Planos de saúde poderiam ser mais baratos?

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Estudos inéditos da Aliança Brasileira da Indústria Inovadora em Saúde (ABIIS), o ‘Índice ABIIS Compras Públicas’ e o ‘Índice ABIIS Importação – IAI’ vão ajudar a abrir a “caixa preta” dos preços dos planos de saúde e podem mudar a vida dos consumidores

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As pesquisas analisam a defasagem de preço de dispositivos médicos nas compras públicas e na importação no Brasil, nos últimos seis anos, com o objetivo de desmistificar a tese de que as novas tecnologias oneram os planos de saúde. Os levantamentos mostram que os dispositivos médicos (DMs) não são “os vilões”, ou os responsáveis por onerar os custos da saúde púbica ou privada, já que os preços tiveram queda real (descontada a inflação) de 17%, em seis anos.

No período, o valor nominal da cesta (70 mil produtos) teve alta de 25,8%, diante de inflação acumulada (Índice Geral de Preços do Mercado – IGP-M) de 51,52% e da valorização do dólar de 33,08%. Os levantamentos, explica o diretor executivo da ABIIS José Márcio Cerqueira Gomes, levam em conta os preços cobrados nos portos e nas licitações governamentais, para o Sistema Único de Saúde (SUS). “Em obediência à lei da concorrência, as empresas não revelem seus preços. Por isso, nos baseamos nos valores oficiais. E se o índice considera as licitações, ou preços finais com impostos, também não é possível alegar que foram onerados pelos intermediários”, assinala.

Com base nas comparações, ele reforça que ficou claro que “o índice global não acompanhou nem a inflação do período muito menos as variações da taxa de câmbio”. Gomes diz, ainda, que o estudo apenas comprova o que já se sabia. “Os dispositivos médicos não são os vilões da saúde. Pelo contrário. O stent cardíaco, por exemplo, teve uma defasagem de preço de 80,9%, considerando a inflação nos últimos seis anos, ou seja, está custando menos de um quarto do que custava em 2015”, complementa.

Considerando os produtos, isoladamente, foram analisados, além do stent, as variações de preços das próteses de joelho (desvalorização de 51,3%); de testes sorológicos para vitamina D (-45,6%), HIV (-30,4%) e do hormônio estimulador da tireoide (TSH) (-33,4%); e dois equipamentos de diagnóstico por imagem: os ecógrafos (9,3%) e os aparelhos por ressonância magnética (-15,3%). “De sete itens analisados, apenas um teve alta e na casa de um dígito. As novas tecnologias são sim fundamentais para aumentar a produtividade e resolutividade do sistema de saúde, contribuindo para sua sustentabilidade”, defende Cerqueira Gomes.

Os importados

O ‘Índice ABIIS Importação – IAI’ revela que, assim como acontece com os produtos produzidos no Brasil, os itens de tecnologia médica importados – 40% do consumo local – também não pressionam o custo da saúde pública ou privada. O Índice analisou, entre janeiro de 2008 e dezembro de 2020, a cesta global dispositivos médicos adquiridos no exterior, subdividida em três diferentes segmentos: dispositivos médicos implantáveis (DMI); reagentes e analisadores para diagnóstico in vitro; e materiais e equipamentos para a saúde.

Os preços da cesta de DMI – órteses, próteses e materiais especiais e materiais necessários para a sua utilização –, convertidos para o real e atualizados pelo IGP-M, caíram em média 1,5% ao ano e 18% nos 12 anos. “O Índice ABIIS contraria os agentes pagadores desses produtos, que têm alegado que eles seriam os grandes responsáveis pela inflação da saúde, no Brasil. Está comprovado que não são”, afirma José Márcio Cerqueira Gomes.

Também houve queda significativa nos reagentes e analisadores para diagnóstico in vitro: média anual negativa de 0,7% e redução de 8,8%, em 12 anos. Gomes salienta que “reagentes e analisadores representam em torno de 19,9% da composição das despesas ambulatoriais em um ambulatório clínico”.  O único segmento com crescimento real nos preços dos importados foi o de materiais e equipamentos para a saúde (catéteres, linhas de sutura, seringas, agulhas, mobiliário de uso médico hospitalar, equipamentos de diagnóstico por imagem, entre outros). A alta média anual foi de 2,1% e de 30%, acumulada, no período analisado.

“No entanto, estes itens representam 8,5% dos gastos, ou impacto de 2,5% nos custos hospitalares acumulados nos 12 anos”, explica. “Analisando o contexto macroeconômico, que tem exercido pressões adicionais sobre os importados, pela contínua valorização do câmbio acima da inflação, desde cerca de 2015, é possível afirmar que os produtos médico-hospitalares se desvalorizaram significativamente nos últimos anos”, salienta Gomes. As variações estimadas no ‘Índice ABIIS Importação – IAI’ são dos preços praticados no porto. E os dois estudos foram feitos pelos economistas Emerson Fernandes Marçal e Patrícia Marrone.

Público estratégico

Diante dos resultados das pesquisas, o diretor executivo da ABIIS, José Márcio Cerqueira Gomes, diz que não entende, do ponto de vista técnico, a justificativa para que a inflação médica seja tão alta. Nos últimos anos, mesmo com a queda nos DMs, o Índice de Variação de Custo Médico-Hospitalar (VCMH), também chamado de inflação médica, vem crescendo, e variou entre 12,5% (em 2020) e 20,4% (em 2016). Segundo Gomes, a ABIIS quer ajudar a abrir a “caixa preta” dos preços dos planos de saúde. Os estudos serão apresentados à Agência Nacional de Saúde (ANS), Ministério da Saúde e órgãos de defesa do consumidor, nos próximos dias.

Procurado, o ministério informou que caberia à ANS, comentar. A ANS respondeu, por meio da assessoria de imprensa, que todas as explicações sobre como a Agência estabelece “o reajuste dos planos individuais ou coletivos” estão na página da internet. A Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge), por outro lado, disse que “aguardará ter acesso ao conteúdo completo do mencionado documento elaborado pela ABIIS para se posicionar”. A Federação Nacional de Saúde Suplementar (Fenasaúde), destacou, por meio de nota, que as operadoras seguem o que a ANS estabelece.

“Dentro do modelo mutualista que regula as relações na saúde suplementar, a expressiva alta dos procedimentos que ora observamos – seja em função de novas ondas do coronavírus, seja pela retomada de eletivas ou pelo expressivo aumento dos custos de insumos e matérias-primas – tende a continuar a ter reflexos bastante expressivos nos custos assistenciais ao longo dos próximos meses e, portanto, com efeitos sobre os preços das mensalidades a serem praticados no próximo ciclo de reajuste em 2022”, reforçou a Fenasaúde.

O sonho das operadoras de planos de saúde é pesadelo para consumidores

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“O objetivo da legislação existente não é impedir o crescimento econômico das operadoras, tampouco inviabilizar o sistema de saúde privado no país. Ocorre que direitos mínimos precisam ser garantidos ao cidadão, o qual sempre é a marionete de interesses financeiros – operadoras apresentam lucro constante, ainda que o país esteja em crise”

Sandra Franco*

O atual ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, manifestou recentemente sua opinião no sentido de que a legislação de planos de saúde precisa ser modernizada e que o governo federal está em movimentação para realizar mudanças no setor. Durante um discurso no Fórum da Saúde, em Brasília, o ministro disse que a Lei 9.656/98 é “engessante” e “restritiva”.

Entre as propostas estudadas pelo governo, estão mudanças no modelo de reajuste de planos individuais, o qual deixaria de ser regulado pela ANS e passaria às empresas, além da oferta de planos segmentados ou “customizados” – em que as empresas poderiam ofertar planos apenas focados em consultas e exames, por exemplo.

Tal discurso está alinhado com os termos da recente publicação da FenaSaúde (Federação Nacional de Saúde Suplementar) “uma nova saúde suplementar para mais brasileiros”. Um em cada três brasileiros possui algum tipo de plano de saúde privado, o que torna a discussão desse tema importantíssimo sob o aspecto socioeconômico.

O objetivo da legislação existente não é impedir o crescimento econômico das operadoras, tampouco inviabilizar o sistema de saúde privado no país. Ocorre que direitos mínimos precisam ser garantidos ao cidadão, o qual sempre é a marionete de interesses financeiros – operadoras apresentam lucro constante, ainda que o país esteja em crise.

Desde logo se observa que as operadoras usam o falso argumento de que planos mais baratos desopilariam o sistema público de saúde – o que não é verdade. Outro argumento questionável para a criação de planos com menor cobertura é o de que a saúde apresenta custos altíssimos e crescentes. Entretanto, esse mesmo raciocínio deve ser usado para o sistema público de saúde, o qual ficaria com a obrigação de realizar todos os procedimentos não cobertos pelos planos mais “acessíveis”.

Em um raciocínio transversal e de forma a colaborar com o debate acerca de possíveis alternativas para o setor da saúde, talvez as clínicas populares (um modelo de negócio crescente no país) façam melhor esse papel.

Ou, ainda se pode pensar em outro recurso interessante: a telemedicina (como ocorre em vários países) pode ser solução de casos como um simples resfriado, uma dor muscular, um mal estar no estômago após exageros no almoço de domingo. O cidadão pode pagar um valor de consulta baixo, pontualmente para aquele caso, ser atendido, medicado e prosseguir sua vida sem estar com a obrigatoriedade de pagamentos mensais. Por que esse cidadão precisaria pagar um plano de saúde mensal, com coberturas mínimas, se teria de buscar o sistema público de saúde para exames mais complexos, hospitalização e procedimentos cirúrgicos?

Se considerarmos a judicialização no setor, conclui-se (sem muita dificuldade) que muitos consumidores já se consideram desassistidos pelos planos e demandam por coberturas muitas vezes não previstas contratualmente.

Atualmente, esse é o principal problema enfrentado pelo mercado: a sustentabilidade do modelo pelo alto custo dos serviços. Observa-se uma mudança estrutural na sociedade: o maior aumento de idosos demandará maior procura ao sistema de saúde, público ou privado. O implemento de novas tecnologias representa aumento de custos.

A crise econômica e o alto índice de pessoas que perderam o emprego delineiam também uma nova realidade no setor da saúde privada. Há uma bolha se formando, pois faltam recursos ao governo, tanto o é que foi necessário limitar o teto para gastos dentro dos próximos 20 anos. De outro lado, em razão da crise, milhões de pessoas perderam seus planos de saúde empresariais e ainda não se recolocaram no mercado de trabalho, quer para ter direito a um novo plano ou para que possam contratar um individual.

Para além da alternativa de planos de saúde mais baratos, as operadoras poderiam optar pela redução de custos por meio de programas de prevenção (primária, secundária e terciária) que envolvam desde a nutrição, exercícios até o acompanhamento de pacientes de risco. Não se deve excluir a imunização com forma de diminuir os gastos com atendimentos médicos. Essa pode ser uma saída necessária para a saúde financeiro-administrativa do mercado de saúde privada no país.

Mas, haveria interesse de se organizar o sistema em prol da saúde e não da doença?

Logicamente, essa eventual alteração na legislação teria de passar pelo Congresso Nacional. As confederações, conselhos médicos, representantes da ANS e das operadores de planos de saúde, acadêmicos, economistas, entre outros atores, deverão debater quais os principais gargalos do setor no país. É essencial uma discussão profunda sobre o equilíbrio dos custos médicos com as necessidades do paciente brasileiro. Isso para tentar chegar a um modelo acessível para a saúde em todas as faixas etárias e nas diferentes regiões do Brasil. Mas, abrir mão de conquistas favoráveis ao paciente/consumidor não é o melhor caminho.

*Sandra Franco – consultora jurídica especializada em Direito Médico e da Saúde, ex-presidente da Comissão de Direito Médico e da Saúde da OAB de São José dos Campos (SP), membro do Comitê de Ética para pesquisa em seres humanos da UNESP (SJC) e presidente da Academia Brasileira de Direito Médico e da Saúde