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No meio da briga, os maiores prejudicados serão os contribuintes. Por conta de uma portaria talhada para elevar o valor dos honorários de sucumbência que entra no bolso dos advogados, dizem analistas, perdem a União, que vai ter ônus maior e menos eficiência, e o contribuinte, que será obrigado a desembolsar 20% nos débitos tributários, caso inscrito na dívida ativa
No documento, os auditores da Receita acusam os procuradores de “atuação não satisfatória” e que eles sequer sabem calcular seus ganhos excedentes. “Pedem cálculos aritméticos primários, como regra de três simples e atualização monetária, em alguns casos para seus honorários advocatícios”. E ainda, para justificar o que não fazem, veiculam “material publicitário se apropriando do trabalho” dos servidores do Fisco. A nota, da Coordenação-Geral de Arrecadação e Cobrança (Codac), é em repúdio a uma portaria da PGFN que pretende inscrever, o mais rápido possível, qualquer crédito tributário em dívida ativa. Uma alternativa que vai prejudicar o Tesouro e os contribuintes. Ambos já são prejudicados pela atuação pífia dos advogados e serão ainda mais afetados pelo novo mecanismo indevido de cobrança, segundo técnicos do próprio governo.
A iniciativa também é vista como uma vingança dos auditores. Ainda não conseguiram regulamentar o seu bônus de eficiência, enquanto os advogados recebem honorários de sucumbência desde agosto de 2016. De acordo com um auditor, a portaria é um golpe para encher os bolsos dos advogados da União. “Porque a inscrição aumenta em 20% o valor da dívida do contribuinte. Esses 20% são os famosos encargos legais da dívida ativa, que compõem 90% do benefício da Advocacia-Geral da União (AGU). Ou seja, não se objetiva uma cobrança mais eficiente, para a União, e menos onerosa, para o contribuinte. O objetivo é aumentar a base de cálculo da benesse deles”, denunciou a fonte que não quis se identificar. Com a medida, contou, o contribuinte terá que desembolsar 20% a mais, para se livrar do problema, o que o fará protelar o litígio.
“E a União terá seu fluxo de caixa deteriorado, pois foi criado um entrave a mais e mais custoso, para seus devedores honrarem suas dívidas. Só quem ganha são os ‘baixaréis’”, ironizou, que contabilizarão 20% a mais na base de cálculo de seus benefícios, mesmo que esses recursos não entrem no caixa do Fundo Especial de Desenvolvimento e Aperfeiçoamento das Atividades de Fiscalização (Fundaf) – de onde deverá sair o bônus dos auditores, quando regulamentado. “Isto é problema da União, e não deles. O que importa é só contabilizar, apresentar a fatura para a União, e retirar na boca do caixa do Banco do Brasil, mentindo que o dinheiro é verba privada, decorrente de seus honorários advocatícios”, condenou.
Na Nota Codac nº 80, de 23 de março de 2018, os auditores-fiscais, interessados em provar que são produtivos, comparam os resultados da Receita com os da PGFN e expõem detalhes das deficiências dos procuradores na cobrança de créditos tributários (CT). “Para alcançar a eficiência da cobrança da RFB, a PGFN teria que multiplicar por 7 os seus resultados”, constatou a Receita. É clara a irritação com a tentativa de fiscalização e controle da atuação do Fisco por parte da PGFN. De acordo com o documento, em 2017, na cobrança, a RFB teve 51% de eficiência, e a PGFN, 7%.
Isso porque, no final de 2016, a Receita tinha uma “carteira de ativos recuperáveis para cobrança” de R$ 189,4 bilhões. Recuperou, em 2017, R$ 96,4 bilhões (51%). A PGFN tinha R$ 350 bilhões e trouxe aos cofres da União R$ 26,1 bilhões (7%). Em outro item, “recuperação de crédito tributário da cobrança administrativa especial (CAE)”, a RFB diz que, do total de R$ 238,07 bilhões, R$ 154,20 bilhões (65%) foram pelos auditores. Somente R$ 54,22 bilhões (23%) foram enviados à PGFN. Restam R$ 29,65 bilhões (12%) em cobrança na RFB. Retiradas as cobranças enviadas, o êxito é de R$ 132,22 bilhões.
Para os do Fisco, a PGFN está querendo regulamentar a estrutura e o funcionamento da Receita, estabelecendo procedimentos e invadindo competências legais, “inclusive a atividade privativa de auditores-fiscais”, como se eles estivessem “hierarquicamente subordinados” aos procuradores. O documento revela que, por debaixo do pano, a PGFN – embora tenha desistido após muita pressão– tentou impedir medidas mais severas dos auditores a contribuintes devedores, sem antes um “controle de legalidade”. O problema foi criado a partir da Portaria PGFN nº 33 de 8 de fevereiro de 2018 – regula a cobrança de CTs. A Receita reclama que a portaria é “objeto de consulta pública por parte da PGFN, porém sem consulta à RFB”.
A iniciativa parece ter magoado o pessoal do Fisco. Não é de hoje que um órgão pisa no calo inflamado do outro. Mas agora o dossiê, assinado e protocolado por graduados da área de arrecadação e cobrança, desbanca os colegas da Procuradoria. Estão todos embaixo do mesmo guarda-chuva, mas vivem se estranhando. A briga entre auditores-fiscais da Receita Federal e membros da Advocacia-Geral da União (AGU) – da qual fazem parte procuradores da Fazenda Nacional, procuradores federais e procuradores do Banco Central – é antiga.
Começou em 2009, com a PEC 443/2009, que vincula os salários de várias carreiras a 90,25% do subsídio dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF, de R$ 33,7 mil). Uma espécie de gatilho salarial. Piorou em 2015, quando o Plenário da Câmara manteve as carreiras jurídicas e rejeitou a inclusão de outras, entre elas as do Fisco – as greves e atos de protestos dos auditores começam a partir desse momento. Mas a queda de braço acabou virando “questão de honra”, dizem fontes do Ministério da Fazenda, quando o presidente Michel Temer sancionou e a AGU regulamentou, em 2016, os honorários de sucumbência. Esse ganho extra dos advogados já ultrapassou os R$ 6 mil mensais. Enquanto os auditores têm que se conformar com R$ 3 mil (deverá subir para R$ 4,5 mil) de bônus de eficiência e produtividade.
Resultados maquiados
Para cobrir a ineficiência da PGFN, a RFB precisou dedicar 3.115 servidores, para prestar 250.400 atendimentos, que consumiram 52.512 horas, em atividades quer não são de competência da instituição. “Nas definições técnicas solicitadas pela RFB à PGFN, em muitos casos há demora excessiva ou desconhecimento das regras de negócio dos parcelamentos”, destaca o dossiê. Os procuradores, em alguns casos, sequer leem os processos. Como resultado, milhares de devedores deixam de ser incluídos na Certidão de Dívida Ativa (CDA) e não são executados, com prejuízo aos cofres públicos. Os sistemas da PGFN são desatualizados, atrapalhando o encaminhamento eletrônico das dívidas, e “acarretando dezenas ou centena de bilhões de bens conhecidos e disponíveis porém não indicados a penhora”.
Além da pouca eficiência e “certa incapacidade técnica e operacional para a efetiva recuperação do CT”, segundo a Codac, a PGFN rouba os “louros” da Receita. Provas dessa tática são as publicações da PGFN, nas quais assume o resultado do trabalho da RFB. Na “PGFN em Números 2018”, assinala o dossiê, foram relacionados lançamentos de R$ 8,7 bilhões em sonegação na conta dos procuradores, sem que fossem citados casos em que é exclusiva a atuação da Receita no combate a esse crime. “A veiculação de material publicitário atacando atribuições da RFB não ocorreu isoladamente no material apresentado, tendo ocorrido reiteradamente por parte da PGFN”, reforça o dossiê.
A Receita fez uma lista com 11 principais problemas causados pela “atuação não satisfatória da PGFN” nas regiões fiscais do país. “Pelos relatos, questiona-se a alegada eficiência da cobrança pela PGFN”, ressalta o dossiê. Entre os pontos estão que os procuradores “solicitam cálculos primários, como cálculos aritméticos, regra de três simples e atualização monetária, em alguns casos para cálculo de seus honorários”. Devolvem processo várias vezes com “questionamentos incabíveis cuja resposta seria de competência da própria PGRN”.
Fazem questionamentos constantes sobre informações do processo, “sendo que, em vários casos, pode-se inferir que não houve leitura pelo procurador”. Há pedidos de manifestação da RFB sem especificar exatamente a matéria na qual a Receita tem que se manifestar; solicitações em prazos “muito curtos ou inexequíveis”; documentação insuficiente”; não retorno ou atendimento quando deve representar a RFB em ações cautelares; e ainda atrapalha o trabalho dos auditores ao pedir acesso a dados que os procuradores já têm direito. A PGFN não quis se manifestar.
De acordo com a PGFN, menos de 15% das empresas e 7% das pessoas físicas devem tributos para a União. Apenas 0,5% das empresas devedoras responde por mais de 62% dos débitos. Para pessoas físicas, a relação é ainda maior. Apenas 0,1% responde por 34% da dívida. Os dados deixam claro o equívoco dos argumentos do relator pois, longe de ser fundamental para os pequenos contribuintes, o Programa de Parcelamento proposto por ele tem como principais beneficiários os 0,5% dos devedores que acumulam os maiores passivos
Levantamento recente da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), órgão vinculado à Advocacia-Geral da União e responsável pelo gerenciamento e cobrança destas dívidas, aponta que Medida Provisória que traz flexibilização das regras do parcelamento de dívidas de particulares com a União deve beneficiar apenas grandes empresas – algumas, inclusive, citadas na Operação Lava-Jato.
A realidade, segundo a PGFN, é diferente do argumento do governo, que sustenta que os benefícios da MP serão importantes para permitir que as pequenas empresas e pessoas físicas quitem suas dívidas, o que seria impossível sem os descontos. O artigo produzido por membros da Associação Nacional dos Advogados Públicos Federais traz informações completas a respeito do Projeto. Confira:
“Recuperação para quem?
Enquanto fervemos debates sobre as condições para parcelamento de dívidas de particulares com a União, estudos mostram que a realidade está distante dos discursos acalorados do relator da Medida Provisória nº 766/2017, o deputado Newton Cardoso Jr. (PMDB/MG), que defende sua proposta de flexibilização das regras do parcelamento para abranger maiores dívidas e melhores condições, inclusive com remissão de juros, multa e encargo legal. Enquanto isso o Planalto, por meio do Ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, resiste argumentando que as condições originalmente propostas são fundamentais para fechar as contas do governo.
Segundo o relator, o projeto do governo trazia poucos benefícios, especialmente porque não concedia descontos significativos nos valores devidos em razão do atraso no pagamento. Sustenta que tais benefícios são importantes para permitir que as pequenas empresas e pessoas físicas quitem suas dívidas, o que seria impossível sem os descontos. Afirma, ainda, que o parcelamento é um bom negócio para a União porque amplia a recuperação de créditos considerados difíceis.
No entanto, levantamento recente da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), órgão vinculado à Advocacia-Geral da União e responsável pelo gerenciamento e cobrança destas dívidas, aponta para uma realidade diversa. De acordo com a PGFN, menos de 15% das empresas e 7% das pessoas físicas devem tributos para a União. Mais ainda, apenas 0,5% das empresas devedoras responde por mais de 62% dos débitos. Para pessoas físicas, a relação é ainda maior. Apenas 0,1% responde por 34% da dívida.
Os dados deixam claro o equívoco dos argumentos do relator pois, longe de ser fundamental para os pequenos contribuintes, o Programa de Parcelamento proposto por ele tem como principais beneficiários os 0,5% dos devedores que acumulam os maiores passivos.
Outro estudo aponta que esse grupo é formado por empreiteiras como a SETAL, envolvida na “Lava Jato”, mineradoras como a SAMARCO, montadoras de automóveis, empresas de processamento de carnes, como a JBS, empresas de transporte urbano, de telefonia, como a OI, e bancos, como Santander e Itaú. Não por acaso, os maiores financiadores das bancadas corporativas do Congresso Nacional.
O próprio relator é apontado pela PGFN como sócio de empresas com débitos milionários. Isso demonstra que o parcelamento não visa auxiliar pequenos devedores em dificuldade, mas sim grandes contribuintes que detêm poder econômico suficiente para influenciar deputados e senadores e incluir os parcelamentos em seu planejamento tributário, prejudicando ainda mais a concorrência.
Em outro levantamento a PGFN identificou que 78% desses parcelamentos não são sequer quitados, servindo apenas para que os devedores obtenham certidões de regularidade fiscal pelo tempo suficiente para realizarem distribuições de lucros e contratos públicos ou privados que os exigem. Isso ocorre, principalmente, porque essas empresas contam com a periodicidade dos parcelamentos e com a possibilidade de reparcelar os saldos devedores.
Outro dado interessante, que refuta a tese de que são arrecadados como parcelamento valores que de outra forma seriam irrecuperáveis, é o que aponta que boa parte da dívida parcelada pelos grandes devedores já estava garantida por depósito ou fiança antes de ser parcelada. Esta informação confirma que os parcelamentos vêm sendo utilizados por empresas que não estão em dificuldades financeiras, mas apenas adiaram o pagamento de seus tributos, ganhando com a arbitragem entre os juros efetivamente cobrados no programa e os recebidos em investimentos no mercado financeiro.
Tudo isso deixa claro o desvirtuamento dos programas de recuperação tributária, que têm sido anunciados como voltados aos pequenos devedores em dificuldades, mas que na verdade engordam lucros de grandes empresas as expensas dos pequenos e da sociedade em geral.”