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Servidora do Incra que sofreu assédio moral tem apoio do MPF
De acordo com o MPF, a liberdade de expressão é direito fundamental, à exceção, por exemplo, de “discursos de ódio”. O ordenamento jurídico não permite “procedimentos que acarretem efeito inibidor ou amedrontador na livre circulação de ideias no âmbito da Administração Pública”
Em dezembro de 2020, a reação dos trabalhadores e entidades representativas contra assédio sofrido pela servidora do Incra no Sul do Pará, Ivone Rigo, ganhou repercussão em todo o Brasil. A denúncia levou o Ministério Público Federal (MPF) a acionar a Comissão de Ética Pública do Governo Federal a se manifestar sobre o direito de servidores de participar e emitir opiniões em debates públicos. Na recomendação, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC) pediu ao Incra que alerte os gestores sobre “condutas abusivas a partir de noção equivocada de hierarquia”
No início de setembro, a Comissão de Ética atendeu recomendação da PFDC e encaminhou mensagem a todos os agentes públicos federais. No documento, ressalta que exercício do cargo ou função no serviço público não retira dos seus titulares o direito de participar dos debates que envolvem a vida coletiva. Segundo a PFDC, a instauração de procedimentos administrativos não pode ser usada como efeito inibidor na livre circulação de ideias. O texto foi produzido por procuradores integrantes dos Grupos de Trabalho (GT) Reforma Agrária e Conflitos Fundiários e Liberdades: Consciência, Crença e Expressão da PFDC.
A avaliação da diretoria da Cnasi-Associação Nacional foi de que o assédio foi grave, mas a reação das entidades e a repercussão do caso na sociedade brasileira também foi importante, “resultando em um claro recado aos prepostos do governo no Incra que não serão aceitas quaisquer posturas assediadoras ou cerceadoras dos direitos dos servidores em manifestar-se, reivindicar, organizar-se, reunir-se, debater, interagir e comunicar-se sobre qualquer assunto, com qualquer pessoa e entidade, a qualquer momento e lugar”. “A Cnasi-AN e os trabalhadores/as do Incra estão alertas e não aceitarão comportamentos, posturas e decisões inadequadas, ilegais, imorais ou injustas dos prepostos do Governo em relação aos servidores/as, ao órgão e às suas políticas públicas”.
Recomendação
A publicação lembra que a servidora do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) teria sido coagida por se pronunciar em uma audiência pública que tratava sobre regularização fundiária (MP 910/2019), da Câmara Municipal de Marabá (PA). A recomendação deixa claro que “não se conciliam com o ordenamento jurídico brasileiro as posturas e condutas de agentes públicos que, sobretudo quando baseadas em razões de hierarquia, promovam a instauração de processos administrativos pelo só fato da participação de agentes públicos em debates e reuniões públicas, especialmente nos casos de formalização seletiva de procedimentos ou que acarretem efeito inibidor ou amedrontador na livre circulação de ideias no âmbito da Administração Pública”.
Leia nota completa do GT Reforma Agrária e Conflitos Fundiários e pelo GT Liberdades: Consciência, Crença e Expressão, ambos da PFDC.
“Liberdade de expressão de agentes públicos
A Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC), órgão do Ministério Público Federal ao qual incumbe dialogar e interagir com órgãos de Estado, organismos nacionais e internacionais e representantes da sociedade civil, buscando a proteção e a defesa dos direitos individuais indisponíveis, coletivos e difusos, recomenda, nos termos da Lei Complementar nº 75, de 20 de maio de 1993, a divulgação do texto a seguir sobre a liberdade de expressão de agentes públicos:
A liberdade de expressão constitui direito fundamental que goza de posição de preferência no ordenamento jurídico, circunstância que abrange o estabelecimento de, ao menos, três presunções: i) da primazia no processo de ponderação, de modo que a colisão entre valores constitucionais, em princípio, deve ser equacionada em favor da livre circulação de ideias; ii) de suspeição de todas as medidas normativas ou administrativas que limitem a liberdade de expressão, nas quais se incluem a instauração de processos disciplinares ou com viés intimidatório; iii) da vedação de censura, na medida em que eventuais excessos no exercício da liberdade de expressão – como, por exemplo, nas hipóteses de discurso de ódio – devem ser enfrentados prioritariamente pela via da responsabilidade ulterior.
A liberdade de expressão também tem como vocação a tutela de manifestações de pensamento deseducadas ou de mau gosto, de modo que eventuais incômodos ou inconveniências aos afazeres administrativos aferidos por meio de uma deturpada visão de hierarquia não funcionam como óbices à proteção da liberdade constitucional.
A ordem jurídico-constitucional brasileira não permite, portanto, que o poder hierárquico seja interpretado como vedação ao dissenso no âmbito da Administração Pública, ou mesmo que esse dissenso seja tornado público, ressalvados os excepcionais casos de sigilo legal da informação.
O exercício republicano de autoridade pública, ao revés, deflagra ambiente propício a controle e questionamentos internos e externos que possam alcançar maior transparência e aprimoramentos na gestão pública. Por consequência, o poder hierárquico não permite inferir relação jurídica de especial sujeição que resulte no aniquilamento ou na restrição direta ou indireta da liberdade de expressão das pessoas investidas no desempenho de atribuições públicas.”
Nessa ordem de ideias, o exercício de cargo, emprego ou função no serviço público não retira dos seus titulares o direito de participação em debates que envolvam a vida coletiva, principalmente naqueles em que seu conhecimento técnico seja relevante para o processo de tomada de decisões ou de informação ao público.
Logo, não se conciliam com o ordenamento jurídico brasileiro as posturas e condutas de agentes públicos que, sobretudo quando baseadas em razões de hierarquia, promovam a instauração de processos administrativos pelo só fato da participação de agentes públicos em debates e reuniões públicas, especialmente nos casos de formalização seletiva de procedimentos ou que acarretem efeito inibidor ou amedrontador na livre circulação de ideias no âmbito da Administração Pública.
Nesse contexto, condutas que aniquilem, cerceiem ou restrinjam, direta ou indiretamente, a liberdade de expressão das pessoas investidas no desempenho de atribuições públicas, sem prejuízo de constituírem infração de outra natureza, podem contrariar as normas éticas e estarem sujeitas à apuração, por denúncia ou ex-officio, no âmbito do Sistema de Gestão da Ética do Poder Executivo Federal, particularmente pelo contido no Decreto nº 1.171/1994, que instituiu o Código de Ética Profissional do Servidor Público Civil do Poder Executivo Federal (Capítulo I, Seção I, Das Regras Deontológicas, incisos VII e VIII, e Seção II, Dos Principais Deveres do Servidor Público, inciso XIV, alíneas ‘h’ e ‘i’).
OAB e a decisão histórica sobre a equidade racial e a paridade de gênero
“A população negra e as mulheres, atualmente, pouco ocupam cargos no sistema político da Ordem e, em algumas seccionais e subseções, não ocupam lugar algum, sendo o quadro de ausência da advocacia negra sensivelmente mais gravoso quando comparado a mulheres brancas e não negras”
Eliane Pereira, Isabela Damasceno, Maíra Vida, Rosana Rufino e Zaira Castro*
Vimos, ao longo deste ano, que a tentativa secular do Estado, de grupos que partilham privilégios sociais e das instituições de preterirem as questões raciais, supostamente, sob latência, fracassou diante da efervescência dos conflitos raciais no Brasil e no mundo e, agora, visibilizados pela grande mídia. A democracia racial nunca foi uma realidade em nosso país e a “miscigenação”, sempre suscitada com a finalidade de silenciar vivências negras e minimizar as sequelas do racismo, apenas serviu para respaldar a ideia de raça e hierarquia racial na sociedade.
Por 90 anos não vimos Luiz Gama e Esperança Garcia compondo o colegiado da OAB, senão em participações episódicas e festivas advindas de homenagens recentes. E foi sob a inspiração desses juristas, e de tantas outras que abriram caminhos de resistência negra e foram agentes de mudança social, que advogadas negras e advogados negros de todas as regiões do Brasil organizaram um movimento popular para deslocar a discussão sobre cotas raciais e paridade de gênero, da cúpula administrativa da OAB nacional, para toda a sociedade. A advocacia negra tem vocalizado suas demandas há décadas e não admitiria deixar de ser ouvida e considerada no julgamento de temas que interferem diretamente na sua vida e exercício profissional, haja vista corresponderem a formação da representação institucional da categoria.
Após o resultado da deliberação do Colégio de Presidentes da OAB (01 de dezembro deste ano) e da recomendação de reserva de cotas de 15% e paridade de gênero, as bases da advocacia negra, que se reconhecem, rapidamente, se mobilizaram para pensar em uma OAB inclusiva e equânime para já, a fim de se somar a lutas anteriores que (nos) construíram juristas possíveis. O julgamento das duas pautas se avizinhava (14 de dezembro) e questões como o princípio da anualidade, plebiscito, proporcionalidade e censo estavam sendo suscitadas como óbices, em potencial, à imediatidade das ações afirmativas em análise.
A decisão em torno de uma reação foi unânime porque, em sua composição orgânica, a OAB não espelha a sociedade. A população negra e as mulheres, atualmente, pouco ocupam cargos no sistema político da Ordem e, em algumas seccionais e subseções, não ocupam lugar algum, sendo o quadro de ausência da advocacia negra sensivelmente mais gravoso quando comparado a mulheres brancas e não negras.
Produzimos a muitas dezenas de mãos a Nota do Movimento de Juristas Negras e Negros do Brasil Sobre Cotas Raciais e Paridade de Gênero no Sistema OAB com o intuito de avaliar o cenário e as perspectivas, mas, sobretudo, para demarcar a nossa posição de defesa intransigente da paridade de gênero e da reserva de cotas raciais de 30%, no tocante aos cargos diretivos da Ordem, afirmando a impossibilidade de fracionamento destas pautas.
A mobilização de abrangência nacional do movimento popular de juristas negras e negros seguiu fortalecida pelo apoio de 45 entidades de grande relevância social, representantes da advocacia negra, a exemplo do Instituto da Advocacia Negra Brasileira, organizações do movimento negro, como a Coalizão Negra por Direitos e instituições mistas, jurídicas e não jurídicas. A sociedade foi conclamada a declarar que “enquanto houver racismo não haverá democracia” e ouviu o chamado, nos apoiando intensamente e, mesmo sem recursos e tempo hábil, alcançamos mais de 1600 assinaturas na petição pública, na qual convertemos a Nota Técnica.
No dia 09 de dezembro encaminhamos um Ofício ao CFOAB reivindicando a cobertura e transmissão da sessão plenária do Conselho Federal da OAB que discutiria paridade de gênero e equidade racial pelo canal no Youtube da OAB Nacional, em razão da não transmissão do Colégio de Presidentes que discutiu acaloradamente os temas. Requisitamos, também, naquela oportunidade, a concessão de oportunidade para que juristas negras e negros que representam as bases do sistema OAB pudessem sustentar razões e exposição dos motivos que deveriam conduzir o CFOAB ao acolhimento integral dos pleitos de paridade de gênero e cotas raciais de 30%.
A OAB foi defensora das cotas no Judiciário, atuou na ADPF 186, tem em sua estrutura Comissão de Direitos Humanos, Comissão da Igualdade Racial e Comissão da Verdade da Escravidão Negra. Está previsto, no Estatuto da Advocacia e da OAB, a defesa da Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático de direito, os direitos humanos e a justiça social, que atravessa, necessariamente, a dimensão racial. Ora, a adoção de uma política afirmativa no sistema referenda o que está previsto em sua normativa, que há muito aponta para um caminho de enfrentamento ao abismo entre negros e não negros dentro da instituição. A OAB é um espaço real de poder que interessa para o povo negro e que deveria ser ocupado pela advocacia negra militante, sem tardança, sem ressalvas quanto aos cargos, extensivo às subseções.
A advogada e pesquisadora Tatiana Emília Dias (2020), da UFBA, apresenta uma provocação assertiva sobre a ausência de pessoas negras em ambientes deliberativos e decisórios: “Quando as pessoas me perguntam ‘por que os negros têm dificuldade em ocupar espaços de poder?’, eu inverto a questão: Por que as instituições têm dificuldades em dar acesso às pessoas negras?”.
É um direito fundamental da advocacia negra ocupar cargos decisórios na OAB, tanto quanto é um dever da instituição garanti-los. Tal ação seria uma medida concreta contra o racismo institucional e implicaria num ineditismo dentro do sistema da OAB, e do sistema de justiça. Trata-se de prática antirracista enunciando uma mudança do perfil atual de representação majoritário, que produz e reproduz desigualdades. E foi nesse contexto que o Movimento de Juristas Negras e Negros reafirmou o pleito de 30% de cota racial e de paridade de gênero como inegociáveis, aludindo a Carta das Juristas Negras entregue à Diretoria da OAB, na III Conferência Nacional da Mulher Advogada, documento que muitas integrantes do Movimento de Juristas Negras e Negros contribuíram com a elaboração e subscreveu.
Na sessão de julgamento (14), o Relator do item de cotas, o Conselheiro Federal (ES), Jedson Marchesi Maioli votou pela fixação de 30% de cotas em caráter transitório condicionado ao censo que indicaria os percentuais a serem incorporados em definitivo para as seccionais e subseções e com vigência a partir 2024, devido a anualidade. Ao longo dos debates o relator reorientou seu voto para a proposta de 20% de cotas raciais. O Conselheiro Federal (CE) André Costa abriu a divergência apresentando a proposta de 30% de cotas, como mínimo, durante 10 mandatos (30 anos), para todas as instâncias da OAB.
O Movimento de Juristas Negras e Negros promoveu sustentação oral na pauta sobre cotas raciais através do advogado Hédio Silva Jr, que elencou os marcos legais, precedentes judiciais e ativismo da OAB que deveriam compelir o Conselho Federal à definição de reserva mínima de 30%, enquanto a advogada Maíra Vida fez um breve histórico das lutas negras com incidência no sistema de justiça e na própria OAB, na experiência da advocacia negra e do movimento negro e as razões jurídicas para o afastamento do princípio da anualidade, vinculação das cotas ao censo ou à lógica de proporcionalidade.
A questão acerca da anualidade, tanto sobre as cotas quanto sobre a paridade, foi votada destacada do mérito e, com isso, o princípio da anterioridade foi afastado, garantindo aplicação imediata das ações afirmativas, caso julgadas favoravelmente.
À exceção das seccionais do MT, MS, PR, PA e ES, que votaram por 20% de cotas, todas as demais seccionais votaram a favor do percentual de 30% de reserva de cotas raciais. Quanto a perenidade da cota de 30%, as seccionais do PR, SC, AP, ES, GO, MS e PB votaram pelo censo como condicionante de aferição da proporcionalidade, em detrimento da proposta de 10 mandatos, elegendo a proposta do Conselheiro Federal (RJ) Siqueira Castro para o trato das situações de exceção.
O Conselheiro Federal (SC) Fábio Jeremias, relator do item de paridade de gênero, acolheu inteiramente a proposta paridade. A votação, por maioria, não se confirmou unânime em virtude da oposição da seccional da PB.
O racismo institucional, que naturaliza as hierarquizações raciais no âmbito das instituições, consiste num padrão de reprodução cotidiana perpetuada por agentes públicos e privados, tanto silente quanto ruidosamente.
O dia 14 de dezembro de 2020 entra para a história das lutas negras e para a história da OAB, que admitiu a necessidade de enegrecimento, a começar por se abrir à escuta de vozes insurgentes e contramajoritárias que integram a advocacia: foi assim que o Conselho Federal decidiu que será lembrado após o término da gestão 2019-2021.
Agora, estamos diante de um universo de desafios e possibilidades, novas propostas, métodos, conhecimentos e competências a serem explorados pela nossa instituição de classe. A presença de interlocutoras negras e interlocutores negros no sistema OAB vai ser uma realidade que diminuirá a dor de estar à margem. Seguiremos com o compromisso de acompanhar e monitorar a regulamentação e implemento das ações afirmativas atinentes às cotas raciais e paridade de gênero no sistema OAB.
*Eliane Pereira, Isabela Damasceno, Maíra Vida, Rosana Rufino e Zaira Castro – Advogadas e integrantes do Movimento Juristas Negras e Negros do Brasil
Fenapef divulga nota sobre a troca no comando da Superintendência da PF no RJ
De acordo com a Fenapef, como Carlos Henrique Oliveira, do RJ, “foi escolhido à época pelo então diretor-geral Maurício Valeixo, sua indicação vai em sentido contrário ao que poderia se configurar como um ato de intervenção política da Presidência da República”
Veja a nota:
“A respeito da substituição no comando da Superintendência da Polícia Federal do Rio de Janeiro, a Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef) considera dentro na normalidade o convite do novo diretor-geral, Rolando de Souza, a Carlos Henrique Oliveira para ser seu diretor executivo.
Oliveira é um quadro técnico preparado para assumir a função. Apesar de a troca, neste momento, suscitar dúvidas e desconfianças sobre a possibilidade de interferência na PF do Rio de Janeiro, o atual superintendente foi alçado à posição de segundo cargo mais importante na hierarquia do órgão. Como ele foi escolhido à época pelo então diretor-geral Maurício Valeixo, sua indicação vai em sentido contrário ao que poderia se configurar como um ato de intervenção política da Presidência da República.
Os policiais federais aguardam a indicação do novo nome para chefiar a Superintendência do Rio de Janeiro com atenção e estão confiantes de que o governo federal vai cumprir a promessa de não tentar interferir nas investigações da Polícia Federal.
05 de maio de 2020
Federação Nacional dos Policias Federais”
“Enquadra-se nessa nova categoria sociológica e jurídica a recente e infeliz declaração do Ministro da Economia, Paulo Guedes, acerca do parasitismo inerente aos servidores públicos funcionários do Estado brasileiro. Não é a primeira vez que o ministro sugere que funcionários públicos sejam parasitas. Suas desculpas não possuem qualquer credibilidade. Está claro que é isso mesmo o que ele pensa e sente”
José Celso Cardoso Jr.*
Há um fenômeno novo e perturbador no setor público brasileiro. Trata-se do assédio institucional (organizacional e moral) como forma dominante de relacionamento entre distintas instâncias ou organizações hierárquicas em cada poder da União e nível da federação. E dentro de cada poder e nível federativo ou organizacional, entre chefias e subordinados, caracterizando, neste caso, o fenômeno típico do assédio moral, que obviamente não é exclusividade do setor público.
O assédio institucional de natureza organizacional caracteriza-se por um conjunto de discursos, falas e posicionamentos públicos, bem como imposições normativas e práticas administrativas, realizado ou emanado (direta ou indiretamente) por dirigentes e gestores públicos localizados em posições hierárquicas superiores, e que implica em recorrentes ameaças, cerceamentos, constrangimentos, desautorizações, desqualificações e deslegitimações acerca de determinadas organizações públicas e suas missões institucionais e funções precípuas.
Enquadra-se nessa nova categoria sociológica e jurídica a recente e infeliz declaração do Ministro da Economia, Paulo Guedes, acerca do parasitismo inerente aos servidores públicos funcionários do Estado brasileiro. Não é a primeira vez que o ministro sugere que funcionários públicos sejam parasitas. Suas desculpas não possuem qualquer credibilidade. Está claro que é isso mesmo o que ele pensa e sente.
Nesse sentido, todas as propostas em curso de reforma administrativa que visam, quase que exclusivamente, reduzir gastos correntes forjando para baixo as contratações e remunerações dos servidores públicos adquire, portanto, um teor altamente questionável. Não apenas porque são medidas ineficazes e bastante questionáveis para se obter ajuste fiscal estrutural nas contas públicas, como porque mal escondem a sua sanha ideológica, persecutória e criminalizadora que está na verdade por detrás da aparente tecnicidade fiscal.
Alguns outros exemplos são eloquentes contra Universidades e Institutos Federais, ANVISA, ANCINE, BNDES, CNPQ, CAPES, FINEP, FIOCRUZ, FUNAI, IBGE, IBAMA, ICMBIO, INPE, INEP, IPEA e até mesmo contra organizações e carreiras do chamado núcleo administrativo ou estratégico de Estado, representado pelo Fonacate (Fórum Nacional Permanente das Carreiras Típicas de Estado), tais como: Fiscalização Agropecuária, Tributária e das Relações de Trabalho; Arrecadação, Finanças e Controle; Gestão Pública; Comércio Exterior; Segurança Pública; Diplomacia; Advocacia Pública; Defensoria Pública; Regulação; Política Monetária; Inteligência de Estado; Pesquisa Aplicada, Planejamento e Orçamento Federal; Magistratura e o Ministério Público. Tais evidências reforçam a tese de que o que está em jogo é também o apagar de memórias e a recontagem da história oficial segundo a visão de mundo ora instalada no poder.
Por sua vez, o assédio institucional de expressão moral caracteriza-se por ameaças (físicas e psicológicas), cerceamentos, constrangimentos, desautorizações, desqualificações e perseguições, geralmente observadas entre chefes e subordinados (mas não só!) nas estruturas hierárquicas de determinadas organizações públicas (e privadas), redundando em diversas formas de adoecimento pessoal, perda de capacidade laboral e, portanto, mau desempenho profissional no âmbito das respectivas funções públicas. No interior do setor público, geralmente, assédio organizacional e assédio moral estão correlacionados, caracterizando o que aqui chamamos, de modo mais amplo, de assédio institucional no setor público.
Sendo este, portanto, fenômeno novo e perturbador no interior do setor público brasileiro, com formas de manifestação diversas e consequências deletérias ao bom funcionamento de organizações estatais e ao desempenho profissional adequado de seus servidores, é que a Afipea-Sindical considerou necessário um destaque especial ao tema, até mesmo para que possamos ter registros documentais, relatos fáticos de situações dessa natureza, interpretações e proposições condizentes com a gravidade do fenômeno e suas nefastas consequências para o Estado brasileiro e sua administração pública cotidiana.
Que o governo Bolsonaro/Guedes não tenha quadros adequados e nem competência técnica ou sensibilidade social para governar o Brasil, já é algo público e notório. A novidade ruim é que agora, alastrando a prática do assédio institucional (organizacional e moral) por todo o setor público, eles pretendam tentar esconder o fracasso de seu projeto de país.
Dessa forma, somos forçados a concluir que o atual governo caminha rapidamente para uma estratégia de acirramento de contradições relativamente aos segmentos da sociedade não alinhados a seu projeto de poder. Mas sendo tais segmentos mais numerosos e representativos da diversidade brasileira que os seus seguidores, deverá haver uma inclinação autoritária crescente por parte das frações de classe no poder, com vistas a impor – até mesmo pela força bruta – os seus anseios e projetos.
Oxalá a comunidade internacional democrática e a sociedade brasileira consciente do perigo autoritário/totalitário em curso possam rapidamente perceber a abrangência, a profundidade e a velocidade dessa agenda retrógrada para então se reorganizarem coletivamente e se reposicionarem politicamente com vistas à recuperação das tendências recentes de construção da República, da Democracia e do Desenvolvimento no espaço nacional.
*José Celso Cardoso Jr. – Presidente da Afipea-Sindical
Itamaraty não quis comentar acusações contra chefe da delegação na FAO
RODOLFO COSTA
Denúncias de assédio moral e sexual voltam a atingir o Itamaraty. O caso mais recente envolve o embaixador João Carlos Souza Gomes, chefe da Delegação Permanente do Brasil na FAO — a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura. Ele foi afastado das funções por suspeita de assediar sexualmente diplomatas e subordinadas. Ciente da importância de orientar os servidores sobre o tema, o Sindicato Nacional dos Servidores do Ministério das Relações Exteriores (Sinditamaraty) lança hoje uma cartilha para discutir e propor a criação de uma política institucional de combate a essa prática.
Casos de assédio são tidos como um problema crônico e histórico no Itamaraty. Segundo a cartilha, um estudo encomendado pelo Sinditamaraty constatou que 80% dos servidores testemunharam casos de assédio nos últimos cinco anos.
Para o sindicato, há risco de o problema se agravar. Como antecipou o Correio, na semana passada, o Itamaraty está finalizando um projeto de lei para reestruturar e redefinir a hierarquia das carreiras da pasta. Para o sindicato, o reforço da hierarquização pode resultar em aumento dos casos de assédio, que pode afetar os servidores de várias formas.
“O assédio pode desencadear doenças psicossomáticas e, inclusive, interferir na motivação entre os oficiais de chancelaria”, sustentou o presidente do Sinditamaraty, Ernando Neves. “A hierarquia dentro do Itamaraty é quase que militar. Resgatar isso só reforça o assédio. Precisamos combater uma coisa para tentar acabar com a outra e criar uma nova mentalidade”, disse. Para o dirigente, nesse contexto, a cartilha ganha ainda mais relevância, funcionando como munição para que os servidores discutam, nas negociações em torno do projeto de lei, a necessidade ou não de resgatar a hierarquia na casa.
O ministério informou que não se pronuncia sobre o caso do embaixador Souza Gomes. Destacou, entretanto, que está em fase de conclusão a implementação de um canal de ouvidoria e a elaboração de uma cartilha oficial do MRE sobre o assédio.