A reforma administrativa e a arena da “guerra fria”

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A arena está pronta. Cada parte escolheu as armas. As mobilizações para convencer os parlamentares indecisos estão a pleno vapor nos bastidores do Congresso e se espalham pelo país.

 

 

Não há consenso ainda sobre a reforma administrativa. Após sete versões contraditórias e seis diferentes substitutivos do relator da Proposta de Emenda à Constituição (PEC 32/2020), deputado federal Arthur Maia (DEM-BA), o texto foi aprovado na comissão especial que trata do assunto na última quinta-feira, mas o que acontecerá daqui para frente é um “mistério absoluto”, dizem analistas.  O final de semana será de “guerra fria” entre governistas e oposicionistas. Cada parte usando suas armas. As mobilizações para convencer os indecisos estão a pleno vapor nos bastidores do Congresso e se espalham pelo país.

O governo é acusado de trocar votos por recursos e cargos, após a inclusão de benesses na PEC 32 para favorecer a bancada da bala (aposentadoria integral para policiais, inclusão de guarda municipal na área de segurança pública, entre outras). “Não será estranho se começarem a ser repentinamente distribuídas emendas parlamentares e cargos federais para correligionários em Estados e municípios”, afirmou Vladimir Nepomuceno, consultor e diretor da Insight Assessoria Parlamentar. Um sintoma dessa suposta “cobrança dos favores”, afirmou, é a própria agenda do Plenário.

Estranhamente, na semana que entra (na segunda, 27), não há sequer uma sessão deliberativa (discussão e votação de proposições) no Plenário. “Apenas uma sessão solene na terça, às 15h30. Se o governo tivesse a certeza de que teria os 308 votos necessários para aprovar a reforma, ainda nessa gestão, a matéria seria pautada nessa semana. Setembro chega ao fim na quinta-feira”, afirmou Nepomuceno. “Se governistas têm estratégias de convencimento, usaremos a mesma força em sentido contrário. Vamos nos unir e mostrar aos cidadãos as consequências da reforma e aos parlamentares que a reeleição está em risco”, disse.

Comentários de bastidores sugerem que Arthur Maia lavou as mãos. Tem repetido insistentemente que, na Câmara, “tem dois Arthurs”. Ele fez o seu papel. Agora, cabe ao presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL) pautar a reforma no Plenário. “Depende dele (Lira) e do governo, da base governista”, afirma Maia. Deputados que não quiseram se identificar admitem que está claro que não vão ter paz nos próximos dias. “Em apenas duas horas, foram 120 mensagens e convites para reuniões e jantares”, disse um da base governista. “Não consegui parar para almoçar. Uma enxurrada de ligações de todos os lados”,disse outro da oposição.

Mas o que começou errado, continua torto. Expressão que revela o pensamento de quem foi uma das principais articuladoras da reforma administrativa, a economista Ana Carla Abrão, da Oliver Wyman do Brasil. Em vários artigos conjuntos com Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central e sócio fundador da Gávea Investimentos, e Carlos Ari Sundfeld, professor da FGV Direito SP e presidente da Sociedade Brasileira de Direito Público (SBDP), eles demonstraram o desencanto com a cara que tomou o trabalho que fizeram para assessorar o governo na criação da PEC 32 e dos rumos que o texto tomou no Congresso.

Pelas redes sociais, Ana Carla desabafou, na quarta-feira: “Sabe a estratégia do bode na sala? Essa é a história da #ReformaAdministrativa: três relatórios inaceitáveis foram apresentados (um deles nem foi protocolado). Aí surge o quarto, sem alguns dos absurdos, mas mantendo vários outros problemas. Isso não transforma a contrarreforma em reforma”, lamentou. “Gerar caixa não deveria ser a motivação principal da reforma. A motivação principal é de ordem social. Dar um salto de qualidade depende de gerirmos nossos recursos públicos e entregarmos o melhor para a sociedade”, ressaltou a economista.

Pressão

Nos Estados e municípios, a arena está pronta para a batalha. Uma semana após terem sido impedidos pela Polícia Militar de se manifestarem na ponte Hercílio Luz, em Florianópolis (SC), servidores públicos retornaram ao local na quinta-feira (23) e estenderam uma faixa de 40 metros contra a PEC 32/20. A iniciativa do Fórum dos Servidores Públicos de Santa Catarina, que reúne mais de 25 sindicatos, deixou um recado aos trabalhadores e à população em geral: “Os sindicatos de trabalhadores de Santa Catarina estão defendendo a tua vida! Não à Reforma Administrativa”, destaca o Fórum.

Fotos de parlamentares que apoiaram a PEC na comissão especial também estão sendo expostas em cartazes pelo país com a frase “não vote nele”. Servidores do topo e da base da pirâmide remuneratória dos Três Poderes e das três esferas organizam atos contra a reforma administrativa, em 28 de setembro, às 16 horas, em frente ao Congresso Nacional, para a “derrubada total da PEC 32”. Estarão presentes todas as grandes entidades do funcionalismo (Fonacate, Fonasefe e Condsef) e outras organizações sociais.

O vice-presidente do Fórum  Nacional das Entidades de Carreiras de Estado (Fonacate) e presidente do Sindicato Nacional dos Funcionários do Banco Central (Sinal), Fábio Faiad, adiantou que o protesto tem como foco, sobretudo, os parlamentares indecisos, “já que o governo e os chamados três Cavaleiros do Apocalipse do serviço público (os deputados Artur Lira, Arthur Maia e Fernando Monteiro) ainda não reuniram os 308 votos necessários para a sua aprovação, dada a dificuldade em construir consenso em torno de assunto complexo e sensível”.