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“Querem nos dividir, para que fiquemos quietos”, diz Sérgio Ronaldo, da Condsef
Para o sindicalista, a apresentação das novas regras para a administração pública “foi um show midiático de engravatados tratando de temas que não conhecem. Um show de desconhecimento da máquina” no qual somente os “barnabés foram afetados e o andar de cima ficou blindado”
Em uma breve análise, Sérgio Ronaldo da Silva, secretário-geral da Confederação Nacional dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef), destacou que, a princípio, pelo que foi apresentado, pelo Ministério da Economia, sobre a reforma administrativa,o documento foi apenas “um copia e cola do texto dos relatórios do Banco Mundial e do Instituto Milenium”
“Continuam blindando o andar de cima, por exemplo, os militares. Cerca de 400 mil militares, da mesma forma em que foram agraciados com a reforma da Previdência, estão sendo protegidos agora. Vale lembrar que, na reforma da Previdência, eles fizerem 75% de reestruturação da carreira. Assim como foram blindados juízes, procuradores, desembargadores”, cita Sila.
O foco dessa reforma apresentada hoje é o mesmo das anteriores. “São os barnabés. Eles (secretários do ME) colocam assuntos no varejo, sobre anuênio, quinquênio, licença-prêmio, ou férias de mais de 30 dias de férias. Tudo isso já não existe há muito tempo para o conjunto do funcionalismo. Parece que estão querendo apresentar midiaticamente para o mercado que estão sendo carrascos com os servidores. Mas o andar de cima continua sendo preservado”, reforça Silva.
A ampliação dos contratos temporários, para o secretário-geral da Condsef, abre espaço para o apadrinhamento e o direcionamento ideológico nas novas contratações. Uma medida equivocada, um retorno aos padrões da era pré-Vargas. “Do governo Michel Temer ao governo Bolsonaro, já são quase 80 mil contratações temporárias, sem perfil, sem a qualificação do concursado. Estão previstas mais 10.500 contratações temporárias no edital de chamamento, já agora para o dia 10 de setembro”, denuncia.
Ele diz ainda que foram apresentados números vagos questionados por Dieese e o Diap sobre o crescimento das despesas com pessoal em relação ao Produto Interno Bruto (PIB, soma das riquezas do país). “Na verdade estão caindo as despesas em relação ao PIB, pela ausência de concurso público. São números maquiados para dar uma resposta midiática”, insiste.
“Nós não vamos nos iludir om essa história de que os atuais servidores não serão atingidos. Serão sim. Essa mesma narrativa foi divulgada na reforma da Previdência. Agora, muitos servidores terão que trabalhar por mais de 40 anos, até os 65 anos ou mais. Vamos fazer uma análise mais consistente, olhar a proposta original que vai ser entregue ao Congresso. Querem nos dividir, para que fiquemos quietos. O nosso dever de ofício é defender o serviço público de qualidade”, assinala Silva.
Ele avisa, ainda, que “vai ter enfrentamento” e que os servidores não vão aceitar esses “mitos que o governo coloca de forma inverídica. “Vamos fazer o debate sobre tudo isso, a partir do parlamento, e com a sociedade”, para mostrar que o que foi apresentado, de comprometimento do orçamento (93,7%) com despesas obrigatórias não é real. “Não falam que 45% disso é para pagar amortização e despesas dos juros da dívida. Esse é o ranço do nosso país”
“Foi um show midiático, de engravatados tratando de temas que não conhecem. Um show de desconhecimento da máquina pública. Eles precisam nos ouvir para depois tratar desse trema. Vamos fazer esse debate. Isso começa hoje as 18 horas , com um debate sobre o que é preciso fazer para melhorar o serviço público, mas não com base no que eles apresentaram nesse momento”, disse Sérgio Ronaldo da Silva.
Enquanto o Executivo federal posterga o envio do texto de reforma administrativa ao Congresso Nacional, servidores e parlamentares tocam nos bastidores uma proposta ampla de modernização e reestruturação, e não apenas de olho no ajuste fiscal
O tema uniu adversários históricos em torno de uma novidade: a busca por números corretos e sustentáveis sobre o serviço público, com interpretação isenta, para além daqueles que são distorcidos para alimentar interesses meramente políticos. A ideia é fazer um cruzamento de dados de todas as pesquisas recentes (Banco Mundial, governo federal, Ipea, FGV e, por último, a do Instituto Milenium) e identificar os pontos fracos de cada uma delas. Em um debate entre políticos de direita e de esquerda, no evento Café com Política, do Sindilesgis, ficou claro como as distorções são fabricadas e tumultuam as análises da conjuntura.
De um lado, por exemplo, todos concordam que, embora os dados sejam instituições sérias, os estudos têm falhas – propositais ou não. Na última, do Millenium, por exemplo, o peso da folha de salário na União, de cerca de R$ 330 bilhões, está inflado, porque inclui militares e aposentados, não alcançados pela correção dos salários civis. A folha da União de ativos civis em 2019 foi de R$ 136 bilhões, afirmam entidades representativas de servidores.
Por outro lado, essas mesmas entidades erram quando dizem que, na década de 1990, havia mais de 700 mil servidores ativos, e hoje, com a população bem maior (mais de 211 milhões de brasileiros), são aproximadamente 640 mil, e é por isso que o Estado não pode abrir mão do concurso. A maquiagem está no fato escondido de que, no passado, houve privatizações que demitiram ou incentivaram demissões funcionários. Eles saíram dessa conta dos 700 mil. Se comparado a hoje, o efetivo realmente cresceu de tamanho, dizem os parlamentares. São essas arestas que precisam ser aparadas para que a discussão avance no Congresso.
Convergência
Em um ponto, o deputado federal Tiago Mitraud (Novo-MG), presidente da Frente Parlamentar Mista em Defesa da Reforma Administrativa, sua vice, senadora Kátia Abreu (DEM-TO), e o deputado federal Professor Israel Batista (PV-DF), presidente da Frente Parlamentar Mista em Defesa do Serviço Público, que sempre lutam em campos opostos, concordam: a qualidade do serviço público precisa ser aprimorada, para um modelo de eficiência e produtividade, mas sem tirar do funcionalismo o direito à estabilidade – ao contrário do que prega o governo, nas propostas emergenciais, com redução de jornada e salário, criação de carreiras sem estabilidade e fim das progressões e promoções automáticas.
“Uma reforma mal feita corre o risco de ser uma bomba fiscal no futuro, com sérios prejuízos para o Estado. Não podemos iniciar uma guerra de narrativa. Vamos nos basear em dados reais. Também não podemos nos dar um luxo de fazer uma por vez. O melhor é tocar ao mesmo tempo as reformas tributária e administrativa”, afirma Tiago Mitraud. “Deve ser um processo de ganha-ganha, sem estatísticas criativas, mas o foco tem que ser o contribuinte. Não queremos atropelar o governo com essa iniciativa. Mas podemos continuar protagonistas na reforma administrativa, como fomos na reforma da Previdência”, complementa Kátia Abreu.
Para o Professor Israel, não se pode admitir a divulgação de dados criativos apenas para ganhar o debate. “Buscamos números confiáveis. As distorções são usadas para desqualificar o interlocutor e convencer a opinião pública contra os servidores. É importante destacar que o problema não é a estabilidade, mas a falta de vínculo entre o servidor e o Estado. Cerca de 45% dos gestores públicos em todo o país estão no cargo por indicação política. Em alguns locais, esse percentual ultrapassa os 90%. Parlamentares e governo precisam sentar à mesa sem armas”, sugere Israel Batista.
Objetivos
A senadora Kátia Abreu afirma que a reforma precisa trazer justiça social. De maneira que os contribuintes, principalmente os mais pobres, vejam funcionar os serviços de segurança, saúde, educação e previdência. Combater as desigualdades entre servidores – uns ganham muito e a maioria, pouco – é outro ponto, diz. “O fundamental é uma gestão de pessoas que valorize o servidor”. Ela propõe a criação de uma agência para monitorar o desempenho, incentivar e “fazer justiça ao servidor”. Esse órgão seria responsável por alterar as regras dos concursos para não apenas olhar o resultado das provas do certame, mas a vocação individual.
Além de estável, o servidor precisa de “independência” para tomar decisões e não aceitar leviandades dos gestores políticos de plantão. Tanto Kátia, quanto Mitraud e Israel apontaram um problema sério. O que chamaram de “paralisação das canetas”. É quando o servidor tem medo de tomar uma decisão e ser punido administrativamente. Por isso, a reforma é importante e complexa, no entender dos parlamentares. Kátia Abreu apontou vários projetos no Congresso a ser considerados, como os que tratam do teto remuneratório – dos supersalários -, de dispensa por baixo desempenho e de gestão de resultados, entre outros.
Prazo
Poucos acreditam que o presidente Jair Bolsonaro vai enfrentar a reforma administrativa em período de eleição. O foco será o auxílio emergencial, angariar votos e pressionar a equipe econômica para “arranjar verbas para obras de aliados”, destaca Sérgio Ronaldo da Silva, secretário-geral da Confederação Nacional dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef). “No entanto, passadas as eleições, no ano que vem, o governo começará o tudo ou nada”, acrescenta. Por isso, a parte de baixo da pirâmide, da mesma forma que os que estão no topo remuneratório, também está em busca de “números honestos”.
Em 3 de setembro (e nas duas quintas seguintes, 10 e 17), outra Frente Parlamentar Mista do Serviço Público, que tem como coordenadores a deputada Alice Portugal e o senador Paulo Paim, começa um seminário para analisar e discutir cada detalhe que veio a público sobre o assunto e filtrar o que é fato e o que é fake news. Para Rudinei Marques, presidente do Fórum das Carreiras de Estado (Fonacate), a avaliação de desempenho, por exemplo, tem que ser feita em todos os Poderes e em todas as esferas. “Principalmente no Legislativo, que, inclusive, está com a credibilidade baixa (em torno de 20%), de acordo com as últimas pesquisas”.
Para Marques, os eleitos pelo povo igualmente devem mostrar a capacidade de entender o serviço público. E até mesmo o economista Gil Castello Branco, secretário-geral da Associação Contas Abertas, que sempre confia nos números das reconhecidas instituições de pesquisa, criticou o Instituto Milenium. “A comparação dos gastos com pessoal e as despesas com saúde e educação foi totalmente imprópria, até porque são as áreas que absorvem a maior quantidade de servidores. Não há escolas sem professores e hospitais sem médicos. Ao contrário, tal como a pandemia tem mostrado, o país precisa de mais médicos. A meu ver, a reforma administrativa é necessária tendo em vista inúmeras distorções nos planos de cargos e salários dos Três Poderes. Mas a comparação é descabida e não contribui para um debate sério sobre o tema”, destaca.
O papel do Judiciário
O Judiciário pode facilitar, ou dificultar, a reforma administrativa, na avaliação de Vladimir Nepomuceno, assessor parlamentar da Insight. Está previsto para a sessão da próxima quarta-feira, 2 de setembro, o julgamento, no Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 2135) que garantiu, por liminar, uma única forma de contratação (RJU) de servidores públicos para a União, estados, Distrito Federal e municípios. “A decisão do STF nesse processo pode e deverá ter influência no debate e no prosseguimento das reformas já encaminhadas ou a serem apresentadas”, reforça.
“A depender do resultado do julgamento dessa ADI, pode estar aberta a porta para a implantação de parte do que propõe o relatório do Banco Mundial (Bird) para a administração pública brasileira, entregue ao governo federal em 2019 como um caderno de tarefas”, ressalta Nepomuceno. Se derrotada a liminar, ainda que possam não ser incluídos em quadro em extinção os atuais servidores estatutários, estaria liberada a contratação por outras formas, inclusive com relações de trabalho precarizadas, como a atual Carteira Verde e Amarela.
Bastaria a simples não realização de concursos, como já está ocorrendo, para a gradativa redução do quadro efetivo permanente das instituições públicas, ”’até que seja liberada a demissão por insuficiência de desempenho, em tramitação em vários projetos no Congresso” lembra. E essa votação, não por acaso, reforça o assessor parlamentar, acontece justamente no momento de maior pressão neoliberal para o encaminhamento pelo presidente da República de uma nova Proposta de Emenda à Constituição (PEC), formalizando mais uma reforma administrativa.