Tag: imoralidade
Acesso à internet pública e os possíveis atos de improbidade do governo
“Não podemos esquecer que são bilhões de reais para atender a expansão da internet banda larga para a região mais carente do país, mas que traz subjacente a obrigatoriedade, constante, de assistir a narrativas da equipe de comunicações do Ministério em prol do Governo Federal em ano que antecede as eleições, no reduto de seu maior adversário político. Volta aqui a pergunta inicial: Há alguma ilegalidade ou imoralidade nisso? Os princípios da administração públicas foram preservados?”
Marcelo Aith*
Circulou no portal do jornal O Estado de S. Paulo uma matéria sobre internet banda larga nas escolas da zona rural de Santa Filomena, no interior do Piauí. A difusão do acesso a internet é extremamente importante, o que garante a democratização da informação e a expansão do conhecimento. Mas foi essa a intenção do governo Bolsonaro?
Antes de responder a esse questionamento, faz-se necessário um esclarecimento. Para acessar a internet os estudantes, professores e moradores precisam assistir à propaganda de 30 segundos sobre programas sociais do governo Bolsonaro todas as vezes que acessam a rede. Ou seja, os beneficiários do wi-fi Brasil são obrigados a assistirem a propaganda do governo para que possam fazer uso da rede pública de internet. Há alguma ilegalidade ou imoralidade nisso? Os princípios da administração públicas foram preservados?
O artigo 37, “caput”, da Constituição da República estabelece que “A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência”. O parágrafo 1º do mencionado artigo proíbe que constem nome, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos em publicidade de atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos.
Hely Lopes Meirelles analisando os princípios da administração, asseverou o seguinte em relação ao da impessoalidade: “o princípio da impessoalidade, consolidado no caput do art. 37 da Constituição Federal se confunde com o princípio da finalidade pública, pois impõe a Administração um agir, em qualquer circunstância, de acordo com o interesse e a finalidade pública, cominando ao administrador público a prática de ato voltado apenas para o seu fim legal e, devendo, qualquer ato que não siga esse objetivo ficar sujeito a invalidação por desvio de finalidade”. Dessa forma, como o interesse público sempre deve ser perseguido, a Administração não pode atuar com vistas a beneficiar ou prejudicar pessoas.
Voltando à questão inicial, pelas estimativas do Ministério das Comunicações, ao menos 26 milhões de brasileiros passaram a ter acesso à banda larga pelo Conecta Brasil.
Não há dúvidas da relevância do programa de acesso à internet do governo, que tem um custo previsto de R$ 2,7 bilhões, sendo desse montante, R$ 2,46 bilhões destinados no Norte e no Nordeste, onde é maior a carência de internet. O interesse público do referido programa é inquestionável, mas qual seria o interesse público na divulgação – a cada acesso dos usuários da internet pública, por 30 segundos – da propaganda programas sociais do governo Bolsonaro? Seria promoção pessoal do Presidente da República com recursos público oriundos do Ministério das Comunicações?
A Lei de Improbidade, em seu artigo 11, “caput”, estabelece como ato de improbidade administrativa atentar “contra os princípios da administração pública”. A promoção pessoal do Presidente da República configura ato de improbidade? A Ministra Carmen Lucia em sua obra “Princípio constitucionais da Administração Pública”, preconiza que a “impessoalidade administrativa tem sido acometida de grave afronta pelo recurso da promoção pessoal a que se oferecem alguns administradores” e segue a Ministra do STF: “valendo-se dos cargos públicos por eles ocupados, e que precisam ter as atividades a eles inerentes divulgadas para conhecimento da população, buscam aqueles agentes contornar o impedimento constitucional de personalizar o exercício da função pública e tirarem proveitos daquela difusão dos fatos, atos e serviços”. Teria o Ministro das Comunicações incorrido em ato de improbidade pela promoção pessoal do presidente Bolsonaro? Ou foi uma propaganda legítima do governo?
Alguns falarão que a propaganda dos feitos do governo, com o objetivo de trazer ao conhecimento da população, é legítima, uma vez que configuraria serviço de utilidade pública.
Uma pergunta deve ser feita: a divulgação todos as vezes que uma pessoa acessa a rede pública não configura desvio ou excesso de poder? Isso não poderia ensejar ofensa ao princípio da impessoalidade?
A professora Lívia Zago, em sua obra “Princípio da Impessoalidade”, ajuda-nos a responder ao questionamento, senão vejamos: “O princípio da impessoalidade é o princípio da defesa da sociedade contra os desvios e excessos do poder”. Impondo a veiculação obrigatória da propaganda de governo por si só não configuraria desvio ou excesso de poder? A população beneficiada não tem a liberdade de escolha em assistir ou não à propaganda de governo, isso não configura promoção obrigatória e constante dos feitos do governo? Não seria uma forma indireta, subliminar de promoção do Presidente justamente na região do país que tem menos intenções de voto?
Não podemos esquecer que são bilhões de reais para atender a expansão da internet banda larga para a região mais carente do país, mas que traz subjacente a obrigatoriedade, constante, de assistir a narrativas da equipe de comunicações do Ministério em prol do Governo Federal em ano que antecede as eleições, no reduto de seu maior adversário político. Volta aqui a pergunta inicial: Há alguma ilegalidade ou imoralidade nisso? Os princípios da administração públicas foram preservados?
*Marcelo Aith – Advogado, Latin Legum Magister (LL.M) em Direito Penal Econômico pelo Instituto Brasileiro de Ensino e Pesquisa – IDP, especialista em Blanqueo de Capitales pela Universidade de Salamanca e professor convidado da Escola Paulista de Direito