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Revisão da Vida Toda: parecer favorável da PGR confirma o direito dos aposentados
“Em outras palavras, o segurado que possuía contribuições mais relevantes no período anterior a julho de 1994, acabou por contribuir apenas para pagar os benefícios concedidos a outros aposentados com critérios mais brandos, vendo-se totalmente desamparado quando essas suas contribuições de maior vulto, descontadas mensalmente de seus salários, foram retiradas do cálculo de sua Renda Mensal Inicial. Em suma, ocorreu a utilização de uma regra de transição mais prejudicial que a regra permanente”
João Badari*
Noa Piatã Bassfeld Gnata**
No último dia 06 de maio foi disponibilizado no Portal da Transparência do Ministério Público Federal o parecer do Procurador-Geral da República, Augusto Aras, sobre a constitucionalidade da revisão da Vida Toda. O processo, que se encontra pendente de julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF), já havia sido concluído no Superior Tribunal de Justiça (STJ, onde os aposentados, por unanimidade, tiveram o seu direito declarado.
Sua ultima movimentação havia sido o encaminhamento para que o Procurador-Geral se manifestasse sobre a questão. O parecer foi favorável, seguindo entendimento do STJ e também dos Tribunais Regionais Federais brasileiros. Mais um grande passo para o aposentado nesta batalha.
Os segurados que tiveram consideráveis salários de contribuição antes de julho de 1994 sofreram uma enorme perda financeira em razão da desconsideração dessas contribuições pelo INSS.
Nesse sentido, a Revisão da Vida Toda, é a possibilidade do Segurado, que ingressou no Regime Geral da Previdência Social até o dia anterior à publicação da Lei 9.876/1999, de ter aplicado em seu benefício a regra definitiva prevista no art. 29, I e II da Lei 8.213/1991, no momento da apuração do salário de benefício, quando for mais favorável do que a regra de transição contida no art. 3º. da Lei 9.876/1999.
No parecer do PGR encontramos fundamentos legais que demonstram de forma muito clara este direito: a aplicação do melhor benefício (onde o próprio STF já decidiu de forma favorável) e a impossibilidade de uma regra transitória ser mais prejudicial que a permanente.
Ao ser considerada a regra de transição para o segurado, não se observou a regra definitiva, que é, precisamente, o critério eleito pelo legislador, tanto para garantir a saúde financeira do sistema quanto para garantir a consideração de mais contribuições do segurado. Como consequência prática, o segurado sofreu um prejuízo na apuração de sua Renda Mensal Inicial, que foi calculada em patamar menor do que a que seria se considerasse o próprio critério definitivo eleito pelo legislador.
Frise-se, nesse ponto, que a regra de transição foi estabelecida, justamente, para proteger o segurado que, filiando-se à previdência na vigência da regra contida na EC n.º 20/1998, verteu contribuições de baixa monta no período antecedente.
Nesse sentido, não é plausível aplicá-la ao segurado que efetivou maiores contribuições no passado, pois é ele quem, justamente, em um sistema de regime de caixa, contribuía efetivamente para o pagamento dos benefícios que consideravam para fins de cálculo, apenas os 36 meses do texto original da Constituição.
Em outras palavras, o segurado que possuía contribuições mais relevantes no período anterior a julho de 1994, acabou por contribuir apenas para pagar os benefícios concedidos a outros aposentados com critérios mais brandos, vendo-se totalmente desamparado quando essas suas contribuições de maior vulto, descontadas mensalmente de seus salários, foram retiradas do cálculo de sua Renda Mensal Inicial.
Em suma, ocorreu a utilização de uma regra de transição mais prejudicial que a regra permanente.
É um princípio legislativo que em reformas previdenciárias as regras de transição/provisórias são criadas para beneficiarem os segurados que já estão no sistema, tornando mais brandos os efeitos das novas sistemáticas previdenciárias para àqueles que já estão próximos de atingirem a tão almejada aposentadoria. Aqui ocorreu o inverso, ela prejudicou quem já contribuía para o sistema.
Sobre a ação do melhor benefício, foi destacado no parecer que o Supremo Tribunal Federal tem entendimento consolidado sobre a “aplicação do melhor benefício”, trazendo a possibilidade de se aposentar pela melhor regra que faz jus, e neste caso, para muitos segurados será a regra permanente, quando lhe for menos gravosa, como uma garantia de obter o melhor benefício por existirem duas regras de cálculo a serem aplicadas e a permanente em alguns casos ser melhor que a provisória.
O INSS sempre contesta teses previdenciárias com argumentos financeiros, porém alguns não refletem de forma objetiva o custo aos cofres públicos. Principalmente na questão da revisão da Vida Toda, são eles:
– A presente decai em 10 anos, ou seja, não cabe para quem se aposentou antes de novembro de 2010. Diminuindo consideravelmente o universo de segurados aptos a pleitearem seu direito. E a cada ano esse um universo de segurados se mostrará menor;
– É uma revisão de exceção, pois o normal na vida laboral é começar recebendo menos, e os salários gradativamente irem subindo ao longo da vida. A “revisão da vida toda” protege as exceções, pessoas que ganhavam e contribuíram com valores maiores no início da vida laboral, e por um infortúnio suas contribuições diminuíram ao longo dos anos. Portanto, serão poucos os cálculos que trarão benefícios aos segurados aposentados;
– A reforma da Previdência extinguiu a presente revisão, onde não existe mais a possibilidade dos novos segurados que se aposentarem pela “Nova Previdência” (ou suas regras transitórias) buscarem o pedido, pois ela trata apenas e tão somente quem foi prejudicado pela regra transitória da Lei 9.876 de 1999.
Apenas para trazer ao debate, em muitos processos houve a contestação da Autarquia argumentando que haveria majoração sem previsão de fonte de custeio, porém isso beira o absurdo, visto que a tese busca exatamente respeitar o custeio realizado, utilizando os salários de contribuição anteriores ao ano de 1994. Portanto, a tese visa também proteger a prévia fonte de custeio, com as contribuições pagas e não consideradas em seu PBC.
O “Princípio da Reserva do Possível” não se aplica ao presente caso, visto que diz respeito a aplicação positiva do Estado em relação a direitos sociais, aqui não se trata de uma aplicação positiva, pois houve custeio. O segurado pagou, ele custeou maiores valores que simplesmente foram desconsiderados em seu PBC.
O equilíbrio financeiro e atuarial deve ser para os dois lados, não pode haver uma desproporção para o Estado, e nem mesmo para o cidadão. Neste caso encontramos uma grande desproporção para o contribuinte, onde o mesmo contribuiu com maiores valores e o Estado não lhe garantiu a proteção referente a suas contribuições. Este é mais um ponto a ser corrigido pelo Supremo Tribunal Federal.
Em razão do cunho alimentar da prestação previdenciária, seus valores sempre voltam aos cofres públicos, aquecendo a economia. Isso se mostra de vital importância não apenas para o aposentado que possui o direito, mas também para o país.
No estudo de 2020 “O paradoxo social-econômico do ataque ao welfare state e o trabalhador rural: a próxima bola da vez”, dos autores Dariel Santana Filho (Doutorando em Direito pela UniCEUB-DF), Marcelo Borsio (Pós Doutor em direito da seguridade social e Presidente do CRPS) e Jefferson Guedes (Doutor em Direito das Relações Sociais) entendemos como o dinheiro gasto com Previdência Social mais se ganha social, financeira e economicamente, alavancando o crescimento do PIB do país.
É um paradoxo pouco conhecido por boa parte da população. Para se ter uma ideia, apenas os investimentos em construção civil (1,54%), superam os retornos em gastos públicos sociais (1,37%), para o crescimento do PIB.
Isso significa que considerando 1% de investimento na matriz, ao final de um ciclo provocaram aumento de 1,37% no PIB. O multiplicador do “gasto” social no Produto Interno Bruto é significativamente superior ao multiplicador dos gastos com a dívida pública (0,71%).
Exemplificando: A cada R$ 1,00 que o governo investe em políticas públicas sociais, terá de volta R$ 1,37 em seu PIB. Retorno este igual ao das commodities, sejam elas agrícolas, financeiras e ambientais.
O estudo se aprofundou no benefício de aposentadoria por idade rural para o segurado especial, e para cada R$ 100 bilhões em pagamentos de benefícios, o acréscimo no PIB foi de R$ 123 bilhões.
E como se não bastasse positivo o aumento no PIB, o investimento governamental na questão previdenciária pública repercute diretamente na arrecadação governamental, por meio das contribuições sociais, impostos e taxas. Segundo estudos do IPEA, cerca de 56% dos “gastos” com previdência retornam ao caixa do tesouro.
Para não nos alongarmos neste exemplar estudo passamos a trazer de forma objetiva mais dois pontos que colaboram com a necessidade de um julgamento célere: é um direito que decai em 10 anos e muitos aposentados que aguardam a decisão estão vendo sua chance de obter justiça e uma renda mais digna terão seu direito sepultado pelo tempo.
Esperamos que o Supremo paute brevemente o processo para sua conclusão, e estamos confiantes de que a Corte Superior traga justiça aos aposentados.
*João Badari – Advogado especialista em Direito Previdenciário e sócio do escritório Aith, Badari e Luchin Advogados
**Noa Piatã Bassfeld Gnata – A advogado previdenciário, doutor pela USP, consultor e professor
A ilegalidade da redução da remuneração inicial dos servidores
Ao contrário de se preocupar com a melhor gestão dos recursos públicos, a administração lança suas armas contra os servidores. Entretanto, reduzir a remuneração do funcionalismo público, sem uma ampla discussão com a sociedade sobre os seus efeitos legais e sociais, não parece ser uma solução constitucional, legal e viável para o momento.
Adovaldo Dias de Medeiros Filho*
A equipe econômica do governo federal, na ânsia de reduzir os gastos com a folha de pessoal, anunciou, na última semana, que poderia rever a remuneração inicial de algumas categorias do funcionalismo público. A proposta central é a de reduzir a remuneração de ingresso no serviço público para, com isso, ampliar a distância em relação à remuneração recebida pelo servidor em final da carreira.
Observe-se que a referida proposta certamente enfrentará grande resistência por parte da representação dos servidores, razão pela qual, neste momento, teria bastante dificuldade sem ser aprovada ainda que, eventualmente, o governo federal tenha aparente maioria no Parlamento.
Importante ressaltar que, para que haja uma mudança nesse sentido, seria necessário rever todas as leis que dispõem sobre carreira e remuneração de servidores públicos. E tais leis poderiam ser contestadas perante o Poder Judiciário para que se evite o retrocesso social, a dignidade da pessoa humana e a própria irredutibilidade remuneratória, todas essas garantias previstas na Constituição Federal e, no caso, destinadas também aos servidores públicos, o que impediria, sob esta ótica, a mudança legislativa.
Por outro lado, a medida certamente enfrentará muita resistência de grande parte da sociedade. Observe-se que há diversos representantes de categorias no Parlamento que, possivelmente, não gostariam de ter a pecha de ter aprovado decréscimo remuneratório aos integrantes da categoria da qual se origina. Ademais, tais leis provavelmente encerrariam vícios materiais, com efetivo conflito com a Constituição Federal, a ponto de, ainda que aprovadas, possam ser declaradas inconstitucionais em momento posterior, pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Na remota possibilidade de aprovação, a eficácia deveria ser prospectiva, ou seja, para aqueles que ingressariam no serviço público após a modificação da legislação. Ainda que se possa argumentar que o servidor público não teria direito adquirido a regime jurídico, a mudança legislativa tende a criar um conflito específico entre um mandamento constitucional (irredutibilidade remuneratória – art. 37, XV, da Constituição) e um entendimento jurisprudencial (inexistência de direito adquirido), sendo certo que o mandamento constitucional deveria prevalecer.
A mudança da tabela remuneratória, caso aplicada imediatamente, atingiria em cheio os servidores dos mais diversos padrões de carreira, o que certamente atrairia uma grande insatisfação e a consequente judicialização do tema.
Ao contrário de se preocupar com a melhor gestão dos recursos públicos, a administração lança suas armas contra os servidores. Entretanto, reduzir a remuneração do funcionalismo público, sem uma ampla discussão com a sociedade sobre os seus efeitos legais e sociais, não parece ser uma solução constitucional, legal e viável para o momento.
*Adovaldo Dias de Medeiros Filho é advogado de Processos Especiais do escritório Roberto Caldas, Mauro Menezes & Advogados