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A Associação de Delegados de Polícia do Brasil (Adepol Brasil) contesta dados divulgados pelo Instituto Sou da Paz de que 44% das mortes são esclarecidas e destaca que, no país, em 67,61% dos homícidios são resolvidos e indicados os autores. Os números estão na Pesquisa de Resolutividade dos Inquéritos Policiais na Polícia Civil dos Estados e Distrito Federal e da Polícia Federal
O levantamento inédito foi feito a partir de requerimento do presidente da Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado da Câmara dos Deputados, deputado Emanuel Pinheiro Neto. A Associação dos Delegados de Polícia do Brasil (Adepol Brasil) pesquisou nos 26 estados do Brasil e no Distrito Federal. Os dados são inéditos, considerando a proporção entre inquéritos relatados de crimes de homicídio, patrimônio e violência doméstica entre 2018 e 2020, das polícias civis e Federal.
Pelos dados da pesquisa, o maior índice está no Maranhão (98,48%), seguido de Acre, com 92,69%, Roraima (88,2%), Mato Grosso do Sul (87,01%), Amazonas (86,52%), Paraná (80%), Bahia (78,57%), Pará (77%), São Paulo (76%), Amapá (75,77%), Paraíba (75%), Minas Gerais (71,38%), Rio de Janeiro (70,25%), Goiás (66,28%), Ceará (63,51%), Rondônia (60,94%), Pernambuco (62,5%), Rio Grande do Sul ( 60%). O Distrito Federal surge na pesquisa com índice de 58,5% de resolutividade, seguido de Alagoas (58%), Santa Catarina (53,2%), Rio Grande do Norte (49,6%). Mato Grosso (35%) e Sergipe (40%). Espírito Santo (26%) teve o menor índice.
No relatório entregue à comissão, o deputado Emanuel Pinheiro Neto destaca que, “mesmo com subfinanciamento crônico, sucateamento progressivo e por vezes deliberado, bem como pouca prioridade governamental, as Polícias Civil e Federal apresentam números de elucidação signficativos”. Por região, quando se considera os dados consolidados em todo o país, o Norte tem a maior taxa (80,15%), Sudeste (67,64%), Nordeste (65,70%), Sul (64,40%), e Centro-Oeste (61,72%). Mas quando se considera apenas a Polícia Federal, a taxa de resolução sobe. Em 2019, 76,95% dos inquéritos foram concluídos, com autoria identificada. Em 2020, foram 80,01%. E em 2021, já são 81,18%.
Dados internacionais
Informações consolidadas da PF pontam que, nos Estados Unidos, de acordo com o Bureau of Justice Statistics, ao longo das décadas, menos da metade dos crimes graves são denunciados à polícia. Cerca de 11% de todos os crimes graves resultam em prisão e cerca de 2% terminam em condenação. Em 2018, a taxa de prisão por crimes graves denunciados à polícia era de cerca de 22%. “O Bureau of Justice Statistics não informa as taxas nacionais de
condenação por crimes graves desde 2006 – mas naquele ano , de todos os crimes graves denunciados à polícia , apenas 4,1% dos casos terminaram com um indivíduo condenado na sequência de um crime denunciado”, aponta.
“Os dados sugerem que a maioria dos outros 54,5% dos crimes violentos e 82,4% dos crimes contra a propriedade em 2018 não foram resolvidos, embora haja algumas ressalvas aos dados do FBI que são importantes a serem
observadas – ou seja, que é possível que alguns desses crimes ser resolvido nos anos subsequentes para os quais o FBI ainda não publicou dados”, explica o levantamento. Entre os crimes violentos, os homicídios apresentam a maior taxa de eliminação de longe, 61%. A agressão com agravantes vem com 53% e o estupro com 34%.
O relatório entregue ao presidente da Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado da Câmara dos Deputados, deputado Emanuel Pinheiro Neto, também assinala que a proporção de crimes resolvidos pela polícia na Inglaterra e no país de Gales caiu para o nível mais baixo registrado, de acordo com dados do Home Office, base de comparação de 2019 em relação a 2018. “Nos 12 meses anteriores a março de 2019, 7,8% dos crimes viram alguém acusado ou indiciado, contra 9,1% um ano atrás”, informa.
Na Europa, usando dados do European Homicide Monitor,as descobertas baseadas em homicídios ocorridos no período de 2009–14 revelaram taxas gerais de homicídio baixas em todos os países, com uma grande variedade nas taxas de elucidação de homicídios, variando de 77% na Holanda a 98% na Finlândia. “As taxas de elucidação de homicídios variam atualmente de 96% na Coréia do Sul (Johnson, 2008), 95% no Japão (Roberts, 2008) e 24% em Trinidad e Tobago (Maguire et al., 2010). Em países ocidentais não europeus, as taxas de esclarecimento de homicídio variam de 91% na Nova Zelândia (New Zealand Crime Statistics, 2015), 87% na Austrália (Chan e Payne, 2013), a 75% no Canadá (Mahony e Turner, 2012). Na Índia, 21% de elucidação de crimes, considerando a mediana
geral estatística, levando-se em consideração a categoria de crimes estabelecida”, reforça o relatório.
SÍNTESE COMPARATIVA E ORDENADA DE ELUCIDAÇÃO DE INQUÉRITOS POR ESTADOS DA FEDERAÇÃO BRASILEIRAS (Com base nos anos de 2018- 2020).
ESTADOS INQUÉRITOS CONCLUSOS
ACRE 92,69%
ALAGOAS 58%
AMAPÁ 75,77%
AMAZONAS 86,52%
BAHIA 78,57%
CEARÁ 63,51%
DISTRITO FEDERAL 58,5%
ESPÍRITO SANTO 26%
GOIÁS 66,28%
MARANHÃO 98,48%
MATO GROSSO 35%
MATO GROSSO DO SUL 87,1%
MINAS GERAIS 71,38%
PARÁ 77%
PARAÍBA 75%
PARANÁ 80%
PERNAMBUCO 62,5%
PIAUÍ Não informou
RIO DE JANEIRO 70,21%
RIO GRANDE DO NORTE 49,6%
RIO GRANDE DO SUL 60%
RONDÔNIA 60,94%
RORAIMA 88,02%
SANTA CATARINA 53,2%
SÃO PAULO 76%
SERGIPE 40%
TOCANTINS Não informou
MPF recorre ao TRF-2 para determinar ilegalidade de novos decretos sobre registros de armas
Processo foi extinto sem resolução de mérito pela 2° Vara Federal de Nova Iguaçu (RJ) e recurso do MPF tem o objetivo de dar prosseguimento à ação. O número de homicídios por arma de fogo passou de 6.104, em 1980, para 42.291, em 2014, o que demonstra que armas de fogo continuam sendo usadas em grande quantidade, causando maior violência e insegurança, e não o contrário
O Ministério Público Federal (MPF) entrou com recurso de apelação ao Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2) para que seja reformada a sentença da 2ª Vara Federal de Nova Iguaçu (RJ), que extinguiu, sem resolução do mérito, ação civil pública, com pedido de liminar, para que a Polícia Federal suspendesse os processos de análise e concessão de novos Certificados de Registros de Armas de Fogo (Crafs) na Baixada Fluminense, ou não aplicasse as novas regras previstas no Decreto 9.685/2019 na concessão.
Na ação, que foi precedida de representação da entidade Fórum Grita Baixada, o MPF alegou que o decreto, sob o pretexto de regulamentar o Estatuto do Desarmamento (lei 10.826/2003) e rever o decreto anterior (5.123/2004), contrariou os termos da lei, alterando as suas premissas e avançando sobre competência do Poder Legislativo, em afronta à separação de Poderes.
Violência na Baixada Fluminense
Conforme apontado pela Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), o decreto em questão não atendia ao objetivo alegado de conferir maior segurança à população. O número de homicídios por arma de fogo passou de 6.104, em 1980, para 42.291, em 2014, o que demonstra que armas de fogo continuam sendo usadas em grande quantidade, causando maior violência e insegurança, e não o contrário.
Além disso, 94,4% das vítimas de homicídio por arma de fogo são do sexo masculino, e 71,5% das pessoas assassinadas a cada ano no país são pretas ou pardas. O documento apontou ainda que a maioria é jovem, entre 15 e 29 anos. “Constata-se, assim, que o aumento de posse de armas de fogo tem um grande potencial para causar impacto sobre um público específico, jovem e negro”, explica o procurador.
Especificamente na Baixada Fluminense, de acordo com o Fórum Grita Baixada, houve 2.142 casos de letalidade violenta no ano passado, ou seja, 56 mortes a cada 100 mil habitantes, sendo 71,2% causadas por homicídio. O maior índice é o de Japeri (102,92), seguido por Itaguaí (93,72), Queimados (83,74), Belford Roxo (62,72) e Nova Iguaçu (59,47). O perfil das vítimas é de jovens (até 24 anos), geralmente pretos e pardos, do sexo masculino, com baixa escolaridade.
Ilegalidades
No final do ano passado, em manifestação, o MPF havia defendido a continuidade da ação mesmo após a revogação do Decreto 9.685/2019, sustentando que os decretos federais posteriores continham as mesmas ilegalidades descritas na ação, e pediu o prosseguimento do processo 5001936-79.2019.4.02.5120.
O juízo considerou, para extinguir a ação, tratar-se de causa que visa ao controle abstrato de constitucionalidade do ato normativo. Porém, o MPF argumenta, na apelação, que controle de legalidade não é controle de constitucionalidade. Para o procurador da República Julio José Araujo Junior, autor da ação, a regulamentação trazida pelo Decreto nº 9.685/2019 violou o sistema previsto na Lei nº 10.826/2003, incorrendo em vício de ilegalidade. “O pedido deduzido pelo MPF não apresenta qualquer discussão acerca da constitucionalidade do decreto no que se refere à extrapolação dos limites legais, e o paradigma de controle é a Lei nº 10.826/2003, ou seja, o ato normativo frontalmente violado é infraconstitucional, sendo a Constituição atingida apenas de maneira reflexa”, ponderou.
Outro ponto argumentado é que os novos decretos, semelhantemente, pretendem alterar o sistema de “permissividade restrita” da posse de armas estabelecido no art. 4º da Lei nº 10.826/2003, uma vez que a lei exige uma comprovação pessoal de efetiva necessidade para aquisição de arma de fogo e, por conseguinte, a análise prévia, individualizada, pessoal e específica do pedido pela autoridade administrativa.
“Por tal razão, permanece o interesse processual quanto ao pedido liminar para ‘suspender os processos de análise e concessão de CRAFs, pela Delegacia de Polícia Federal de Nova Iguaçu, até a análise do mérito da presente ação’ e quanto ao pedido principal de ‘condenar a União na obrigação de fazer consistente na não emissão, pela Delegacia de Polícia Federal de Nova Iguaçu, de CRAFs sem a análise prévia, específica, pessoal e individualizada do requisito legal de efetiva necessidade, devendo, por conseguinte, adotar em todos os procedimentos relativos à emissão dos CRAFs a sistemática prevista pelo Decreto nº 5.123/2004, com a redação anterior às alterações introduzidas pelo Decreto nº 9.685/2019’”, argumentou.
Quais os principais fatores sociais que influenciam os índices de homicídio?
Segundo estudo de pesquisadores da USP, existem três fatores que mais influenciam a incidência de homicídios nas cidades brasileiras.
Entender o que leva as pessoas a cometer crimes é uma tarefa complexa e difícil. Por exemplo, não há uma explicação consensual sobre o que leva alguém a cometer um homicídio. No entanto, apesar de não poder conhecer as causas desse tipo de crime, três pesquisadores se uniram para identificar os principais fatores sociais que podem influenciar a incidência de homicídios nas cidades brasileiras.
O trabalho resultou na publicação do artigo Previsão do crime através de métricas urbanas e aprendizado estatístico (Crime prediction through urban metrics and statistical learning) na revista Physica A: Statistical Mechanics and its Applications. O estudo é de autoria de três pesquisadores: o professor Francisco Rodrigues, do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da USP, em São Carlos; o professor Haroldo Ribeiro, da Universidade Estadual de Maringá; e Luiz Alves, que fez pós-doutorado no ICMC e hoje é pesquisador na Universidade de Northwestern, nos Estados Unidos.
Para realizar o trabalho, o time de pesquisadores fez uma seleção de dados chamados indicadores urbanos e selecionou dez deles: Produto Interno Bruto (PIB), população total, população masculina, população feminina, população idosa, analfabetismo, renda familiar, saneamento básico, desemprego e trabalho infantil. O critério de escolha foi o fácil acesso à fonte dessas informações.
Por outro lado, o homicídio foi escolhido para a análise por ser considerado a expressão máxima da violência contra uma pessoa. Além disso, esse delito possui níveis muito baixos de subnotificação em relação a outros tipos de crimes. Sendo assim, a contabilização das estatísticas oficiais permite aproximação dos números reais.
Resultados
O estudo indica que o crime é bastante dependente dos indicadores urbanos, revelando que o desemprego, o analfabetismo e a população masculina, respectivamente, são os fatores que mais se destacam nas cidades que possuem os maiores índices de homicídio. De acordo com Luiz Alves, a partir desse resultado, é possível produzir conclusões mais robustas sobre os efeitos desses indicadores na incidência da violência e entender quais características estão associadas ao crime. Apesar de a pesquisa trazer resultados estatisticamente significativos, Alves alerta que é essencial a colaboração com sociólogos para propiciar uma análise crítica dos dados obtidos.
“Os resultados podem dar uma direção sobre a melhor forma de reduzir a incidência e a reincidência de crimes e violências, auxiliando em estratégias preventivas, revelando tanto os fatores que aumentam o risco de crimes e violências como os que diminuem esse risco”, diz Marcelo Nery, sociólogo e coordenador de transferência de tecnologia do Núcleo de Estudos da Violência da USP.
Segundo o sociólogo, a violência é um fenômeno multicausal e esse estudo pode ser um ponto de partida para entender quais são as raízes da criminalidade e os parâmetros que mais influenciam o crime. “Dessa forma, o Estado pode desenvolver políticas públicas de segurança mais eficientes, que serão adequadas à realidade local, podendo assim focalizar em áreas, grupos ou problemas específicos.”
Para Nery, o uso de softwares estatísticos se torna cada vez mais relevante no âmbito social, político e econômico: “O Brasil é um país que apresenta graves problemas sociais, sobretudo nos grandes centros urbanos. Nesses centros, esses problemas podem se revelar de diversas formas, mas, infelizmente, uma das suas manifestações sociais mais típicas é a criminalidade”.
Métodos
No estudo, foram utilizadas técnicas estatísticas e de inteligência artificial, em especial da área de aprendizado de máquina, já que era necessário analisar uma grande quantidade de dados com precisão. Algoritmos foram empregados para coletar os dados e “aprender” com eles. Assim, o sistema computacional se tornou capaz de responder às perguntas de interesse científico. O método foi empregado para agrupar diversas amostras de indicadores urbanos e compará-los a fim de encontrar quais desses estavam mais relacionados à incidência de homicídios.
De acordo com Alves, alguns estudos mostram que, se o PIB de um país aumenta, consequentemente, diminui a criminalidade. Ele explica que essa relação é estabelecida de uma forma muito direta e limitada, pois tais estudos utilizam apenas dois fatores de análise: criminalidade e PIB. Avaliar esses dois fatores de forma isolada pode acarretar um equívoco nos resultados: é possível que o aumento do PIB seja, na verdade, uma consequência do aumento da população. Nesse caso, é a variação populacional que estaria ligada ao aumento da criminalidade e não o PIB diretamente.
Por isso, Alves destaca que é importante ter uma visão ampla nos estudos correlacionais, analisando vários dados simultaneamente e considerando diversas situações. Assim, evita-se que sejam estabelecidas correlações absurdas. O pesquisador também ressalta que uma pequena amostra de dados pode levar a conclusões precipitadas.
No site Spurious Correlations, há vários exemplos divertidos do tipo de resultado absurdo que podemos encontrar quando relacionamos diferentes dados. Um dos gráficos que mais chamam a atenção é o que liga o aumento do consumo de manteiga à elevação nos índices de divórcio. Esse exemplo mostra que, para correlacionar informações, é preciso investigar diversos fatores. No caso do aumento na taxa de divórcios, não basta apenas comparar esse índice a outro de forma aleatória. Mesmo sendo índices que têm uma taxa de variação similar, não é possível afirmar que existe uma relação de causa e efeito entre o consumo de manteiga e a taxa de divórcios.
Por isso, um das ressalvas que Alves faz em relação a estudos correlacionais é que, muitas vezes, variáveis não selecionadas nesses estudos também podem ser fundamentais para compreender as causas e os efeitos de um fenômeno. No caso do trabalho que busca prever crimes através de métricas urbanas e aprendizado estatístico, uma das limitações é a impossibilidade de selecionar todas as variáveis que impactam os índices de criminalidade de uma cidade. O pesquisador alerta que o estudo pode ter deixado de lado variáveis relevantes. Além disso, ele explica que os indicadores selecionados apenas descrevem fatores que podem estar correlacionados ao aumento ou à diminuição das taxas de homicídio, mas estão longe de explicar as causas do fenômeno.
Explicar as variáveis que levam alguém a cometer um homicídio é um desafio que demandará muito empenho dos cientistas. O estudo desses três pesquisadores contribui para a construção do conhecimento ao colocar mais algumas peças fundamentais nesse complexo e difícil quebra-cabeças.
Fonte: Comunicação ICMC/USP