Dia do Servidor – Pouco a comemorar

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Na data em que os brasileiros vão às urnas, é comemorado o Dia do Servidor. Para a maioria deles, há poucos motivos para festejar, diante de projetos em tramitação que defendem reforma da Previdência, redução da jornada e do piso inicial dos salários, elevação da contribuição para a aposentadoria de 11% para 14% da remuneração, mudanças na lei de greve e adiamento de reajuste salariais assinados, de 2019 para 2020

VERA BATISTA

INGRID SOARES

O atual governo, nos poucos dias que restam até o fim do ano, se prepara para a transição, na defesa dos pontos que considera fundamentais para o equilíbrio das contas públicas. Principal responsável para reforma, o secretário da Previdência, Marcelo Caetano, afirmou que o presidente Michel Temer vai conversar com o eleito e mostrar o interesse de que o texto se mantenha como está (PEC 287/2016, que só poderá ser tocada após o fim da intervenção de segurança no Rio de Janeiro).

“Tudo depende da administração que virá. Mas é importante destacar que direitos adquiridos não serão tocados. A previsão da reforma é de economia de R$ 88 bilhões, em 10 anos. Contenção que vai aumentando ao longo do tempo, na medida em que se altera o fluxo de novas concessões”, afirmou. Caetano, no entanto, não deu estimativas de quando, caso a reforma não venha a ser concretizada, o Regime Próprio de Previdência dos Servidores (RPPS) entraria em colapso. “Não se sabe a data exata, mas as estatísticas já indicam infiltrações no sistema. O problema previdenciário não é conjuntural, é estrutural. Ou seja, não é uma situação que, em caso de crescimento econômico, vá se resolver”, confirmou. Para o economista Gil Castello Branco, secretário-geral da Associação Contas Abertas, não vai ser difícil o próximo governo levar a cabo as reformas com tranquilidade.

Na segunda-feira (29/10), vai começar uma espécie de “terceiro turno” das eleições, em relação à Previdência e ao funcionalismo. Para Castello Branco, o problema central não é a ausência de diagnóstico, é a falta de ambiente político para concretizar as medidas necessárias. “A divisão do país e o clima político exacerbado geram um Fla x Flu a cada debate essencial. Para os governistas, tudo deve ser aprovado; para os oposicionistas, tudo deve ser reprovado. O consenso é quase impossível. A discussão das reformas envolve a redução de privilégios e não é popular. No Brasil atual, privilégio é uma vantagem que os outros usufruem. Nos casos pessoais, são sempre direitos adquiridos”, ironizou. Castello Branco analisou que as campanhas eleitorais “tiveram a profundidade de um lava-pé”, sem esmiuçar propostas para a grave crise fiscal.

“Sem o reequilíbrio das contas públicas, o país se tornará ingovernável e a administração pública entrará em colapso.Para 2019, o déficit previsto é de R$ 139 bilhões. Mas as despesas obrigatórias continuam crescendo. O cumprimento da regra do teto de gastos exigirá a redução ainda maior das despesas discricionárias que chegarão a um montante pouco superior a R$ 100 bilhões”, disse o diretor-geral da Associação Contas Abertas. Ele considera o Estado brasileiro “paquidérmico, corporativo, ineficiente e caro”, por isso a reforma da Previdência é essencial – o déficit em 2017 foi de R$ 268,8 bilhões – e tem que atingir a todos, setor privado, funcionários públicos (inclusive os militares) e os beneficiados pelo Fundo Constitucional do Distrito Federal. “Qualquer discussão séria das categorias profissionais com o Executivo, Legislativo ou Judiciário deve partir desse cenário de desequilíbrio”.

Mas há também injustiças com os servidores, alertou Castello Branco. Nas últimas décadas a “reforma do Estado” foi, sempre, sob a ótica financeira, com base em “aumentar e cortar”, sem qualquer racionalidade, o que deformou a estrutura administrativa. “A crise atual nos dará a oportunidade de repensar e reestruturar o Estado. Em algum momento – que não deve ser agora, em função da divisão política do país – terá que ser discutida, inclusive, a estabilidade. Já temos avançado no que diz respeito ao mérito e à produtividade, mas ainda de forma insipiente. Considerando que a despesa com pessoal consome cerca de 14% do PIB, se os aumentos salariais continuarem a ser concedidos com base no poder de pressão das categorias, com a conivência das autoridades e dos parlamentares, iremos viver o caos”, reforçou.

Presidenciáveis

Para Leandro Gabiati, cientista político da Universidade de Brasília (Unb), as propostas dos presidenciáveis não funcionam na prática. “Os planos de Bolsonaro, com Paulo Guedes, apontam que o principal problema fiscal é a máquina pública, além do recomendável. Uma das soluções para o equilíbrio seria a de atacar o excesso de servidores públicos, programar a demissão voluntária. A solução é interessante porque no Orçamento da União, de quase R$ 2 trilhões, R$ 250 bilhões são consumidos para o pagamento da folha”. O problema, disse Gabiati, é o custo político e a viabilidade da medida.

“É fácil propor. Uma coisa é o discurso. Dos dois lados, as propostas são simpáticas aos eleitores. Na prática, têm uma série de impedimentos, são difíceis de executar. Isso sem falar que haveria greve e paralisação das categorias”, previu o cientista político. Já Haddad, afirmou ele, entende que a solução fiscal não passa pelo enxugamento da máquina pública. Defende uma mudança na economia que não se sabe quando fará efeito. “Quanto tempo essa reação econômica demoraria? A questão de tirar o acúmulo de privilégios do Judiciário, por exemplo, em um orçamento de R$ 2 trilhões, é mais simbólica do que de impacto fiscal. Mas claro que existiria forte resistência por parte do funcionalismo”, destacou.

Thaís Riedel, especialista em Previdência do Riedel Advogados Associados, destacou que há muito a se debater sobre o tema dos servidores públicos. No período do pós-guerra, houve o fortalecimento da atuação do Estado. “Por conta desse regime peculiar, imposto por lei para o atendimento primordial do chamado interesse público, a aposentadoria de valor integral aos servidores inativos foi uma maneira de compensá-los pela dedicação exclusiva à causa pública durante toda a vida laboral. Assim, a aposentadoria peculiar do servidor era vista como elemento necessário à imparcialidade pública”. Ela disse, ainda, que há grandes equívocos em relação às contas previdenciárias do RPPS.

“O pagamento dos servidores vem do Orçamento fiscal e não do Orçamento da Seguridade Social. Não é correto, também, incluir os dados dos gastos com militares para o sistema previdenciário. Eles só contribuem para pensão e financiamento dos hospitais das Forças Armadas. O custo é nitidamente administrativo”. Segundo Thaís, há um paradoxo nos dias atuais. Por um lado, a pressão pela redução do tamanho do Estado. Por outro, a exigência da população, cansada de pagar tantos tributos, em maior eficiência na prestação dos serviços. “Portanto, é necessário um trabalho amplo, com um estudo aprofundado, em todo o serviço público, identificando gargalos que atrapalham sua eficiência e criando medidas que levem a maior efetividade na prestação do serviço”, relatou.

De acordo com Guilherme Feliciano, presidente da Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (Anamatra), o que há de pior para os servidores é qualquer tipo de sinalização de que não haverá mudanças na lei do teto dos gastos, por 20 anos (EC 95). “Da forma como a emenda foi feita, estabelece um regime de emergência por duas décadas, com um corte linear que iguala as necessidades específicas de cada segmento”, destacou Feliciano. Nesse ritmo, as contas não vão fechar, argumentou. Ele lembra, por exemplo, que servidores que entraram antes de 2003 vão em breve se aposentar. Os novos, já não contribuem para o RPPS, pois têm previdência complementar. “O sistema vai ficar capenga. Por isso, o servidor não tem nada a comemorar e o cidadão também não, nesse 28 de outubro”, afirmou o magistrado.