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Justiça Federal decide que crimes de ex-agentes da ditadura não prescrevem
O Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) acolheu recurso do Ministério Público Federal (MPF) e reconheceu que não há prescrição da pretensão punitiva do Estado, em crime de falsidade ideológica de ex-agente da ditadura militar. A decisão atendeu à denúncia contra o médico legista Herry Shibata, pelos laudos necroscópicos falsos que esconderam sinais de tortura de dois militantes políticos assassinados pelos órgãos de repressão.
Trata-se da morte de Manoel Lisboa de Moura e Emmanuel Bezerra dos Santos, que foram presos ilegalmente e cruelmente torturados entre agosto e setembro de 1973. Segundo a acusação, o episódio supostamente teve a participação de figuras destacadas entre os oficiais responsáveis pela aniquilação de opositores do regime militar, como o delegado Sérgio Paranhos Fleury, o agente policial Luiz Martins de Miranda Filho e o coronel Antônio Cúrio Neto, entre outros.
Embora os óbitos tenham sido causados por intensas sessões de espancamento e uso de instrumentos de tortura, informa a denúncia que o laudo assinado por Shibata, único ex-agente da ditadura que teve algum envolvimento nessas mortes, omitiu marcas evidentes nos corpos das vítimas e apenas endossou a versão oficial forjada na época, de que os militantes haviam sido mortos após troca de tiros com agentes das forças de segurança.
O processo havia sido extinto na primeira instância da Justiça Federal, sob a alegação de que o crime estaria prescrito, uma vez que o crime de falsidade ideológica não se classificaria como crimes contra a humanidade. O MPF rebateu o argumento, lembrando que não é necessário que cada uma das condutas delitivas que se enquadrem no conceito de crime contra a humanidade sejam estritamente tipificadas pelo Direito Internacional, ou seja, expressamente indicadas nos textos internacionais ou nos Tratados com todos os seus contornos. “Embora o princípio da legalidade se aplique no âmbito internacional, está sujeito a um número significativo de nuances, que devem ser consideradas”, aponta em seu parecer ao Tribunal.
O MPF afirma ainda que “não há nenhuma dúvida de que o crime de “desaparecimento forçado” se enquadra dentre os crimes contra a humanidade reconhecidos pelo Direito Internacional”, ressaltando que tal conduta, em razão de sua complexidade, “envolve a prática de diversos outros delitos, inclusive o crime de falsidade ideológica”. Isso, num “contexto histórico específico, em que vigia no Brasil uma ditadura, caracterizada pela supressão dos direitos, liberdades e garantias fundamentais e pela violação massiva dos direitos humanos, inclusive com assassinatos, sequestros, desaparecimentos, torturas, estupros e outras práticas nefastas contra os opositores políticos”. Esses crimes, ressalta o MPF, são considerados de lesa-humanidade pela comunidade internacional.
Por maioria, a 11ª Turma do TRF3 acolheu tais argumentos e afastou a prescrição dos crimes cometidos pelo médico legista, determinando o retorno do processo à primeira instância da Justiça Federal, para continuidade da tramitação do processo.
Sobre as mortes
Manoel Lisboa de Moura foi preso no dia 16 de agosto de 1973 em Recife (PE) na Operação Guararapes, que tinha como alvo os integrantes do Partido Comunista Revolucionário (PCR) e contava com a atuação do delegado Fleury. As torturas começaram ainda a caminho da unidade do Exército na cidade, com a aplicação de choques dentro da viatura. Nos dias seguintes, o militante foi submetido a contínuos interrogatórios, durante os quais sofria agressões, queimaduras e empalamento.
Os agentes chegaram a colocá-lo em um pau-de-arara (barra na qual a vítima fica com os pés e as mãos amarrados, de cabeça para baixo), usar a chamada “cadeira do dragão” (assento para a descarga de corrente elétrica por fios amarrados nas orelhas, na língua ou inseridos na uretra) e disparar tiros, tudo na busca de informações que Manoel pudesse revelar sobre a organização política.
Por motivos desconhecidos, Manoel foi transferido para o Destacamento de Operações de Informação – Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi) em São Paulo, onde não se sabe se já chegou morto entre o fim de agosto e o início de setembro. Naquele mesmo período, o destacamento na capital paulista recebeu seu correligionário Emmanuel Bezerra dos Santos, capturado por agentes da Operação Condor, uma ação articulada entre as ditaduras sul-americanas para o extermínio de militantes de esquerda.
O tratamento dispensado a ele na unidade foi igualmente brutal e o levou à morte. Durante as sessões de tortura, Emmanuel teve o pênis, os testículos, o umbigo e dedos arrancados, além de sofrer intensos sangramentos pelo uso do “colar da morte”, um sabre escaldante que os torturadores passavam em volta de seu pescoço, causando profundas queimaduras.
Manoel e Emmanuel foram alvejados com tiros para que as perfurações tornassem verossímil a versão forjada para as mortes. Os relatos oficiais, porém, contêm divergências que revelam sua falsidade. Segundo o Exército, Manoel já estava sob custódia e seria usado como isca para a detenção de Emmanuel, que teria reagido e dado início ao tiroteio no momento da abordagem no Largo de Moema, zona sul de São Paulo.
Já o inquérito policial concluiu que ambos reagiram juntos a uma ordem de prisão no local, disparando contra os policiais. Recentemente, uma tenente que trabalhava no DOI-Codi confidenciou, em entrevista ao jornalista Marcelo Godoy, que tudo não havia passado de uma encenação: agentes do próprio órgão haviam simulado o episódio, com uso de balas de festim e sem a presença das vítimas.
Os corpos foram encaminhados ao Instituto Médico Legal (IML) com pedidos de necrópsia marcados com a letra “T”. O símbolo era um código usual entre os agentes da ditadura para identificar os considerados “terroristas”, opositores cujos restos mortais deveriam passar por uma análise diferenciada que corroborasse as versões dadas pelas autoridades para os óbitos.
No caso de Manoel e Emmanuel, Harry Shibata foi um dos responsáveis pelos relatórios que indicaram como causas das mortes apenas choque hemorrágico e hemorragia interna em virtude de ferimento por arma de fogo. Nada foi dito nos documentos sobre os hematomas, as amputações e as queimaduras. Apesar de os pedidos de necrópsia conterem todos os dados pessoais das vítimas, Manoel e Emmanuel foram enterrados como indigentes no cemitério Campo Grande, na capital paulista, em caixões lacrados. Os corpos só foram encontrados e identificados em 1992.
Processo nº 5001756-20.2020.4.03.6181
Íntegra do Acórdão.
Carlos Alexandre Klomfahs conta que não advoga para nenhum dos dois, mas pode agir com essa intenção, porque há previsão legal, “por envolver interesse publico”. Por isso,”invocou razões constitucionais como legitimidade extraordinária para ajuizar em nome próprio em direito de terceiros”. Ele pede a remessa do documento, protocolado no STF, ao Procurador-Geral da República e a responsabilização imediata do presidente da República por crimes administrativos e de falsidade ideológica
No habeas corpus com pedido liminar, Carlos Alexandre Klomfahs alega constrangimento ilegal e violação à Constituição, contra o presidente da República, Jair Bolsonaro. Ele destaca que a motivação para a dispensa de Moro e Valeixo teve “suposta vontade dolosa de controlar os atos, investigações e relatórios de inteligência da Polícia Federal, ao arrepio dos princípios da Constituição, quanto à impessoalidade e à moralidade administrativa, que norteiam a discricionariedade administrativa do Poder Executivo”.
E, se houve essa motivação, “ainda que esta não seja uma exigência legal, se falsa ou inexistente o ato (de demissão) será nulo”. Ele cita as declaração de Moro, e ressalta o nítido interesse de proteção da pessoa do chefe do Executivo e de parentes e amigos. “O que sugere em tese, concurso de crimes de corrupção passiva, na medida em que “solicita vantagem indevida”, com falsidade ideológica, pelo fato de ter em tese ocorrido a conduta típica do art. 288 do Código Penal ao ser pelo ministro Sergio Moro informado (prova pública e notória) que a assinatura da exoneração não era sua”.
Com isso, o presidente, afirma o advogado, feriu os princípios da impessoalidade, legalidade,
publicidade e moralidade”. Ele disse que há notícia da “‘rede de inteligência e contrainteligência’, em parceria com a Polícia Federal, com autorização da Justiça Federal, que a própria Abin (Agência Brasileira de Inteligência), sob ordem e influência do presidente, tem ‘monitorado’ delegados, superintendentes e agentes, em operações, e recebido/repassado informações privilegiadas quanto a inúmeras investigações em curso”.
Por isso, o Habeas Corpus pede que a exoneração seja revogada, até que sejam apresentados à sociedade os motivos, os meios e a finalidade do ato administrativo, “para se aferir se o interesse público em pauta resta respeitado”. Ele pede, também, que o STF receba “parte da comunicação dos
fatos como notícia-crime contra o presidente da República por suposto concurso de crime de falsidade ideológica, com a remessa das peças ao Procurador-Geral da República, “por serem crimes de
ação penal pública incondicionada, sob pena de crime de responsabilidade”.
“O perigo na demora é evidente diante do iminente risco de dano irreparável às investigações em curso pela Polícia Federal tocante a atos, inclusive nesta Corte”, diz Klomfahs. Ele afirma que “nunca é demais lembrar que …o direito deve ser um penso que balsamiza a ferida, conforto que ampara a coragem nos momentos cruciantes, não um mecanismo de evasão de responsabilidade ou um documento para chantagear o equilíbrio da justiça…”