Um corpo sem voz

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Suellen Paz*

Ontem, o Itamaraty amanheceu com uma série de repercussões na imprensa. Notícia de deputado enviando ofício pedindo lotação de servidores em Londres (http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,deputado-pede-vaga-em-londres-para-casal-de-diplomatas,70001821176), notícia do relatório da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência (SAE) que retrata a falta de planejamento estratégico da política externa brasileira, dizendo nas entrelinhas que o Itamaraty existe para se auto servir (http://www1.folha.uol.com.br/mundo/2017/06/1889227-documento-do-planalto-aponta-fracasso-e-critica-politica-externa.shtml?cmpid=compfb) e, por fim, a notícia de uma carta aberta de servidores do Ministério que defende o diálogo e a construção de consensos para superação de crises (http://www.bbc.com/portuguese/brasil-40110901).

Qual dessas notícias causou maior repercussão interna? Se você escolheu a notícia que retrata práticas personalistas no Itamaraty, errou. Se você escolheu a notícia que demonstra que o Itamaraty é um fim em si mesmo, errou. Sim, a notícia de maior repercussão foi a que retrata a manifestação espontânea de um grupo de servidores. Até aqui nada novo sob o sol, o estudo “Riscos Psicossociais do Trabalho no Itamaraty” já havia diagnosticado os componentes de todas essas notícias: práticas personalistas, gestão autoritária e patrimonialista, falta de participação coletiva no processo decisório, falta de espaço para voz. Especialmente as dissonantes. Um corpo impedido de se expressar adoece, definha, morre.

O sindicato surgiu muito dessa necessidade, da necessidade do espaço da voz, da necessidade de participação nos debates e da necessidade de oferecer o resguardo àqueles que ousarem se expressar. Uma certa associação, que até um passado bem recente não era mais do que uma confraria, pareceu não entender que seu papel não é preservar a instituição. Por vezes, sua posição é oposta à administração em favor de seus associados. A despeito de concordar ou não com o conteúdo da carta, a associação agindo mais institucionalmente do que o próprio ministério, cometeu a irresponsabilidade de deixar a descoberto parte de seus associados, os repreendendo publicamente. Nem o próprio ministro de estado se posicionou com tanta inflexibilidade (http://g1.globo.com/politica/noticia/ministro-diz-que-nao-fara-caca-as-bruxas-no-itamaraty-apos-carta-de-diplomatas.ghtml). Aqui cabe a velha máxima, eu posso até não concordar com o que você diz, mas batalharei para que você tenha o direito de dizer, até porque os signatários da carta se quer utilizaram o chapéu da associação para se manifestar, uma vez que carta foi assinada por integrantes de diversas carreiras.

Dar voz não é um exercício fácil, pelo contrário. Contudo é o contraditório que nos permite desconstruir pré conceitos de lá e de cá. São as vozes plurais que nos permitem construções diversas se o diálogo for honesto a fim de acomodar as diversas perspectivas. Minha curta experiência à frente deste sindicato tem me provado isso.

Vozes dissonantes, vozes concordantes, venham. Nos ajudem a enriquecer os debates. E você que não tem voz venha também, aqui você ganha uma.

*Suellen Paz é presidente do Sindicato Nacional dos Servidores do Ministério das Relações Exteriores (Sinditamaraty)