Militares e as denúncias de corrupção

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“Se até o Papa lava a roupa suja da Igreja, não seriam os militares brasileiros seres acima do bem e do mal. Ora, o que se esperava seria uma nota afirmando que as Forças Armadas apoiam a CPI e que se houver integrante desgarrado dos corretos valores militares seria, ao final, punido”

Cássio Faeddo*

Lá pelos últimos anos da década de 70, ou no início dos anos 80, Jô Soares interpretava um personagem em seu programa semanal de humor que sempre se apresentava em busca de um emprego. O nome dele: Gandola.

Gandola, antes disso, é um casaco, uma espécie de jaqueta que compõe o fardamento militar.

No quadro, ao receber o Gandola, o responsável pelo setor ou departamento oferecia ao Gandola sempre um trabalho de pouca complexidade. Porém, nenhuma baixa complexidade era suficientemente confortável para o Gandola.

Sempre que recusava determinado trabalho, Gandola lembrava ao entrevistador:

– Quem me mandou aqui foi o Gandola, E reforçava a letra “a” como se houvesse um acento circunflexo.

Alguém ou alguma figura no governo da época não gostou de ver o nome das Forças Armadas, ainda que indiretamente, envolvido.

Assim, o genial Jô Soares mudou o nome Gandola para Bochecha.

Agora seria assim: – Quem me mandou aqui foi o Bocheeechhaaa! – Exclamava o personagem.

Pois bem.

O ano agora é 2021, e o país passa por uma crise de valores humanos, sociais, morais, e um descolamento da realidade.

Na CPI da covid-19, o seu presidente, senador Omar Azis lançou esta fala:

“Os bons das Forças Armadas devem estar muito envergonhados com algumas pessoas que hoje estão na mídia, porque fazia muito tempo, fazia muitos anos que o Brasil não via membros do lado podre das Forças Armadas envolvidos com falcatrua dentro do governo.”

Qualquer pessoa com o mínimo de conhecimento de interpretação de texto sabe que algumas pessoas não são todas as pessoas.

Porém, para flagrante e indisfarçável aproveitamento político da situação, o ministro da Defesa, bem como comandantes das Forças Armadas, soltaram a seguinte nota:

“Essa narrativa, afastada dos fatos, atinge as Forças Armadas de forma vil e leviana, tratando-se de uma acusação grave, infundada e, sobretudo, irresponsável. A Marinha do Brasil, o Exército Brasileiro e a Força Aérea Brasileira são instituições pertencentes ao povo brasileiro e que gozam de elevada credibilidade junto à nossa sociedade conquistada ao longo dos séculos. ”

Ora, nada mais descolado do que foi falado. Se até o Papa lava a roupa suja da Igreja, não seriam os militares brasileiros seres acima do bem e do mal. Qualquer grupo humano pode e tem problemas.

Quando o autor da nota usa a palavra da moda “narrativa” já desperta de pronto uma sensação: – lá vem discurso político.

E, aproveitando que as Forças Armadas possuem a força das armas, valeram-se da nota que toma para toda a instituição os desmandos de alguns militares no ministério da saúde. Ou seja, acautele-se sociedade civil.

Ora, o que se esperava seria uma nota afirmando que as Forças Armadas apoiam a CPI e que se houver integrante desgarrado dos corretos valores militares, seria, ao final, punido.

As Forças Armadas não são poder moderador, e se continuarmos nessa toada nosso caminho será algo entre Mianmar e Venezuela.

Por fim, seria melhor que o senador Omar Aziz passasse a individualizar condutas, evitando ter que chamar os militares investigados de Bochecha.

*Cássio Faeddo – Advogado. Mestre em Direito. MBA em Relações Internacionais – FGV/SP