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TCE da Bahia indica conselheiros sem obedecer norma de concurso
Em longa nota de repúdio, a Associação Nacional dos Ministros e Conselheiros-Substitutos dos Tribunais de Contas (Audicon) e a Associação Nacional dos Auditores de Controle Externo dos Tribunais de Contas do Brasil (ANTC) denunciam a eleição de seis conselheiros substitutos do Tribunal de Contas do Estado da Bahia (TCE/BA), na primeira sessão plenária, em 5 de fevereiro. “Ao se abster de criar e prover por concurso público esses cargos específicos previstos no art. 73, § 4º, da CRFB, a Corte de Contas do Estado da Bahia está exarando decisões sem legitimidade decisória e, portanto, passível de controle de constitucionalidade pelo Poder Judiciário”, informam a Audicon e a ANTC
“Referido procedimento é maculado de vício de inconstitucionalidade, pois se consubstancia em flagrante ofensa ao mandamento do concurso público, eis que a Constituição da República não prevê investidura no cargo de conselheiro substituto, e em nenhum cargo efetivo, mediante eleição, razão por que as entidades signatárias vêm a público reafirmar que repudiam qualquer forma de transposição, transformação ou qualquer outro meio de ascensão ilegítima de cargos públicos que caracterize provimento derivado em total desacordo com o artigo 37, inciso II, da Constituição Federal de 1988”, assinalam as entidades
“NOTA DE REPÚDIO CONJUNTA AUDICON e ANTC
A Associação Nacional dos Ministros e Conselheiros-Substitutos dos Tribunais de Contas – AUDICON e a Associação Nacional dos Auditores de Controle Externo dos Tribunais de Contas do Brasil – ANTC – tomaram conhecimento, por meio da imprensa, de que houve eleição e posse de seis conselheiros substitutos do Tribunal de Contas do Estado da Bahia, atos ocorridos na primeira sessão plenária da Corte de Contas, em 05 de fevereiro de 2019, em afronta ao princípio constitucional do concurso público.
Referido procedimento é maculado de vício de inconstitucionalidade, pois se consubstancia em flagrante ofensa ao mandamento do concurso público, eis que a Constituição da República não prevê investidura no cargo de conselheiro substituto, e em nenhum cargo efetivo, mediante eleição, razão por que as entidades signatárias vêm a público reafirmar que repudiam qualquer forma de transposição, transformação ou qualquer outro meio de ascensão ilegítima de cargos públicos que caracterize provimento derivado em total desacordo com o artigo 37, inciso II, da Constituição Federal de 1988. Nessa linha é o entendimento consolidado no verbete da súmula vinculante 43 do Supremo Tribunal Federal, segundo o qual “é inconstitucional toda modalidade de provimento que propicie ao servidor investir-se, sem prévia aprovação em concurso público destinado ao seu provimento, em cargo que não integra a carreira na qual anteriormente investido”.
Nesses termos, portanto, há mais de 30 anos foi abolido do ordenamento jurídico brasileiro a possibilidade de provimentos derivados em cargos públicos, sendo inconstitucionais as movimentações que levem agente a ocupar cargo público diverso do que fora anteriormente investido e as alterações que transfiguram o cargo por ele originalmente ocupado, o que ocorre, na prática, mediante mudança na natureza do cargo, rol de atribuições, nomenclatura, requisito de investidura, complexidade, etc, seja de forma imediata ou gradual.
De início, é preciso assentar que o cargo de ministro e conselheiro substituto previsto no art. 73, § 4º, da CRFB, embora referenciado por Auditor, não se confunde com o cargo de Auditor de Controle Externo, pois são cargos regidos por regimes jurídicos distintos e que desempenham funções processuais distintas no processo de Controle Externo. Enquanto o primeiro é cargo de estatura constitucional e integrante da função judicante dos Tribunais de Contas, o segundo titulariza função de auditoria e instrução processual (natureza finalística de fiscalização/investigação), e a legitimidade decisória dos Tribunais de Contas depende da devida segregação entre essas funções processuais.
Assim, ministros e conselheiros substitutos são magistrados de contas vitalícios nomeados pelo Chefe do Poder Executivo dentre cidadãos que satisfaçam os requisitos exigidos para o cargo de ministro e conselheiro, mediante concurso público de provas e títulos, para o desempenho de atribuições de substituição e judicatura (natureza finalística judicante), tendo a CRFB/1988 conferido-lhes, para tanto, as mesmas garantias e impedimentos dos membros do Poder Judiciário. Ao se abster de criar e prover por concurso público esses cargos específicos previstos no art. 73, § 4º, da CRFB, a Corte de Contas do Estado da Bahia está exarando decisões sem legitimidade decisória e, portanto, passível de controle de constitucionalidade pelo Poder Judiciário.
Já o cargo de ‘Auditor de Controle Externo’, por sua vez, deve traduzir com transparência, no plano interno e para toda sociedade, o agente público concursado original e especificamente para ocupar o cargo efetivo de complexidade, responsabilidade e requisito de investidura de nível superior, para o exercício da titularidade plena das atividades exclusivas de Estado relativas ao planejamento, coordenação e execução de auditorias, inspeções, instruções processuais e demais atribuições típicas de controle externo a cargo do Órgão de Fiscalização e Instrução processual, não sendo assim considerados aqueles agentes públicos que prestaram concurso público para cargo de provimento de nível médio, posicionamento reiteradamente manifestado pela ATRICON, ao consignar que os planos de cargos, carreiras e remuneração ou legislação equivalente prevejam “a denominação de Auditor de Controle Externo para os cargos providos por concurso público de nível superior que tenham atribuições de auditoria”.1
Traçada essa nítida diferenciação entre a natureza dos cargos e as respectivas funções processuais, ressalta-se que não há, no âmbito do TCE/BA, o cargo constitucional de Auditor (conselheiro-substituto) descrito acima, mas, sim, cargos finalísticos inerentes à função de auditoria/fiscalização, que, sem prestarem concurso público para o cargo de natureza judicante e estatura constitucional previsto no art. 73,§ 4º, da CRFB, são eleitos para exercerem mandatos de “conselheiros substitutos”, ao arrepio da Constituição Federal.
É como se os Ministros do Tribunal de Contas da União – TCU pudessem escolher/eleger entre os auditores de controle externo – AUFCs, isto é, agentes públicos que integram o quadro próprio de pessoal do TCU concursados especificamente para a titularidade da função de auditoria, aqueles que fossem substituí-los na função de judicatura de contas durante determinado ano, em clara afronta ao mandamento do concurso público específico e ao devido processo legal.
1 ASSOCIAÇÃO DOS MEMBROS DOS TRIBUNAIS DE CONTAS DO BRASIL (ATRICON). Resolução
Atricon Nº 13/2018. Aprova as Diretrizes de Controle Externo Atricon 3304/2018 relacionadas à temática “Gestão de pessoas nos Tribunais de Contas. 2018. Disponível em: <http://www.atricon.org.br/wpcontent/uploads/2019/01/Resolu%C3%A7%C3%A3o-Atricon-13-2018-Diretrizes-3304-Gest%C3%A3o-dePessoas.pdf> Acesso em: 08 fev 2018.
É que, em razão do princípio da segregação das funções, um agente público não pode, a um só tempo, integrar funções processuais distintas. Noutro dizer, não pode ele integrar a função de auditoria e a função judicante, sob pena de incontroversa inversão lógica do sistema processual vigente, acusatório não puro, que claramente se sustenta na separação entre as funções de investigar, acusar e julgar, como condição de legitimidade decisória, como via única de garantir a observância do devido processo legal na esfera de controle externo.
Pensar fora desse balizamento é colocar diretamente em perigo os direitos subjetivos daqueles que têm o dever de prestar contas aos Tribunais de Contas, sujeitando as decisões de controle externo ao exercício da controlabilidade judicial delas, podendo vir a ensejar responsabilização dos agentes que deram causa à macula processual e expondo a risco de abalos a imagem institucional do órgão, que tem por dever constitucional prezar pela ocupação legal dos cargos públicos, bem como pela observância aos direitos fundamentais à boa administração Pública, à segurança jurídica e ao devido processo legal.
Trata-se de garantia processual assegurada constitucionalmente aos jurisdicionados dos Tribunais de Contas (art. 73 c/c 96, I, “a”), eis que os processos de controle externo podem acarretar severas restrições na esfera de direitos subjetivos de terceiros, devendo, portanto, ser hígido em todas as suas fases, desde a origem no Órgão de Fiscalização e Instrução processual, que materializa suas atividades por meio de auditorias, inspeções e demais procedimentos fiscalizatórios, devendo ser organizado segundo pressupostos necessários para garantir a atuação de seus integrantes com independência funcional, isenção e imparcialidade, de modo que não se pode confundir o funcionamento do Órgão de Fiscalização e Instrução do Tribunal com a exercício da Função Judicante.
Ressalta-se, ainda, que a AUDICON ajuizou em 1º de setembro de 2016, no Supremo Tribunal Federal, a Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI 5587, com pedido de liminar, impugnando as normas que disciplinam o funcionamento do Tribunal de Contas do Estado da Bahia, tendo em vista que na ordem de escolha de conselheiros pelo governador, os requisitos exigidos para a substituição de conselheiros e a sistemática de substituição estariam em desacordo com a Constituição Federal.
E essa não é a única ADI a impugnar a organização dos cargos do TCE-BA: em agosto de 2017, o Ministério Público do Estado da Bahia (MP-BA) ajuizou, no âmbito do poder judiciário daquele estado, Ação Direta de Inconstitucionalidade contra a lei estadual n° 13.731/2017, que transformou os cargos de provimento de nível médio de Agente de Controle Externo, até então em extinção, em cargo de nível superior de Auditoria, utilizando, inclusive, a remuneração do cargo de nível superior titular da função de auditoria como paradigma para a evolução dos proventos, sem que para tanto tenham os agentes públicos beneficiários sido submetidos a concurso público específico (ADI n° 0017472-09.201.8.05.0000).
Sobre a inconstitucionalidade que decorre da ausência de concurso público específico, outro não foi o entendimento da Procuradoria Geral da República, na ADI 5128, que entendeu ser inconstitucional a transformação de cargos públicos operada por Lei sergipana, que, ao transformar cargo público de nível médio em cargo público de nível superior, de grau de complexidade e responsabilidade de atribuições diversas, agiu em ofensa ao regramento do concurso público específico, em descompasso com o disposto no artigo 37, II da CRFB/1988.
Em face de todo o exposto, as entidades signatárias desta Nota Pública conclamam a sociedade brasileira, principalmente a população do estado da Bahia, a se posicionar contra o referido procedimento do Tribunal de Contas do Estado da Bahia que promove eleição para a investidura no cargo de estatura constitucional de ministro e conselheiro substituto previsto no art. 73, § 4º da CRFB/1988, bem como a qualquer iniciativa que constitua burla ao mandamento constitucional do concurso público específico, único meio imparcial e regular de provimento de cargos públicos efetivos, nos termos intentados pela Constituição Republicana.
De Brasília para Salvador, 11 de fevereiro de 2019.
Marcos Bemquerer Costa
Ministro-Substituto do TCU
Presidente AUDICON
Francisco José Gominho Rosa
Auditor de Controle Externo do TCE-PE
Presidente ANTC”