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Com nova lei Maria da Penha, policiais podem isolar agressor imediatamente, dizem especialistas
O autor de violência doméstica já pode ser afastado de casa ou da convivência da vítima sem necessidade de autorização judicial. É o que determina a Lei 13.827/2019, publicada no Diário Oficial da União (dou) de terça-feira (14), que altera dispositivos da Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006). A medida poderá ser tomada pelos próprios policiais em cidades que não tenham juízes ou quando não houver delegado disponível no momento da denúncia
Segundo o advogado criminalista Luís Fernando Ruff, do Chenut Oliveira Santiago Advogados, trata-se de uma alteração significativa, que visa “impor maior celeridade nessas medidas de urgência”. “Anteriormente, somente o juiz é que poderia decretar o afastamento do agressor e a pedido da própria vítima ou do Ministério Público”, lembra.
Ruff explica que, no entanto, “a validade do ato ainda será apreciada pelo juiz, que deverá ser comunicado pela delegacia em até 24 horas para decidir sobre a manutenção ou revogação da medida de urgência”.
O advogado destaca, ainda, que a alteração legislativa acrescentou à Lei Maria da Penha um dispositivo que veda a concessão de liberdade provisória ao agressor preso, no caso de a sua liberdade representar risco à integridade física da vítima ou à efetividade da medida protetiva de urgência. “Na prática, essa alteração apenas reforça e complementa disposição já contida no Código de Processo Penal, no artigo 313, inciso III, que por sua vez fundamenta a prisão preventiva desse tipo de agressor, com o objetivo de garantir a execução de medida protetiva de urgência”, conclui.
João Paulo Martinelli, doutor em direito penal pela USP e professor da Escola de Direito do Brasil (EDB), também avalia que a mudança “agiliza” o afastamento do agressor. Assim como Ruff, ele também alerta que, posteriormente, a decisão deverá passar pelo controle do juiz em até 24 horas.
Mônica Sapucaia Machado, professora da pós-graduação da Escola de Direito do Brasil (EDB), coordenadora e autora de obras como “Women’s Rights International Studies on Gender Roles”, diz que as medidas anunciadas visam “garantir a integridade das mulheres e das crianças em risco iminente”.
“Atualmente o Brasil está entre os países mais violentos em relação às mulheres e qualquer tentativa de assegurá-las é bem-vinda. Os responsáveis pelas delegacias especializadas tendem a ficar com as mãos atadas quando a mulher retrata o provável ato de violência. Essa iniciativa irá dar a esses profissionais mais capacidade de reação. Todavia, é essencial que esses servidores sejam treinados para tal função, a fim de que a mesma não se torne algo pouco eficaz”, diz Sapucaia.
Para o criminalista e constitucionalista Adib Abdouni, “trata-se de um avanço legislativo importante no combate à violência doméstica contra a mulher, a conferir uma pronta resposta estatal nas hipóteses de risco atual ou iminente à vida ou à integridade física da mulher e de seus dependentes”. Segundo Abdouni, a necessidade de análise do juiz no prazo de 24 horas é importante para “corrigir eventual abuso ou desvio de finalidade da medida protetiva”.
Daniel Bialski, criminalista especializado em direito processual penal, vê a medida como “salutar”, mas espera que os delegados de polícia tenham a “equidistância e a parcimônia suficientes para distinguir o tipo de caso”.
“Terão que avaliar subjetivamente as situações que realmente necessitam – algumas são muito graves e não deixam dúvida sobre a aplicação da medida, mas outras situações podem ser duvidosas. E é nesse segundo quadro que os delegados devem se aperfeiçoar com cursos para que não somente delegacias especializadas, mas as próprias delegacias de bairro, que atendam tais ocorrências, consigam dar o pronto atendimento e aplicar a justiça quando necessário”, diz Bialski.
Maristela Basso, professora de direito comparado da USP e sócia do escritório Nelson Wilians e Advogados Associados, afirma que a Lei Maria da Penha ganha “mais força, velocidade e eficácia” a partir de hoje. Ela ressalva, porém, que a nova determinação apenas “regulamenta e confere poderes à prática que já era seguida nas delegacias especializadas das mulheres, nas quais as delegadas já assim procediam para defender às vítimas”.
Ministra exalta Lei Maria da Penha, mas lembra a sucessão de feminicídios
Nesta terça-feira (7/8) em que a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006) completa 12 anos, a presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia, chamou a atenção para o aumento do assassinato de mulheres na sociedade brasileira
Em seu pronunciamento, na abertura da sessão do CNJ, Cármen Lúcia citou como um avanço o aumento dos julgamentos dos casos de violência doméstica no país, na campanha Semana Justiça pela Paz em Casa. Desde o início, em 2015, até este ano foram julgados 995 casos de feminicídio ou de tentativa de homicídio de mulheres cometidos em âmbito familiar. A ministra destacou, porém, a ocorrência frequente dos casos.
“Nestas semanas (Semana Justiça pela Paz em Casa, que ocorrem três vezes ao ano) tivemos um número elevadíssimo, felizmente, de julgamentos e tudo isso faz com que essa chamada Lei Maria da Penha seja considerada pela ONU a terceira melhor lei de proteção e combate à violência contra a mulher. Entretanto, nos últimos dias, por uma infeliz coincidência, o noticiário está avolumado de matérias não apenas sobre violência, mas sobre o assassinato praticado contra mulheres, agora tipificado na legislação brasileira como casos de feminicídios”.
O feminicídio é o crime de assassinato de mulheres com motivação no fato de a vítima ser do sexo feminino, com penalidades estabelecidas na Lei 13.104/2015. Os dados recentes mostram que foram instaurados 2.643 novos processos envolvendo feminicídio em 2017 e outros 1.287 novos processos em 2016. Considerando os casos nos quais não cabem mais recursos (processos baixados), foram 3.039 processos em 2017 e 1.261 processos em 2016.
Mesmo com a força da Lei Maria da Penha e com as penalidades aos agressores previstas na Lei do Feminicídio, o assassinato de mulheres segue em alta. Somente nos últimos dias tiveram destaque no noticiário o assassinato de Simone da Silva de Souza, de 25 anos, pelo marido, no Rio de Janeiro; de Tatiana Spitzner, 29 anos, também pelo marido, no Paraná; e de Carla Graziele Rodrigues, 37 anos, em Brasília.
“Estamos, portanto, apenas registrando que todos esses atos de enorme violência não são apenas contra as mulheres, são contra toda a sociedade, são contra as crianças que veem e assistem a estes atos e que, portanto, dependem de cuidado. São contra os próprios homens que se veem em uma sociedade cada vez mais violenta e a violência não faz ninguém feliz”, disse a presidente do CNJ.
Na avaliação da ministra, a Lei Maria da Penha deve servir de parâmetro para conter as agressões contra o sexo feminino e para transformação de uma cultura de violência contra a mulher. “Isto não é por dependência afetiva, não é, como em outros momentos da História, considerado caso de excesso de amor. Isto é relação de poder, só isso. Estamos discutindo situações que são graves e um péssimo exemplo para infância e juventude que cada vez mais a gente quer que viva em paz e sossego”, afirmou
Cármen Lúcia fez referência, também, ao trabalho do CNJ ao atuar de forma direta e profícua para o cumprimento da Lei Maria da Penha, lembrando que ainda há muito a ser feito para conter a violência doméstica e as agressões contra o sexo feminino. “Alguma coisa foi feita, muito há por fazer, mas naquela assertiva de que o caminho mais longo ou mais curto começa com o primeiro passo. E os passos foram dados e o CNJ, neste tema específico, cumpriu e vem cumprindo seu papel.”
Ainda nesta semana, em comemoração à Lei Maria da Penha, será realizada a XII Jornada Maria da Penha, nas próximas quinta e sexta-feira, em Brasília. O evento é voltado aos profissionais do Sistema de Justiça que trabalham direta ou indiretamente nos casos ou processos de violência doméstica.