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Adesão da China à Emenda de Kigali aumenta pressão ao Brasil
“Agora vai!”, diz representante da indústria. EUA devem ratificar em breve, enquanto Brasil e Iêmen são únicos países em desenvolvimento que ignoram o tema. Estimativas indicam que a indústria brasileira teria acesso a mais de meio bilhão de reais (US$ 100 milhões) com a ratificação
Foto: Idec
A China é o mais novo membro do grupo de 122 países que já ratificaram o compromisso com a Emenda de Kigali para reduzir a produção e o uso de gases HFCs (hidrofluorcarbonetos), poderosos agentes de efeito estufa muito usados em aparelhos de ar condicionado. A adesão muda a indústria e o comércio mundial da refrigeração, uma vez que os chineses são os maiores fabricantes de aparelhos e fornecedores de gases. Já os brasileiros seguem na lanterna da corrida mundial contra os gases HFCs. Dos 144 países em desenvolvimento, só o Brasil e o Iêmen não ratificaram a Emenda nem enviaram carta-compromisso sobre o assunto à ONU.
A indiferença em relação a um dos temas centrais da pauta ambiental mundial impede que a indústria do Brasil e a do Iêmen tenham acesso a financiamento, a fundo perdido, para projetos de conversão de fábricas e de treinamento de mão de obra para a substituição dos gases. Os aparelhos que usam gases ecológicos também têm mais eficiência energética, outra pauta urgente que, no caso da refrigeração, não recebe a atenção do Brasil.
Para Arnaldo Basile, presidente da Associação Brasileira de Refrigeração, Ar Condicionado, Ventilação e Aquecimento (Abrava), a decisão do governo chinês “transmite a objetiva mensagem aos usuários dos gases refrigerantes de que precisam agilizar trocas de equipamentos e reformas de sistemas”. Os gases não ecológicos, segundo ele, vão ter a oferta reduzida. “Há tempos vimos alertando os consumidores, fabricantes e prestadores de serviços”, reforça o presidente da Abrava.
Quanto mais tempo o Brasil demorar para ratificar a Emenda de Kigali, segundo Basile, “menores serão as chances de acesso aos US$ 100 milhões disponibilizados para adequação do parque fabril e capacitação da mão de obra do setor”.
O projeto de ratificação da Emenda de Kigali está há três anos na Câmara dos Deputados. Já passou pelas comissões, mas está na gaveta da Presidência da Casa há quase dois anos. “Destaco o esforço empreendido pelo Instituto Clima e Sociedade (ICS), pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor(Idec) e de todas as entidades da Rede Kigali que temos apoiado com o objetivo de sensibilizar a Câmara dos Deputados a votar a ratificação. De maneira otimista, com o exemplo positivo da China, acredito que agora vai!”, disse Basile.
“Todos os países subdesenvolvidos enviaram carta-compromisso de que vão ratificar a Emenda de Kigali, menos Brasil e Iêmen. A ratificação pela China, o maior fabricante de equipamentos de ar condicionado no mundo, vai sinalizar que não há tempo a perder na corrida pra tecnologias de baixo carbono”, reforça Suely Machado Carvalho, ex-diretora do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) em Nova Iorque e atual consultora do Instituto Clima e Sociedade (ICS).
O Grupo Tarefa sobre a Reposição dos Recursos Financeiros do Fundo Multilateral (Replenishment Task Force) do Painel de Tecnologia e Economia do Protocolo de Montreal (Teap) vai concluir, até setembro de 2021, os cálculos de quanto os países em desenvolvimento precisam receber até 2023, a fundo perdido, para que sua indústria possa iniciar os projetos de redução do uso e produção de HFCs. O objetivo é estimular a produção de aparelhos que usem gases que não provocam efeito estufa e sejam mais eficientes em termos de consumo de energia.
A ausência de manifestação por parte do Brasil pode prejudicar o acesso aos recursos do fundo, como disse Basile. Isso porque, para calcular o valor que será repassado a cada país em desenvolvimento, o Fundo Multilateral do Protocolo de Montreal precisa saber aqueles que estão dispostos a integrar esse esforço contra o aquecimento global. Estimativas indicam que a indústria brasileira teria acesso a mais de meio bilhão de reais (US$ 100 milhões) com a ratificação.
“Para se ter uma ideia do tamanho do estrago, os HFCs importados pelo Brasil em 2019 podem impactar o clima cinco vezes mais do que o desmatamento do Pantanal no mesmo período. Ainda assim, um crescimento exponencial no consumo desses gases é esperado caso não haja a ratificação de Kigali”, diz Rodolfo Gomes, diretor-executivo do International Energy Initiative (IEI-Brasil), autor do estudo comparativo.
Os HFCs, usados principalmente em ar-condicionado, têm poder de aquecimento global duas mil vezes superior ao do dióxido de carbono. No Brasil, o projeto da ratificação chegou à Câmara dos Deputados há três anos, em 5 de junho (Dia Mundial do Meio Ambiente) de 2018. Já passou pelas comissões, mas está há quase dois anos parado na Presidência da Casa esperando para entrar em pauta de votação.
A situação do Brasil diante desta questão é inusitada para a diplomacia, já que o país sempre esteve entre os protagonistas mundiais na proteção ao clima desde a Conferência Mundial do Meio Ambiente no Rio de Janeiro, em 1992. Além disso, quando as nações decidiram extinguir o uso de gases CFCs, que danificam a camada de ozônio, o Brasil chegou a cumprir sua meta em 2007, três anos antes do previsto.