Exigência de certidão de antecedentes para teleatendentes é discriminatória

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“A existência de antecedentes criminais não implica que o apenado irá reincidir, e vice-versa, ou seja, a inexistência de antecedentes não configura garantia de que informações sigilosas de clientes não serão violadas. Não há qualquer sentido, sequer probabilístico, em se associar condenação criminal a uma suposta tendência a delinquir – inclusive porque, dada a gritante seletividade de nosso sistema penal, há quem delinqua sem jamais enfrentar punição, e há quem seja punido sem haver delinquido. A ideia de que há nexo entre uma condenação criminal e uma suposta propensão ao crime é estigmatização pura e simples”

Milena Pinheiro Martins*

Recente decisão da Justiça do Trabalho negou indenização a atendente de call center de quem se exigiu certidão de antecedentes criminais para contratação, sob o fundamento de que a função envolve acesso a informações sigilosas. O caso foi analisado pela Subseção I Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1) do Tribunal Superior do Trabalho, que isentou a empresa A. Centro de Contatos S.A. de pagar indenização por danos morais. O acórdão da SDI-I foi publicado no último 2 de março e seguiu a linha de outros julgados mais recentes da subseção e de turmas do TST.

O entendimento adotado, no entanto, vai na contramão de qualquer estudo criminológico moderno. A existência de antecedentes criminais não implica que o apenado irá reincidir, e vice-versa, ou seja, a inexistência de antecedentes não configura garantia de que informações sigilosas de clientes não serão violadas. Não há qualquer sentido, sequer probabilístico, em se associar condenação criminal a uma suposta tendência a delinquir – inclusive porque, dada a gritante seletividade de nosso sistema penal, há quem delinqua sem jamais enfrentar punição, e há quem seja punido sem haver delinquido. A ideia de que há nexo entre uma condenação criminal e uma suposta propensão ao crime é estigmatização pura e simples.

É necessário relembrar que, a partir do Estado Moderno, a pena deve ter por objetivo primordial ressocializar, esgotando-se em si. Particularmente no âmbito do trabalho, condenação criminal transitada em julgado, segundo o artigo 482, alínea d, da CLT, constitui justa causa para rescisão do contrato de trabalho, de modo que, rompido o vínculo contratual nesse momento, também deveria se encerrar qualquer possibilidade posterior de sanção adicional trabalhista, inclusive pré-contratual.

A certidão de antecedentes, portanto, somente pode servir para fins de eventual novo processo penal, baseado em novos fatos típicos. A condenação penal não pode obstar a reinserção do condenado na sociedade.

Uma das principais ferramentas de reinserção é o trabalho. O emprego em call centers, em especial, tem sido responsável pelo ingresso, no mercado formal, de vários corpos diversos (jovens, mulheres cisgêneras e transgêneras, pessoas obesas etc.),[1] muitas vezes tidos por abjetos por outros ramos empresariais. [2]

Quando legitima o critério da exigência de certidão de antecedentes criminais, o TST acaba por restringir o acesso desses corpos a uma das ocupações que lhes são mais acessíveis.

A justificativa viola ainda o princípio da alteridade, extraído do artigo 2º da CLT, segundo o qual o empregador é quem assume os riscos da atividade econômica. Corolário desse princípio é a ideia de que cabe ao empresário resguardar os dados de seus clientes, inclusive contra eventual mau uso pelos seus empregados. Quando exige antecedentes criminais para contratar quem lide com dados sigilosos, a empresa transfere, portanto, um dever que é seu, qual seja, o de zelar pela segurança desses dados. Essa segurança não se pode garantir por meio de soluções subjetivas, tal qual é a pretensa proteção que se garantiria etiquetando quem lidará com essas informações sensíveis.

A turma do TST que julgara o caso havia entendido, com acerto, que, ao exigir certidão de antecedentes no momento da contratação, “o empregador põe em dúvida a honestidade do candidato ao trabalho, vilipendiando a sua dignidade e desafiando seu direito ao resguardo da intimidade, vida privada e honra, valores constitucionais”. O recente acórdão da SDI-I que a reformou configura verdadeiro retrocesso discriminatório.

*Milena Pinheiro Martins – sócia de Roberto Caldas, Mauro Menezes & Advogados e mestranda em Direito, Estado e Constituição (Mundo do Trabalho, Constituição e Transformações na Ordem Social) pela Universidade de Brasília (UnB).

Professora demitida sem justa causa por ter completado 70 anos deve ser indenizada

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A juíza Eliana Pedroso Vitelli, titular da 1ª Vara do Trabalho de Brasília, condenou uma escola de línguas com sede no Distrito Federal a pagar indenização por danos morais e pela “perda de uma chance”, no valor total de R$ 31 mil, a uma professora que foi dispensada em razão de ter atingido a idade de 70 anos
A empresa, de acordo com o TRT10, ainda deverá pagar as verbas rescisórias devidas pela demissão sem justa causa. Para a magistrada, a dispensa, determinada em razão da idade da professora, foi discriminatória e configurou desrespeito à dignidade humana da trabalhadora.
A professora informou, na reclamação trabalhista, que foi admitida em março de 2007 e dispensada imotivadamente em março de 2017, de forma abusiva e discriminatória, por conta de sua idade, sendo que a demissão ocorreu às vésperas do início do ano letivo – após a realização da semana pedagógica -, o que a impossibilitou de conseguir nova colocação no mercado de trabalho.
Além disso, a autora da reclamação salientou que não recebeu, da empresa, os valores devidos em razão da demissão sem justa causa. Em defesa, a empresa afirmou, nos autos, que o contrato com a professora foi rescindido porque ela completou 70 anos, idade legalmente prevista para o requerimento da aposentadoria compulsória, conforme previsto na Lei 8.213/1991.
Aposentadoria
Na sentença, a magistrada lembrou que o artigo 51 da Lei 8.213/1991 realmente faculta ao empregador requerer, junto ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), a aposentadoria do empregado segurado que tiver cumprido o período de carência e completado 70 anos de idade, no caso dos homens, e 65 anos, no caso das mulheres. Mas, mesmo nesses casos, frisou a juíza, a norma resguarda o pagamento da indenização prevista na legislação trabalhista.
Além disso, salientou a juíza, no caso concreto, documentos juntados aos autos comprovam que a empregada já se encontrava aposentada pelo INSS desde 2008. “Dessa forma, não poderia a reclamada valer-se da faculdade prevista pelo artigo 51 da Lei 8.213/90 para rescindir o contrato obreiro sem o pagamento das verbas rescisórias próprias da despedida sem justa causa”. O próprio Termo de Rescisão de Contrato de Trabalho (TRCT), no campo referente ao tipo de afastamento, revelou a magistrada, apresenta o código relativo à despedida sem justa causa.
Ao contrário do que sustenta a empresa, inexiste qualquer óbice legal para a continuidade do contrato de trabalho da autora da reclamação. “Em nosso ordenamento jurídico, há um limite de idade mínima para se trabalhar, mas não de idade máxima, desde que o empregado esteja apto para o trabalho, o que é o caso incontroverso da reclamante”, explicou a juíza.
Além disso, em se tratando de pessoa com mais de 60 anos de idade, devem ser observadas, além das normas gerais a respeito do trabalho, as normas específicas previstas a respeito da matéria no Estatuto do Idoso (Lei 10.741/2003). E essa norma, ressaltou a magistrada, justamente a fim de proclamar e garantir os direitos fundamentais e específicos dessa parcela da população mais experiente, tratou de assegurar aos idosos, entre outros, o direito ao exercício de atividade profissional, respeitadas as suas condições físicas, intelectuais e psíquicas.
A idade, por si só, não implica comprometimento da capacidade de trabalho, mormente quando se trata de trabalho intelectual como o ensino de língua estrangeira, em que o profissional em regra só melhora com a experiência, ressaltou a magistrada na sentença. “Vale dizer, o trabalhador idoso jamais poderá ser discriminado em razão de sua idade, sendo possível, neste caso, não só a proposição de uma ação de indenização, com pedido de danos morais contra o infrator como ainda a responsabilização criminal, se for o caso, conforme previsto no artigo 99 do mesmo diploma legal”.
Assim, por considerar que a despedida da professora, em razão de sua idade, foi sem justa causa, a magistrada condenou a empresa a pagar as verbas rescisórias devidas nesse tipo de demissão, além de depositar o FGTS sobre as parcelas rescisórias, com a indenização de 40% sobre a totalidade dos depósitos do pacto laboral, com a liberação das guias para levantamento desses valores.
Perda de uma chance
A professora pediu a condenação da empresa ao pagamento de indenização pela perda de uma chance, em razão de ter sido demitida às vésperas do inicio do ano letivo, momento em que as escolas já estão com o quadro de docentes completo.
Ao deferir o pleito e condenar a empresa ao pagamento de indenização, arbitrada em R$ 16 mil, a magistrada disse que não há dúvidas de que o incontroverso rompimento do contrato na data em que efetivado – em março de 2017, após início do período do ano letivo e após a autora ter inclusive participado da semana pedagógica promovida pela ré em fevereiro de 2017 -, prejudicou e muito, a possibilidade de a autora conseguir uma recolocação no mercado de trabalho. “Para os profissionais de ensino, o mercado de trabalho está intimamente vinculado ao período letivo, de modo que, iniciadas as aulas, reduzem-se consideravelmente as chances de contratação”, frisou a juíza.
De acordo com a magistrada, não se nega o direito do empregador de despedir o empregado sem justa causa. “No entanto, necessário ter em mente que tal poder não é absoluto e sofre limitação em face dos princípios da boa-fé, da dignidade humana e do valor social do trabalho. E despedir o professor após o início do ano letivo é obstar a sua chance de conseguir nova colocação”. Para a juíza, a despedida a autora da reclamação, sem justa causa, após a realização da semana pedagógica e do início do ano letivo, “constituiu, inegavelmente, ato ilícito praticado pela reclamada, porquanto obstativo da possibilidade de obtenção de nova colocação pela professora no mercado de trabalho”.
Danos morais
Na reclamação, a professora sustentou que a empresa não agiu de boa-fé, uma vez que sua demissão, discriminatória, em razão da idade, ocorreu após sua participação na semana pedagógica. A autora disse que se sentiu tratada como “idiota” diante dos colegas. Nesse ponto, a empresa se defendeu alegando que atravessa situação de grande dificuldade financeira. Mas, para a juíza, além de não haver nos autos elementos a evidenciar a dificuldade alegada pela empresa, é nesses momentos que mais ocorrem despedidas discriminatórias. “Sendo a despedida um custo indesejado para o empregador, é somente quando se faz necessário realizar cortes em seu pessoal que emergem os critérios inaceitáveis em uma democracia, pelo que discriminatórios”, salientou.
Para a magistrada, é inquestionável, nos autos, que a demissão ocorreu em razão da idade da autora da reclamação, tanto que a empresa requereu a aposentadoria compulsória da professora, sem se atentar para o fato de que a trabalhadora já se encontrava aposentada. Além disso, não houve qualquer alegação de baixa produtividade ou queda de qualidade dos serviços prestados, indisciplina ou outro fato que justificasse a demissão da professora, revelou a juíza.
Ao deixar de se pautar de acordo com os preceitos legais que tratam da boa-fé e da função social do contrato, a demissão sem justa causa, discriminatória, causou danos morais à professora. Esses danos, segundo a juíza, independem de prova, diante do “reconhecimento legal da importância do trabalho para a saúde mental e dignidade dos trabalhadores, ainda mais em idade avançada, diante de todas as implicações físicas e emocionais que a despedida nessas circunstâncias acarreta”.
Não há dúvida quanto à tristeza e a sensação de injustiça sofrida pela professora, ao ser despedida depois de 10 anos de dedicação à empresa, não obstante estivesse perfeitamente apta para o trabalho. A atitude da ré em despedi-la simplesmente em razão da idade configura desrespeito à dignidade humana da trabalhadora, concluiu a magistrada ao condenar a empresa ao pagamento de indenização, por danos morais, no valor de R$ 15 mil.
Cabe recurso contra a sentença.
(Mauro Burlamaqui)
Processo nº 0000417-53.2017.5.10.0001 (PJe)
Fonte:  Núcleo de Comunicação Social – Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região – Distrito Federal e Tocantins.

Trabalhadora demitida por ser portadora de lúpus deve ser reintegrada e indenizada

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Uma trabalhadora com lúpus deverá ser reintegrada ao trabalho e ainda receberá indenização por danos morais no valor de R$ 20 mil. A decisão foi da juíza da 20º Vara do Trabalho de Brasília, Júnia Marise Lana Martinelli, que considerou a dispensa da empregada discriminatória.
Ela prestava seus serviços como operadora de caixa, em uma rede de farmácias do Distrito de Federal. Durante o contrato, a empregada descobriu ser portadora de Lúpus Eritematoso Sistêmico. Em razão da enfermidade, foi afastada de suas atividades laborais e passou a usufruir do auxílio-doença.
Porém, ao retornar ao trabalho, a empresa alegou que ela já estava “em perfeito estado de saúde” e, por isso, decidiu demiti-la. Entretanto, a empregada alegou que no momento da demissão ainda estava enferma. Em sua ação trabalhista, a trabalhadora então pediu a nulidade da rescisão contratual, a reintegração ao emprego, e o restabelecimento dos demais direitos decorrentes da relação trabalhista.
Em sua defesa, a rede de farmácias argumentou que a dispensa da empregada foi lícita e que a doença da trabalhadora não tinha relação com o trabalho. Além disso, a empresa afirmou que, no momento da demissão, a trabalhadora não portava atestado médico, tampouco estava doente.
De acordo com a magistrada, o laudo médico produzido nos autos indicou que a doença que acomete a obreira é autoimune, crônica e sem relação com o trabalho. No entendimento da juíza, é irrefutável que a empregada não foi acometida por doença profissional ou de trabalho. Por outro lado, é sabido que a trabalhadora é portadora de lúpus e que o diagnóstico ocorreu na vigência do contrato de trabalho firmado entre as partes.
“Embora a trabalhadora não possua estabilidade no emprego, já que a lei não prevê essa garantia a trabalhadores com Lúpus, presume-se que a empresa, ciente da condição da obreira, a dispensou de forma discriminatória, uma vez que sua doença é considerada grave, incurável e, em razão disso, hábil a causar estigma ou preconceito”, afirmou a magistrada em sua decisão.
Na sentença, a juíza Júnia Martinelli considerou nula a dispensa da trabalhadora e determinou a sua reintegração ao emprego, mantida as mesmas condições de trabalho. Além disso, condenou a rede de farmácias ao pagamento de danos morais por entender que a empregada teve a sua dignidade agredida num momento de dor e fragilidade.
Processo nº 0000304-58.2015.5.10.0020
Esta matéria tem caráter informativo, sem cunho oficial. Permitida a reprodução mediante citação da fonte. Núcleo de Comunicação Social – Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região – Distrito Federal e Tocantins