade. Não há ocultação ou não declaração de bens. No entanto, entre aqueles com menores posses, muitas vezes, predomina o machismo. O homem é o provedor, administra tudo sozinho, e a mulher nem sabe o que ele faz. No final, há um grande desgaste”, destaca Viviane.
A legislação brasileira é diferente da americana. Nesse caso específico, a nossa é nacional, com base no Código Civil e na Lei do Divórcio. Nos Estados Unidos, há distinções até entre os Estados, lembra a advogada Raquel Castilho, especialista na área Cível e Direito de Família, do Mauro Menezes & Advogados. “No Brasil, vale lembrar, ações, cotas ou sociedades em empresas, lucros e dividendos são partilhados. No caso de cotas companhias, se faz uma alteração contratual. Não é permitido reivindicar a liquidação. E também quando o lucro é reinvestido na empresa, essa parcela não entra na conta”, afirma ela.
Mas quando a empresa é criada antes do casamento, no caso entre Bill e Melinda, a lei brasileira não é totalmente uniforme, avisa Raquel Castilho. “Há uma controvérsia entre os juristas. Em muitos casos, o entendimento do Judiciário é de que os lucros são divididos. Mas em algumas situações, a empresa fica de fora e apenas os bens adquiridos com o lucro (imóveis, entre outros), durante o casamento, são incluídos na partilha. O ideal, para evitar dor de cabeça, é o pacto pré-nupcial. Ou mesmo durante o casamento, se houve enriquecimento de uma ou de ambas as partes, tudo deve ser registrado em cartório”, ressalta Raquel.
Regimes
O Código Civil brasileiro prevê quatro tipos de regimes de bens: comunhão parcial (regime de casamento oficial no Brasil, quando o casal não opta por regime diverso), comunhão total, separação total de bens e participação final nos aquestos (bens). A complexidade, e até mesmo o tempo de duração de um processo de divórcio com partilha, dependerá muito do conflito entres as partes, do regime e do patrimônio a ser dividido. Mas, principalmente, da intenção do casal em chegar a um consenso, explica Carolina Bassetti, sócia responsável pelo Núcleo de Família, Sucessões e Planejamento Patrimonial no Nelson Wilians Advogados
“A forma mais rápida e menos custosa é um acordo, seja por meio do Judiciário ou em Cartório, quando não há filhos menores ou incapazes. E também, para evitar problemas futuros, é fundamental delimitar o patrimônio de cada um, mediante a realização de pacto antenupcial”, destaca Carolina Bassetti. Existe regime que comunica todo o patrimônio, até mesmo os bens adquiridos antes do casamento, como no caso da comunhão total. E há também regime que permite que os bens, mesmo aqueles que foram constituídos durante o casamento, não se comuniquem, que é o caso da separação total de bens, reforça.
A melhor recomendação é sempre a pautada no processo preventivo. Ou seja, antes do casamento, o ideal é que o casal procure um advogado especialista na área familiar para que todos os regimes sejam devidamente explicados e, então, dentro da realidade deles, a melhor decisão seja tomada, destaca Lucas Marshall Santos Amaral, advogado do departamento de Direito de Família e Sucessões do BNZ. “Ou seja, a escolha do regime de bens que regerá o matrimônio é de suma importância, e feita antes do casamento, no famoso ‘pré-nupcial’. A depender do que for decidido nesse momento, se saberá o quão complicado pode ou não ser um processo de divórcio com partilha de bens”, afirma Amaral.
É muito importante sempre ser cuidadoso e organizado com toda documentação que envolve o patrimônio do casal. A negligência pode ocasionar problemas na hora de um eventual processo. “Vale lembrar que os cônjuges sempre podem alterar o regime de bens ao longo da união, desde que haja autorização judicial. Muitos casais que começam a ganhar muito dinheiro, de forma unilateral ou bilateral, acabam optando por esse caminho. Enfim, se nada disso resolver, a dica final é sempre ser assessorado por um profissional especialista de sua confiança”, reforça Lucas Marshall Santos Amaral.
Ilustração: MundoAdvogados