A legitimidade das gravações contra Michel Temer

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Jorge Calazans*

Uma “indignidade absoluta”. Essa foi a reação do presidente Michel Temer sobre a possibilidade de uma de suas conversas com o ex-titular da Cultura Marcelo Calero ter sido gravada pelo próprio ex-ministro. “Com toda franqueza, gravar clandestinamente é desarrazoável. Um ministro gravar o presidente da República é gravíssimo, quase indigno”, emendou. E disse que jamais teria a coragem de gravar uma conversa com alguém.

Meses depois, dessa vez a suposição virou fato concreto e o presidente Michel Temer foi gravado no Palácio Jaburu pelo empresário Joesley Batista, do Grupo JBS. Mas afinal, essas gravações têm validade como prova? Não é crime gravar um presidente da República?

Embora moralmente a conduta possa ser considerada reprovável, não é ilegal. No caso do ex-ministro da Cultura, a ressalva é que se no diálogo fossem tratadas questões sigilosas, e posteriormente divulgadas, o mesmo poderia atentar contra a Lei de Segurança Nacional (Lei 7.170/1983), que define os crimes que “lesam ou expõem a perigo de lesão a pessoa dos chefes dos Poderes da União”.

No que tange a gravação do empresário, a mesma revela uma torpeza, que se expressa na atitude especulativa de alguém acuado pelo Ministério Público em busca de algo incriminador (qualquer coisa), contra o chefe de Estado da República. Ademais, convenhamos, se o diálogo entre ambos, se desenvolveu nesse nível é porque Joesley Batista esperava que seu interlocutor – a mais alta autoridade do país – estaria receptivo ou ao menos sensível a esse tipo de abordagem.

O que se espera de um presidente é que, numa situação assim, ele imediatamente denuncie o grave crime que estava se desenhando na sua frente. A julgar pelo que até agora sabemos, o presidente Temer, na melhor das hipóteses, aderiu passivamente ao crime.

Em relação a gravação, o Supremo Tribunal Federal, após reconhecer repercussão geral sobre a matéria, validou a licitude da gravação ambiental realizada por um dos interlocutores para utilização em processo penal (RE 583.937, rel. Min. Cezar Peluzo, DJ de 18.12.2009, decisão essa recentemente confirmada naquela Corte: “EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. DIREITO PENAL. LICITUDE DA GRAVAÇÃO AMBIENTAL FEITA POR UM DOS INTERLOCUTORES. JURISPRUDÊNCIA REAFIRMADA EM REPERCUSSÃO GERAL. ALEGAÇÃO DE AFRONTA AO ART. 5º, INCS. LIV E LV, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA: AUSÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL. PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL. NATUREZA INFRACONSTITUCIONAL. AUSÊNCIA DE OFENSA CONSTITUCIONAL DIRETA. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO. ARE 933530 AgR / RS – RIO GRANDE DO SUL.” AG.REG. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA. Julgamento: 01/03/2016.

Cabe frisar que o empresário não está isento das suas responsabilidades, que serão objeto de negociação no acordo de colaboração Ele está entregando a sua atividade criminosa, que inclui como prova o diálogo em questão.

Foi aventada a hipótese que esta gravação estaria orientada por algum órgão de investigação, através de uma técnica especial de investigação, denominada de ação controlada, prevista no artigo 3º, III da Lei 12.850/13, que consiste em retardar a intervenção policial ou administrativa relativa à ação praticada por organização criminosa ou a ela vinculada, desde que mantida sob observação e acompanhamento para que a medida legal se concretize no momento mais eficaz à formação de provas e obtenção de informações.

A questão nesse caso consiste em saber se a investigação ultrapassou os limites da ação controlada, tendo em vista que não pode haver nenhum tipo de interferência no comportamento de quem vai ser investigado ou preso, para não se tornar um flagrante preparado. Se as não ações são espontâneas, à prova é passível de nulidade.

Agora, a questão está na mão do STF, mais precisamente do ministro Edson Fachin, que tem a responsabilidade de analisar a validade dessas gravações, e decidir se aceita ou não a denúncia do Procurador-Geral da República.

*Jorge Calazans, advogado especialista em Direito Penal e Processo Penal e sócio do escritório Yamazaki, Calazans e Vieira Dias Advogados