Caso de RO pode ser precedente para Lula gravar programa, dizem especialistas

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A defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pode ter êxito em sua tentativa de permitir que ele grave programa eleitoral de dentro da superintendência da Polícia Federal, em Curitiba, onde está preso, segundo especialistas da área

Os advogados do petista citam como precedente um recurso concedido em 2012, pelo TRE-RO (Tribunal Regional Eleitoral de Rondônia), que autorizou Udo Wahlbrink, candidato a vereador de Vilhena, gravar programa eleitoral de dentro do local onde estava detido. O sindicalista havia sido preso por incitar a invasão de terras, mas não havia sido condenado em segunda instância. Seu pedido de registro de candidatura também já havia sido deferido.

Para Renato Ribeiro de Almeida, professor de pós-graduação da Escola Paulista de Direito e membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político, ‘a decisão do TRE-RO é o único precedente nacional’. “Ainda que muitos considerem a situação inusitada, no direito brasileiro tudo aquilo que não é proibido expressamente em lei, é permitido ao cidadão. E não há uma proibição expressa no sentido de que quem estiver recolhido preso não possa fazer vídeos de campanha do local onde se encontra”, explica Renato.

“O artigo 16-A da Lei 9.504/97 garante que o candidato faça campanha até que, pelo menos, seja julgado seu registro. E no caso do ex-presidente, ainda não houve julgamento. Tampouco se poderia argumentar que não se pode filmar dentro das unidades prisionais”, diz.

Segundo Maristela Basso, professora de Direito Internacional da USP, ‘os direitos políticos são fundamentais, do ponto de vista constitucional e estão na categoria dos direitos humanos’. “As condições de inelegibilidade são restritas. Restrições de caráter normativo, como aquelas previstas na Lei da Ficha Limpa, se mostram no caso concreto do ex-presidente incompatíveis com os princípios constitucionais destinados a assegurar o direito de votar e ser votado. Porque o ex-presidente não perdeu, nem teve suspenso seus direitos políticos”, afirma.

“Toda e qualquer forma de possível restrição ao sufrágio (do direito de votar e ser votado) deve sofrer a mais severa, cuidadosa e meticulosa sindicância por parte dos agentes encarregados de fiscalizar e aplicar o direito, em especial o Poder judiciário e o Ministério Público”, completa.

Marcellus Ferreira Pinto, advogado constitucionalista e eleitoral do Nelson Wilians e Advogados Associados, alerta que a lei não prevê quais atos de campanha podem ser praticados por um candidato que se encontra preso. “Nesse contexto, não há como garantir ao ex-presidente o direito à ampla participação no processo eleitoral, especialmente nos atos de campanha que demandem presença física do candidato, como nos debates e na propaganda eleitoral na TV”, esclarece.

Marcellus também aponta diferenças entre o caso de Rondônia e o de Lula. “O precedente não serve de parâmetro. O candidato [de Rondônia] estava preso preventivamente e não havia sentença condenatória confirmada em segunda instância. Ele também não estava inelegível e seu pedido de registro estava deferido”.

RESUMO DA DECISÃO DE RO:

Recurso Eleitoral. Propaganda eleitoral. Bem público. Gravação de programa eleitoral no interior do estabelecimento prisional. Inexistência de vedação legal expressa. Restrição de direitos políticos. Ocorrência. Provimento.

I – O candidato recolhido em estabelecimento prisional, com registro de candidatura deferido, tem o direito à gravação da sua propaganda eleitoral, sob pena de restrição dos direitos políticos sem amparo legal.

II – A gravação de propaganda eleitoral nas dependências da casa de detenção, em que se encontra recolhido o candidato, não se enquadra na vedação do art. 37, “caput”, da Lei n. 9.504/1997, pois o dispositivo restringe-se às propagandas fixadas em bens públicos.

III – Recurso conhecido e provido.

(RECURSO ELEITORAL nº 33302, Acórdão nº 362/2012 de 05/09/2012, Relator(a) JOSÉ JORGE RIBEIRO DA LUZ, Publicação: PSESS – Publicado em Sessão, Tomo 6ª SE, Data 5/9/2012 )

O recente caso Eletrobras e o boato: a mídia mais antiga da humanidade

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Antonio Carlos Aguiar*

“ O mundo contemporâneo é tagarela por natureza” –  Luiz Felipe Pondé

Recentemente, uma afirmação do presidente da Eletrobras, Wilson Ferreira Júnior, provocou uma grande polêmica, quando disse que “a companhia tem 40% de chefes ‘inúteis’ e ‘vagabundos’; que a Eletrobras está cheia de ‘safados’ nos setores de gerência ganhando altos salários. Lá, tem muito mais gerentes do que devia. E nós temos um monte de safados, lamentavelmente, que ganha 30, 40 pau. Está lá em cima, sentadinho”.  O fato motivou uma paralisação de 24 horas dos empregados da empresa estatal. O executivo depois pediu desculpas.

Mas, dúvidas pululam dessa notícia, tais como: onde, para quem e por que ele disse isso? Esse é um ponto/detalhe, aliás, bem importante, na medida em que nos faz imaginar e perguntar: por que, afinal de contas, um executivo experiente iria se expor publicamente desta maneira?

E, então, descobrimos. Na verdade, ele não se expôs (pelo menos pensava que não). Ele não fez essa declaração em público. Essas “assertivas de entendimento” são frutos de conversa havida entre ele e sindicalistas. Imaginava ele, reservadamente. Todavia, ela (conversa) foi devidamente “gravada”, e, claro (essa tem se tornado uma prática corriqueira nos dias de hoje), de modo clandestino”…

O executivo errou? Sem, dúvidas, errou. Gravar clandestinamente uma conversa, é algo antiético e fere os direitos à privacidade e à intimidade, reconhecidos constitucionalmente? Sim, fere. Pessoas que não trabalham e ainda ganham muito por isso (para não fazer nada) são prejudiciais ao desenvolvimento de uma empresa que deveria, por lei, reverter vantagens à sociedade, justamente por ser estatal, perdendo, portanto, esse escárnio (privilégio) contrário à ética? Sim, deveriam.

Porém, a verdadeira resposta a essas indagações pouco importa ao efeito e eficácia espetaculosa que são gerados a partir do boato que permeia os fatos. Essa construção de “provas” não é própria dos boatos. Ela testemunha o efeito geral das comunicações sobre a interpretação dos fatos que virão a posteriori. Se amoldarão explicações que justificarão os acontecimentos. Veja o exemplo que nos é dado por Jean-Noël Kapferer no livro Boatos. O mais antigo mídia do mundo: “se uma pessoa nos diz que uma criança é ‘nervosa’, cada um de seus atos físicos brutais será etiquetado como ‘atos de nervosismo’. Se a mesma criança nos tivesse sido apresentada como cheia de energia e vitalidade, os mesmos atos físicos teriam recebido a etiqueta ‘atos de vitalidade'”.

Logo, é importante (muito) que tenhamos (sempre) cuidado quando o assunto envolve duas coisas: pessoas e generalização. Comentários genéricos são ingredientes indispensáveis para proliferação de boatos, “a mídia mais antiga da humanidade”. Mais: lembremo-nos dos propagadores de boatos altruístas. Eles estão envolvidos em algum tipo de causa (que pode até ser boa).

O grande problema, dessa “propaganda” (boato) altruísta, é  que ela pode, com tranquilidade, se distanciar da verdade. Cria-se, deste modo, uma indústria da indignação, que se dispõe, inclusive, a disseminar coisas não verdadeiras, que sabe-se, de antemão, que não representam a verdade, mas que se prestam à causa.

Dessa forma e em especial nas relações de trabalho, proliferam a partir da sua proliferação efeitos negativos, por meio daquilo que se denomina de “invisibilidades nas relações de trabalho”, quando, então, simplesmente não se reconhece no empregado/trabalhador os desdobramentos da sua prestação de serviços; da sua colaboração para com a empresa/empregador, da seguinte forma: o trabalho ou as competências necessárias para sua realização (processo de negação); minimizam-se as competências do trabalho realizado (processo de eufemismo); e o processo de espetacularização, que dá destaque apenas para alguns aspectos do trabalho, negativos e, por vezes, até não verdadeiros (frutos de boatos), ofuscando outras dimensões importantes, como bem destaca o professor Angelo Soares.

Todos esses aspectos, totalmente contrários à dignidade da pessoa humana, geram, por consequência, disfunções morais e físicas aos envolvidos, trazendo-lhes contrapartidas negativas de ordem psíquicas e geradoras de doenças.

O importante, assim e sempre, ainda mais em tempos de pós verdade, é nos afastarmos da psiquitarização dos boatos, da sua sedução pela fixação de suspeitas na realidade; da simples verossimilhanças que os compõem, em vez da apuração da verdade; da aposta em teses de complô; das explicações simples em detrimento das complexas.  O momento de mudanças que o país vive é de ponderação, apuração e penalização àqueles que fizerem por merecer, depois de devidamente provados e verificados os fatos. Não podemos nos engajar em processos de apedrejamento, pois, como bem destaca Leandro Karnal, “apedrejar é uma sociedade anônima de ódios com dividendos para todos investidores”.

*Antonio Carlos Aguiar é advogado, mestre e doutor em Direito pela PUC-SP e diretor do Instituto Mundo do Trabalho