Riscos e impasses na promulgação da PEC sobre rito de MP

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“Segundo o novo rito, as medidas provisórias entram em regime de urgência e impedem deliberações em temas que possam ser objeto de MP. Apesar de ser muito justa a reclamação dos senadores, que precisam de mais prazo para deliberar sobre as medidas provisórias, sem serem premidos pelo tempo, e de o texto que aguarda promulgação ter sido amenizado em relação ao aprovado na Câmara e comentado no artigo supracitado, o fato é que a redação que aguarda promulgação ainda precisa aperfeiçoamento, pois atribuiu ao Congresso uma responsabilidade que dificilmente terá como cumprir nos prazos estabelecidos, colocando em risco a segurança jurídica e até a governabilidade do País”

Antônio Augusto de Queiroz*

O Congresso Nacional, por intermédio da PEC 91/2019, que aguarda promulgação desde 12 de julho de 2019, pode adotar novo rito para apreciação de medidas provisórias, com o objetivo de dividir o tempo de tramitação entre as Casas do Poder Legislativo Federal, atendendo a reivindicação recorrente do Senado. De fato, muitas vezes os textos de MPs chegam para votação no Senado às vésperas de expirar ou caducar, como foi o caso da MP de combate às fraudes no INSS (MP 871/19, atual Lei 13.846/19), colocando os senadores na contingência de aprova-las às
pressas sem modificação, sob pena de deixar caducar e ser acusado de dar um prejuízo bilionário aos cofres públicos.

A divisão do tempo de tramitação entre as Casas do Congresso parece justa, reservando: 1) 40 dias úteis para a comissão mista de deputados e senadores analisar a admissibilidade, a constitucionalidade e o mérito da medida provisória, contados do 2º dia útil seguinte à edição da MP, porém sem perda de eficácia se não for apreciada nesse prazo; 2) 40 dias para o Plenário da Câmara aprovar ou rejeitar a matéria, contados do decurso de prazo da comissão mista ou do 2º dia útil seguintes ao recebimento do parecer da comissão, sob pena de caducidade; 3) 30 dias para o Senado aprovar, rejeitar ou modificar o texto, contados do 2º dia útil seguinte à aprovação pela Câmara dos Deputados, sob pena de perda de eficácia ; e 4) 10 dias para a Câmara apreciar eventuais emendas do Senado, contados do 2º dia útil seguinte à apreciação pelo Senado Federal, também sob pena de caducidade.

Entretanto, o novo rito de tramitação de medidas provisórias vai exigir grande capacidade de articulação e coordenação do Governo, considerando que o texto da PEC prevê a caducidade ou perda de eficácia da MP antes dos 120 dias, caso não seja aprovada pela Câmara dos Deputados, no melhor cenário ou no maior prazo possível, nos primeiros oitenta dias de vigência ou no Senado durante os 30 dias que lhe foi reservado ou ainda durante os 10 dias que a Câmara dispõe para apreciar eventuais emendas do Senado ao texto. Ora, se com os 120 dias corridos para as duas Casas, muitas MPs expiravam sem deliberação, imagine com a redução e rigidez de prazos, que prevê perda de eficácia em cada etapa de tramitação.

É exatamente este o ponto que tem provocado o impasse e o atraso na promulgação da PEC 91/19 pela Mesa diretora do Congresso Nacional. O entendimento do Poder Executivo, que com certa razão resiste à promulgação da PEC, é que esse novo rito de regulamentação da tramitação das medidas provisórias, com prazos fatais para deliberação, pode trazer insegurança jurídica e até ingovernabilidade, pois, além dos prazos muito exíguos para caducidade em cada etapa, o texto é claro no sentido de impedir a reedição, na mesma sessão legislativa, de MP que tenha perdido a eficácia ou tenha sido rejeitada, podendo provocar prejuízos irreparáveis se MPs com grande impacto fiscal perderem eficácia por conta dos novos prazos.

Embora o texto determine que transcorrido parte desses prazos, a matéria obrigatoriamente entre em regime de urgência, sobrestando (impedindo a votação) todas as demais deliberações legislativas sobre matérias que possam ser veiculadas por medida provisória, esse fato não será suficiente para forçar a votação, seja em decorrência de disputas políticas e de poder entre governo e oposição, seja em razão de o tempo de sobrestamento ser bem menor que o atual, durante o qual muitas MPs não foram votadas e perderam a eficácia.

Segundo o novo rito, as medidas provisórias entram em regime de urgência e impedem deliberações em temas que possam ser objeto de MP: a) a partir do trigésimo dia na Câmara, contado do decurso de prazo da comissão mista (40 dias) ou do 2º dia útil seguintes ao recebimento do parecer da comissão, podendo a pauta ficar sobrestado menos de 10 dias até a caducidade da MP; b) a partir do vigésimo dia no Senado, contado do 2º dia útil seguinte à aprovação pela Câmara dos Deputados, podendo, igualmente, a pauta ficar sobrestada por menos de 10 dias; e c) a partir o dia em que retornar à Câmara eventuais emendas do Senado, podendo a pauta ficar sobrestada apenas por oito dias até a caducidade da MP.

A PEC 91/19 mantém inalteradas as vedações previstas nos §§ 1º e 2º do art. 62 da Constituição, com a redação dada pela Emenda Constitucional 32, de 2001, que proíbe a edição de medidas provisória sobre matérias: I – relativas a: a) nacionalidade, cidadania, direitos políticos partidos políticos e direito eleitoral; b) direito penal, processual penal e processual civil; c) organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, do Ministério Público, a carreiras e a garantia de seus membros; d) planos plurianuais, diretrizes orçamentárias, orçamento e créditos adicionais e suplementares, ressalvado o previsto no art. 167, § 3º da CF (abertura de crédito extraordinário); e II – que visem a detenção ou sequestro de bens, de poupança popular ou qualquer outro ativos financeiro; III – reservada a lei complementar; e IV – já disciplinada em projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional e pendente de sanção ou veto do Presidente da República.

Para compreender a importância do instituto da medida provisória recomendo a leitura de outro texto meu sobre o tema, publicado em junho de 2019, sob o título “Risco de ingovernabilidade com novo rito de medidas provisórias”, no qual, além de chamar a atenção para a proposta que havia sido aprovada na Câmara sobre a matéria, até mais restritiva que o texto aprovado, com modificações e conclusivamente, pelo Senado, também discorro sobre os abusos no emprego de medidas provisórias por todos os Presidentes da República e chamo a atenção para as situações em que a medida provisória se apresenta como a forma mais segura de tratar de determinadas matérias, cujo controle seja fundamental para o equilíbrio das contas públicas.

Apesar de ser muito justa a reclamação dos senadores, que precisam de mais prazo para deliberar sobre as medidas provisórias, sem serem premidos pelo tempo, e de o texto que aguarda promulgação ter sido amenizado em relação ao aprovado na Câmara e comentado no artigo supracitado, o fato é que a redação que aguarda promulgação ainda precisa aperfeiçoamento, pois atribuiu ao Congresso uma responsabilidade que dificilmente terá como cumprir nos prazos estabelecidos, colocando em risco a segurança jurídica e até a governabilidade do País.

Contudo, a PEC foi aprovada em dois turnos, nas duas Casas, e não há espaço para promulgação parcial ou fatiada, ou mesmo para o adiamento por prazo indeterminado da sua promulgação. Uma vez promulgada, ela tem que produzir efeitos, pois foi legitimamente votada e aprovada. Como maior interessado no tema, cabe ao Executivo, apenas, arguir a sua inconstitucionalidade junto ao STF, e buscar uma medida liminar que suspenda a sua aplicação, o que poderia permitir que uma nova solução, negociada, seja obtida pela via legislativa, e que assegure aos senadores mais prazos, porém sem colocar em risco a perda precoce da validade das medidas provisórias, ou será mais prudente fazer outra PEC para tratar do tema.

*Antônio Augusto de Queiroz – Jornalista, consultor e analista político, diretor licenciado de Documentação do Diap, e sócio-diretor das empresas “Queiroz Assessoria em Relações Institucionais e Governamentais” e “Diálogo Institucional Assessoria e Análise de Políticas Públicas”.