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Segundo especialistas, foro privilegiado não se aplica a ações populares, legítimas para questionar e anular atos da administração pública. Um juiz federal de primeira instância pode cobrar informações e até anular a indicação do deputado federal Eduardo Bolsonaro para a Embaixada do Brasil nos Estados Unidos. Essa é a avaliação de juristas e advogados
Na última segunda-feira (29) o juiz substituto da 1ª Vara Federal da Bahia André Jackson de Holanda Maurício Júnior aceitou o pedido de ação popular impetrada pelo deputado federal Jorge Solla e deu prazo de cinco dias para que o presidente explicasse os critérios da indicação, já submetida ao governo norte-americano.
“A ação popular é uma expressão da democracia, e permite a qualquer cidadão ingressar em juízo para requerer a anulação de ato lesivo ao patrimônio público”, diz o advogado Saulo Stefanone Alle, especialista em Direito Constitucional do Peixoto & Cury Advogados. “A medida é prevista constitucionalmente, é regulada por lei e é legítima e, embora neste caso em particular exista discussão e pontos polêmicos sobre a natureza do ato, a sua sentença pode declarar a anulação de uma nomeação.”
A constitucionalista Vera Chemim vai na mesma linha. “Os artigos 5º e 6º da lei que disciplina a Ação Popular — a Lei nº 4.717/1965 — e o artigo 5º, inciso LXXIII, da Constituição Federal, permitem que o juiz de primeira instância conheça, processe e julgue qualquer ato lesivo ao patrimônio público por meio de Ação Popular ajuizada por qualquer cidadão, mesmo que o réu seja uma autoridade pública ou mesmo o presidente da República”, explica a advogada. E, segundo ela, a possível decisão do magistrado nesses casos só pode ser modificada com recurso ao tribunal.
O advogado Marcellus Ferreira Pinto concorda: “Se a convocação se deu no bojo de uma ação popular, como é o caso em questão, a competência para conhecimento e julgamento da ação é do órgão judiciário de primeira instância, tendo em vista a origem do ato impugnado.”
Resposta do presidente
Ainda segundo os especialistas, o processamento da Ação Popular segue o rito previsto no Código de Processo Civil (CPC) e na Lei nº 4.717. Isso quer dizer que, ao despachar a petição inicial, o juiz ordenará a citação de todos os responsáveis pelo ato lesivo a ser impugnado e também o Ministério Público. Essa citação pode, inclusive, ser pessoal, se o autor assim requerer. É por isso que o juiz pode determinar a citação pessoal do presidente da República.
“O presidente deve responder à ação, e a resposta se dá por escrito, pelos órgãos de assessoria jurídica”, diz Saulo Stefanone Alle.
Apesar disso, o artigo 242 do CPC diz que o citado pode ser o representante legal ou o procurador do réu. “No presente caso, o presidente da República poderá comparecer para dar informações requeridas pelo juiz ou poderá nomear o seu procurador para apresentar aquelas informações por escrito ao juiz competente para a causa”, explica Vera Chemim.
“O réu poderá apresentar contestação no prazo de 20 dias, prorrogáveis por mais 20, no caso de dificuldade de provas documentais, como disciplinam o Inciso IV do artigo 7º da Lei nº 4.717 e o CPC.
Proposta de Moro é incompatível com legislação penal, diz advogado
Foi mal recebida por especialistas a decisão do ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, de enviar ao Congresso uma proposta para inserir na legislação criminal um mecanismo semelhante ao norte-americano “plea bargain”
O dispositivo jurídico permite à pessoa investigada por crime firmar acordo com o Ministério Público antes de iniciado o processo penal. Segundo o ministro, o “plea bargain” (“acordo penal”) se aplicaria a qualquer crime de furto, assalto, homicídio ou corrupção cometido por uma única pessoa sem o envolvimento de organizações criminosas. Atualmente esse tipo de acordo só se aplica no Brasil a crimes de menor potencial ofensivo como, por exemplo, lesão corporal leve.
De acordo com o advogado criminalista e constitucionalista Adib Abdouni, a proposta de Moro para desafogar o Poder Judiciário “mostra-se incompatível com o nosso sistema jurídico processual penal, haja vista que um dos pilares da Constituição Federal está fincado exatamente na inafastabilidade da jurisdição, prevista no seu artigo 5º., inciso XXXV, segundo o qual a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.
Abdouni complementa que não existe a possibilidade de se delegar ao órgão acusador, ou seja, ao Ministério Público (MP), a competência exclusiva do juiz de julgar, absolver ou apenar o infrator da lei penal. O especialista destaca ainda que o emprego desse instrumento nos Estados Unidos — “que não se confunde com a colaboração premiada” — se justifica pelas peculiaridades legais norte-americanas.
Vera Chemim, advogada constitucionalista e mestre em direito público pela FGV, afirma que a medida anunciada por Moro é uma versão “simplificada” do atual “acordo de colaboração premiada” previsto na lei que disciplina as organizações criminosas. “Penso que seja um modelo viável para a maior celeridade da Justiça, no que diz respeito à solução de determinados crimes cometidos por uma só pessoa. Não precisará de homologação do magistrado e dará obviamente maior poder e autonomia ao MP, além de ser um método similar ao que é praticado nos Estados Unidos”, diz.
Na avaliação de Chemim, caso fosse realmente implantado no país, o “plea bargain” pouparia tempo e dinheiro público. “Se o MP tivesse maior autonomia para resolver determinados tipos de crimes, sem ter a obrigação de denunciar à Justiça, além de poupar tempo e dinheiro público, ele teria realmente maiores condições de focar seus recursos humanos e tecnológicos na solução de crimes mais graves”.
O criminalista e professor de Direito Penal e Processual Penal, Daniel Gerber, acredita que “não há necessidade de se revogar ou se alterar as leis já existentes, mas sim, a criação de uma nova legislação que estabeleça o caminho certo a ser seguido nos casos de acordo”. “Tanto é possível, permitido e condicional que o próprio CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público) já baixou uma normativa no começo de 2018, requerendo que para crimes cuja pena não ultrapasse os quatro anos, o Ministério Público evite o oferecimento de acusações processuais e tente justamente uma possibilidade de acordo”, diz.
“O Juizado Especial Criminal também prevê possibilidades de acordo, e a colaboração premiada nada mais é do que mais uma tentativa de acordo. O que precisamos cada vez mais é torná-lo uma regra para toda e qualquer espécie de delito ou pelo menos para a maior parte dos delitos. Mas as leis que existem hoje, tanto a Constituição quanto a legislação ordinária, em hipótese alguma proíbem, vedam ou inviabilizam as propostas de ‘plea bargain’”, conclui.