Dieese – Nota Técnica sobre a MP 905/2019

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Com o título “O novo desmonte dos direitos trabalhistas: a MP 905/2019”, o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) informa que, esperado desde o início do mandato do governo de Jair Bolsonaro, o pacote para geração de emprego decepcionou: não deve criar vagas na quantidade e qualidade necessárias e, ao contrário, pode promover a rotatividade, com o custo adicional de reduzir direitos e ter efeitos negativos para a saúde e segurança dos trabalhadores e trabalhadoras

De acordo com o Dieese, a MP, sob o pretexto de estimular o primeiro emprego de jovens, decreta mais uma reforma trabalhista: cria a modalidade de contrato de trabalho precário; intensifica
a jornada de trabalho, que pode resultar em aumento do desemprego; enfraquece os mecanismos de registro, fiscalização e punição às infrações; fragiliza as ações de saúde e segurança no trabalho; reduz o papel da negociação coletiva e da ação sindical; ignora o diálogo tripartite como espaço para mudanças na regulação do trabalho; e, por fim, beneficia os empresários com uma grande desoneração em um cenário de crise fiscal, impondo aos trabalhadores desempregados o custo dessa “bolsa-patrão”.

Veja a nota na íntegra:

Desmonte dos direitos e a continuidade da crise no mercado de trabalho brasileiro

No Brasil, uma ampla reforma trabalhista foi realizada em 2017, com o objetivo de reduzir, desregulamentar ou retirar diversos direitos relativos às condições de trabalho. A reforma instituiu um cardápio de contratos de trabalho precários, seja pela insuficiência de horas trabalhadas ou pela possibilidade de redução de direitos; alterou a extensão da jornada de trabalho a partir de diversos mecanismos, inclusive de negociação individual; reduziu garantias relativas ao salário, às férias, à isonomia salarial e proteção às mulheres lactantes; e incluiu medidas que facilitam a demissão e reduzem a possibilidade de o trabalhador e a trabalhadora reclamarem os direitos na Justiça do Trabalho. Além disso, aprovou pontos com repercussão negativa na organização sindical e no processo de negociação coletiva.

A justificativa do governo e de setores do Congresso Nacional que aprovaram essa reforma foi de que o emprego voltaria a crescer. Com as novas regras, a expectativa sera de criação de 6 milhões de empregos e da promoção da formalização dos trabalhadores. Passados dois anos da implantação das medidas, os empregos não foram gerados e o mercado de trabalho continua se deteriorando, com crescentes informalidade e precarização das condições de trabalho, problemas que se agravaram em função justamente da Reforma. Como consequência de toda essa situação, a concentração de renda e a pobreza no país aumentaram.

Esse período contrasta com o vivenciado a partir dos primeiros anos da década passada, quando o mercado de trabalho iniciou um processo de estruturação. Até 2015, houve ampliação de empregos com carteira e da remuneração média, redução das ocupações por conta própria e ou sem carteira de trabalho. O crescimento econômico foi acompanhado por medidas que  colaboraram com a melhoria da qualidade dos vínculos empregatícios, como o aumento da fiscalização e a política de valorização do salário mínimo, além de políticas de ampliação do acesso à educação. Nesse cenário, os jovens exerceram menor pressão sobre o mercado de trabalho, aproveitando as oportunidades de acesso à educação (via expansão da rede de escolas técnicas e a
programas como o Prouni e o Fies), já que a expansão do emprego e dos salários dos adultos sustentava a renda familiar.

Com a crise, a partir de 2015, voltou a crescer a precarização no mercado de trabalho brasileiro. Desde então, novas e antigas formas de precarização se expandiram (os trabalhadores em aplicativos). A precarização no Brasil assume várias formas: informalidade (trabalhadores assalariados sem registro e grande parte dos ocupados por conta própria), subocupados por insuficiência de horas, contratos formais precários (intermitentes e por tempo parcial), condições instáveis de emprego mesmo para aqueles com carteira assinada. Somam-se isso o enorme contingente de trabalhadores desempregados, em grande parte, por longos períodos.

O crescimento da precarização no mercado de trabalho é reflexo (1) da redução dos direitos, com a reforma trabalhista em 2017; (2) do fraco desempenho da atividade econômica, incapaz de gerar quantidade suficiente de postos de trabalho adequados e que atendam aos anseios dos trabalhadores, principalmente no que se refere à remuneração; (3) da falta de políticas públicas ativas de proteção ao desempregado e de geração de empregos de qualidade.

Ao invés de combater esses elementos, o governo Bolsonaro editou a MP 905/2019, que, mesmo nas projeções oficiais, não é capaz de gerar empregos na quantidade necessária à reversão da crise no mercado de trabalho, ainda que à custa da supressão de direitos dos trabalhadores. O governo promete gerar 4 milhões de novos postos de trabalho. No entanto, a MP é, na verdade, uma nova reforma trabalhista, que retira direitos e pode ampliar a precarização em curso. A medida mais propagandeada pelo governo é a criação do contrato chamado de “Verde e Amarelo” (VA), que visa a atender trabalhadores e trabalhadoras jovens, de 18 a 29 anos de idade, na modalidade de “primeiro emprego”.

É um contrato que, além de prever a desoneração dos encargos sociais e trabalhistas pagos pelos empregadores (os encargos sobre a folha são quase que totalmente eliminados!), reduz
valores da remuneração dos jovens que forem contratados. Isso porque são diminuídas drasticamente as verbas relativas ao adicional de periculosidade (também restringe os casos em que o adicional é devido), ao depósito na conta do FGTS e à multa rescisória, que também constituem salário, ainda que diferidos no tempo. Este tipo de contrato só poderá ser firmado para aumentar o número médio de empregados na empresa entre janeiro e outubro de 2019. Os contratados poderão ter prazo determinado de até 24 meses.

O contrato de trabalho “verde e amarelo” estabelece isenções para as empresas contratantes mesmo em cenário de crise fiscal. O novo contrato desconstrói o direito à remuneração das férias, à gratificação de férias, ao 13º salário e ao FGTS, incorporando-os ao pagamento mensal. Além disso, o desenho da política não veta todas as possibilidades de rotatividade da mão de obra, com a troca de trabalhadores e trabalhadoras com contratos por prazo indeterminado por jovens contratados pela carteira verde e amarela, desde que respeitado o limite máximo de 20% em contratos VA sobre a média de empregos existentes entre janeiro e outubro de 2019.

A medida provisória segue a inspiração ultraliberal e de desmonte de direitos do governo Bolsonaro e do ministro da economia, Paulo Guedes: redução do papel do Estado na economia; desregulamentação e supressão de direitos; fortalecimento da esfera privada em detrimento da pública e da ação do indivíduo em detrimento da ação coletiva.

É importante destacar que a MP apresentada está em desacordo com o preconizado pela Convenção 144 da OIT (Organização Internacional do Trabalho), que determina o diálogo tripartite efetivo para alteração das normas trabalhistas. E o Estado brasileiro já havia sido incluído na lista dos países que não cumprem as recomendações da Organização por essa mesma razão, na reforma trabalhista de 2017.

Também está em desacordo com as regras que regem o uso de Medida Provisória, pois este tipo de mecanismo requer a comprovação de urgência e relevância sobre a questão. Ademais, inclui uma diversidade de temas que nem têm relação com a geração emergencial de empregos. Por fim, retoma propostas já rejeitadas pelo Congresso Nacional em outras MPs editadas nesse ano, como é o caso da liberação total do trabalho aos domingos e feriados.

O desemprego atinge 12,5 milhões de pessoas. Entre as ocupadas, 44% estão na informalidade; 26% são trabalhadores e trabalhadoras por conta própria; entre os ocupados, 8% estão subocupados por insuficiência de horas; entre os que estão fora da força de trabalho, 7,3% são desalentados (jul/ago/set, 2019, PnadC/IBGE).

A MP 905/2019 não tem instrumentos que possam intervir positivamente nesse cenário para reverter a crise do mercado de trabalho brasileiro. Ao contrário, tem potencial para aumentar o desemprego e a precarização.

Principais pontos da nova reforma trabalhista
Em relação às outras medidas dessa nova reforma trabalhista, pode ser destacado que:

1. Desonera as empresas, mas onera os desempregados com o pagamento da contribuição previdenciária para aqueles que acessarem o seguro-desemprego.
2. Ao invés de promover empregos, facilita a demissão de trabalhadores e pode estimular a informalidade (sem carteira de trabalho assinada), a depender da classificação das multas, do enquadramento por porte econômico do infrator e da natureza da infração, que serão definidos posteriormente pelo Executivo federal. A proposta enfraquece mecanismos de registro, fiscalização, punição e determina a redução de custos com demissão.
3. Aumenta a jornada de trabalho no setor bancário para todos os trabalhadores e trabalhadoras, exceto para os que trabalham na função de caixa. Em relação a esse setor, também libera a abertura das agências bancárias e o trabalho aos sábados. O aumento da jornada de trabalho para bancários e bancárias tem potencial de ampliar o desemprego: a cada 2 trabalhadores com jornadas de 44 horas semanais, um poderá ser demitido.
4. Amplia a desregulamentação da jornada de trabalho instituída na reforma trabalhista de 2017 com a liberação do trabalho aos domingos e feriados, sem pagamento em dobro, pago apenas se o trabalhador não folgar ao longo da semana.
5. Promove a negociação individual e a fragmentação das normas por meio de Acordos Coletivos de Trabalho (ACTs).
6. Retira o sindicato das negociações de PLR (Participação nos Lucros e Resultados) e amplia o número máximo de parcelas, de duas para quatro, ao longo do ano, caminhando para transformar a PLR em parcela variável cada vez maior do salário.
7. Dificulta a fiscalização do trabalho, inclusive em situações de risco iminente. Retira do sindicato a autoridade para também interditar local de trabalho com risco iminente.
8. Institui o Conselho do Programa de Habilitação e Reabilitação Física e Profissional, Prevenção e Redução de Acidentes do Trabalho, sem participação das representações dos trabalhadores e trabalhadoras e nem mesmo do Ministério da Saúde, no contexto da recente flexibilização das Normas Regulamentadoras (NRs) da Saúde e Segurança do Trabalho promovida pelo governo. Além disso, esse Conselho entra em conflito com a orientação da OIT, de criar espaços tripartites para tratar dos temas relativos à saúde do trabalhador.
9. Cria um Fundo que será gerido por esse Conselho. As fontes desse Fundo serão as condenações de ações civis públicas trabalhistas e os valores arrecadados nas condenações por dano moral coletivo constantes nos TACs (Termos de Ajuste de Conduta). O Programa de Habilitação e Reabilitação Física e Profissional, Prevenção e Redução de Acidentes do Trabalho se restringe ao ambiente do trabalho, deixando de fora as demais situações como trabalho escravo, trabalho infantil, fraudes nas relações de trabalho, irregularidades trabalhistas na administração pública, liberdade sindical, promoção de igualdade de oportunidades, combate à discriminação no trabalho, entre outras. Apesar do escopo restrito, parte dos recursos que constituem o fundo são de ações oriundas desse escopo mais abrangente, por exemplo, recursos de infrações relacionadas a trabalho infantil, e que no novo desenho não serão
utilizados em ações de reparação sobre esse tema (BALAZEIRO; ANDRADE; ROCHA; GÓES; PORTO; e CUNHA, 2019).
10. Altera a regra para concessão do auxílio-acidente: incluindo no texto um vago “conforme situações discriminadas no regulamento”, que será definido por meio de uma lista a ser elaborada pela Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia (Sept/ME). Muda o valor do auxílio-doença de 50% do salário-benefício (com a reforma, a média de todas as contribuições) para 50% do benefício de aposentadoria por invalidez.
11. Institui multas que variam de R$ 1.000,00 a R$ 50.000,00 por infrações que atinjam os trabalhadores de forma coletiva (o que será modulado pelo porte da empresa) e multas entre R$ 1.000,00 a R$ 10.000,00 para situações em que o fato gerador da infração esteja relacionado a um trabalhador específico. A gravidade da infração será definida posteriormente, o que pode enfraquecer a capacidade de punição às empresas que comentem infrações trabalhistas.
12. Revoga 86 itens da Consolidação das Leis do Trabalho, entre os quais, direitos e medidas de proteção ao trabalho, como o artigo 160, que estabelece que “Nenhum estabelecimento poderá iniciar suas atividades sem prévia inspeção e aprovação das respectivas instalações pela autoridade regional competente em matéria de segurança e medicina do trabalho”.

Considerações finais
Sob a justificativa de gerar empregos em um cenário de forte crise no mercadode trabalho, o governo Bolsonaro editou uma nova reforma trabalhista com o conteúdo que retira mais direitos.

Mesmo a única medida que pretensamente poderia gerar empregos, o contrato Verde e Amarelo, apresenta diversos problemas: pode promover rotatividade mesmo com os limites estabelecidos na MP, além de reduzir a remuneração indireta do trabalhador. Não há nenhuma medida pensada para outros grupos populacionais que também são mais vulneráveis no mercado de trabalho, como aqueles maiores de 55 anos, que ficaram de fora da proposta final.

Apesar de uma taxa de desemprego maior do que a média do mercado de trabalho, o emprego formal de jovens na faixa etária selecionada pelo Programa, em 2018, representava 30,6% do total de vínculos no ano e 34,2% dos vínculos celetistas.

Isso quer dizer que os jovens têm elevado peso no emprego formal atualmente. Pode-se questionar se uma política voltada apenas este segmento populacional, de fato, vai alterar o grave problema de desemprego e subutilização vivido por todas as camadas da população.

O movimento sindical tem defendido propostas que consideram a diversidade do mercado de trabalho, sem, com isso, precarizar as condições de trabalho. Continua sendo necessária e urgente a adoção de medidas que efetivamente gerem crescimento econômico pela ampliação do poder de compra dos trabalhadores. Entre essas iniciativas estão o aumento do salário mínimo e a ampliação dos benefícios sociais, além da revogação das medidas deletérias da Reforma Trabalhista de 2017 e a rejeição da MP 905/2019.

A lógica da reforma administrativa do governo Bolsonaro

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“A julgar pelas declarações e ações do atual governo, a reforma administrativa será a bola da vez, ou seja, o servidor e o serviço público serão escolhidos como a variável do ajuste. Aliás, o aumento de alíquotas e a progressividade da contribuição previdenciária, combinados com a contribuição extraordinária e o fim dos reajustes, já são sinais mais que suficientes do período de dificuldades que se avizinha para o funcionalismo público. É a tempestade perfeita pela combinação da crise fiscal, do congelamento de gasto público determinado pela EC 95/2016 e do preconceito governamental para com o serviço e o servidor público”

Antônio Augusto de Queiroz*

Tendo como pano de fundo a crise econômica e financeira do Estado brasileiro e também invocando a necessidade de racionalização da força de trabalho do Poder Executivo federal, o governo Bolsonaro pretende promover ampla reforma administrativa, com medidas voltadas para a descentralização, a redução do gasto governamental e a revisão do tamanho e do papel do Estado.

O novo desempenho ou a reestruturação da Administração Pública, que incluiria medidas constitucionais e infraconstitucionais, algumas das quais já em tramitação no Congresso Nacional, deve focar na automação e digitalização dos serviços públicos e na redução de custos com estrutura e pessoal. O trabalho está sendo formulado e coordenado pela Secretaria Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital, do Ministério da Economia, que tem sob sua subordinação a Secretaria de Gestão e Desempenho de Pessoal.

A ideia geral, dentro da lógica do ajuste fiscal, consistiria:
1) no enxugamento máximo das estruturas e do gasto com servidores, com extinção de órgãos, entidades, carreiras e cargos;
2) na redução do quadro de pessoal, evitando a contratação via cargo público efetivo;
3) na redução de jornada com redução de salário;
4) na instituição de um carreirão horizontal e transversal, com mobilidade plena dos servidores;
5) na adoção de critérios de avaliação para efeito de dispensa por insuficiência de desempenho;
6) na ampliação da contratação temporária; e
7) na autorização para a União criar fundações privadas, organizações sociais e serviço social autônomo – cujos empregados são contratados pela CLT –para, mediante delegação legislativa, contrato de gestão ou mesmo convênio, prestar serviço ao Estado, especialmente nas áreas de Seguridade (Saúde, Previdência e Assistência Social), Educação,Cultura e Desporto, Ciência e Tecnologia, Meio Ambiente, Turismo e Comunicação Social, entre outros.

Além da redução das estruturas e de pessoal, bem como da adoção dessas novas modalidades de contratação, algo que iria absorver as atividades dos órgãos, das entidades e de carreiras extintos, o governo também pretende:
1) intensificar a descentralização, mediante a transferência de atribuições e responsabilidades para estados e municípios;
2) criar programas de automação e digitalização de serviços, especialmente no campo da seguridade social;
3) terceirizar vários outros serviços públicos, inclusive na atividade-fim, como previsto na Lei 13.429/2017; e
4) regulamentar, de modo restritivo o direito de greve do servidor público.

Esse novo desenho, na verdade, já vinha sendo implementado, ainda que de forma tímida, porque burlava o princípio do Regime Jurídico Único. A temática vem sendo abordada desde os governos Fernando Collor, que criou o serviço social autônomo Associação das Pioneiras Sociais (APS); Fernando Henrique, que qualificou como Organização Social a Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto, passando pelos governos Lula, que criou, como serviço social autônomo, a Agência de Promoção de Exportações (APEX); e a Associação Brasileira de
Desenvolvimento Industrial (ABDI); e Dilma, que enviou ao Congresso o Projeto de Lei Complementar (PLP) 92/2007 autorizando a criação de fundações estatais de direito público ou privado para o exercício de atividades não-exclusivas de Estado, criou novas organizações sociais, entre elas a EMBRAPII, criou o serviço social autônomo Agência Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural – ANATER e enviou ao Congresso proposta de criação de outros dois (Agência de Desenvolvimento do Matopiba e do Instituto Nacional de Saúde Indígena), até chegar ao
governo Michel Temer, que retomou com força as privatizações por meio do Programa de Parcerias e Investimentos, propôs a criação da Agência Brasileira de Museus e apoiava o Projeto de Lei 10.720/2018, do senador José Serra (PSDB-SP), atualmente em tramitação na Câmara dos Deputados, que escancara a qualificação de entidades como organizações sociais, habilitadas a prestar serviço ao Estado em diversas áreas.

Entretanto, no governo Bolsonaro, o que era exceção, tende a virar regra. Além da elaboração de Emenda à Constituição, de Medida Provisória, de Projeto de Lei e Decretos do Poder Executivo, o plano governamental é aproveitar alguns projetos em tramitação no Congresso para acelerar a implementação da reforma administrativa. Entre estes, o governo deve apoiar a aprovação dos projetos de Lei Complementar nº 248/1998, em fase final de tramitação na Câmara, e o PLP nº116/2017, da senadora Maria do Carmo (DEM-SE), em regime de urgência no Senado, que tratam da quebra da estabilidade no serviço público; do PLP nº 92/2007, do governo Dilma, que autoriza a criação de fundações estatais; o PL 10.720/2018, do senador José Serra (PSDB-SP), que prevê novas formas de contrato de gestão, por intermédio de organizações sociais; e do PLP nº 268/2016, do ex-senador Valdir Raupp (MDB-RO), que reduz a participação dos segurados e assistidos na governança dos fundos de pensão.

Dentro dessa nova lógica, o governo Bolsonaro já anunciou o fim dos concursos públicos e dos reajustes salariais, propôs dura reforma da previdência, que retira direito de segurados, aposentados e pensionistas, e também editou a MP 890/2019, que autoriza o Poder Executivo a instituir serviço social autônomo denominado Agência para o Desenvolvimento da Atenção Primária à Saúde – Adaps, que será responsável pela execução do Programa Médicos pelo Brasil.

O programa Future-se, anunciado pelo Ministério da Educação, também será criado e administrado por meio da constituição de serviço social autônomo. No Distrito Federal, ainda no governo Rollemberg, o Hospital de Base de Brasília, um dos principais da cidade, foi transformado em 2017 em serviço social autônomo, responsável pela prestação de assistência médica à população e de atividades de ensino, pesquisa e gestão no campo da saúde, com o beneplácito do Tribunal de Justiça do DF, que considerou constitucional a medida. Trata-se, porém, de entidades regidas pelo direito privado, que não integram a administração e não se submetem aos regramentos gerais do Serviço Público, com pessoal contratado pela CLT e sem a necessidade de concurso público, mas apenas processo seletivo.

A visão do governo sobre os servidores e o Serviço Público é a pior possível. Os primeiros são vistos pelo governo como “parasitas”, que ganham muito e trabalham pouco, além de serem aliados e estarem a serviço da esquerda. O segundo é associado à ineficiência e à corrupção. Na lógica do atual governo, ressuscitando teses caras ao neoliberalismo e à “Nova Gerência Pública”, adotada por FHC em 1995, e que foram implementadas à larga pelos governos tucanos em todo o Brasil, adquirir bens e serviços no setor privado é mais eficiente e mais barato que produzir diretamente pelo Estado. Por isso, esse preconceito e investida sobre os serviços públicos.

A julgar pelas declarações e ações do atual governo, a reforma administrativa será a bola da vez, ou seja, o servidor e o serviço público serão escolhidos como a variável do ajuste. Aliás, o aumento de alíquotas e a progressividade da contribuição previdenciária, combinados com a contribuição extraordinária e o fim dos reajustes, já são sinais mais que suficientes do período de dificuldades que se avizinha para o funcionalismo público. É a tempestade perfeita pela combinação da crise fiscal, do congelamento de gasto público determinado pela EC 95/2016 e do preconceito governamental para com o serviço e o servidor público.

*Antônio Augusto de Queiroz – Jornalista, analista e consultor político, diretor de Documentação licenciado do Diap, sócio-diretor das empresas Queiroz Assessoria em Relações Institucionais e Governamentais e Diálogo Institucional Assessoria e Análise de Políticas Públicas.

As perspectivas do “terceiro turno”, quanto à previdência e ao funcionalismo

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“O Estado brasileiro é paquidérmico, corporativo, ineficiente e caro. A reforma da previdência é essencial, pois o déficit em 2017 foi de R$ 268,8 bilhões. A previdência privada (rural e urbana) tem quase 30 milhões de aposentados e déficit de R$ 182,4 bilhões. O setor público (civil e militar) tem déficit de R$ 86,4 bilhões para apenas um milhão de aposentados”

Gil Castello Branco*

As campanhas eleitorais, infelizmente, tiveram a profundidade de um lava-pé. A questão crucial seria esmiuçar e detalhar as propostas a partir da grave crise fiscal, o que não ocorreu. Sem o reequilíbrio das contas públicas é impossível cogitar-se o aumento dos investimentos em saúde, educação, segurança pública, transportes etc. Sem o reequilíbrio das contas públicas, o país irá se tornar ingovernável e a administração pública entrará em colapso.

Para 2019, o déficit previsto é de R$ 139 bilhões. As despesas obrigatórias continuam crescendo e o cumprimento da regra do teto de gastos em 2019 exigirá a redução ainda maior das despesas discricionárias que chegarão a um montante pouco superior a R$ 100 bilhões. Vale lembrar que em 2017, quando o gasto discricionário se aproximou de R$ 102 bilhões, houve a paralisação de atividades do governo, como a emissão de passaportes e a redução das fiscalizações ambientais. As despesas com pessoal e previdência social enquadram-se nesse contexto.

O Estado brasileiro é paquidérmico, corporativo, ineficiente e caro. A reforma da previdência é essencial, pois o déficit em 2017 foi de R$ 268,8 bilhões. A previdência privada (rural e urbana) tem quase 30 milhões de aposentados e déficit de R$ 182,4 bilhões. O setor público (civil e militar) tem déficit de R$ 86,4 bilhões para apenas um milhão de aposentados. Há duas questões fundamentais.

A primeira é a desigualdade. Alguns se aposentam com pouco mais de 50 anos de idade, recebendo cerca de R$ 30.000,00/mês, acumulando pensão e aposentadoria, enquanto outros recebem um salário mínimo de benefício. A reforma precisa atingir a todos, incluindo o setor privado (urbano e rural) e os funcionários públicos, entre os quais os militares e os servidores beneficiados pelo Fundo Constitucional do Distrito Federal.

O segundo problema é a sustentabilidade. O país está envelhecendo e gasta-se de 13% a 14% do PIB com a previdência, percentuais semelhantes ao da Alemanha onde a população já envelheceu. Qualquer discussão séria das categorias profissionais com o Executivo, Legislativo ou Judiciário deve partir desse cenário de desequilíbrio.

Em relação ao funcionalismo e especificamente às despesas com pessoal, será necessário, na minha opinião, reformar a atual estrutura de cargos e salários nos Três Poderes e no Ministério Público. Na década de 50, Getúlio Vargas criou uma Comissão que viajou pelo mundo para incorporar o “fordismo” à administração pública. Daí surgiu o DASP.

Posteriormente, tivemos lampejos de reformas com Hélio Beltrão (contra a burocracia) e Bresser Pereira, que comandou o Ministério da Administração e Reforma do Estado. A meu ver, um dos erros de Bresser Pereira foi alocar a área de pessoal e logística na Pasta do Planejamento. O orçamento por sua relevância ofusca as atividades de reforma do Estado. Muitos nem sabem que existe uma área de pessoal e logística no Planejamento.

Enfim, nas últimas décadas a “Reforma do Estado” foi realizada, sempre, sob a ótica financeira, com base nos verbos “aumentar” e “cortar”, sem qualquer racionalidade, o que deformou a estrutura administrativa. A crise atual nos dará a oportunidade de repensar e reestruturar o Estado. Em algum momento – que não deve ser agora, em função da divisão política do País – terá que ser discutida, inclusive, a estabilidade. Já temos avançado no que diz respeito ao mérito e à produtividade, mas ainda de forma insipiente.

Considerando que a despesa com pessoal consome cerca de 14% do PIB, se os aumentos salariais continuarem a ser concedidos com base no poder de pressão das categorias, com a conivência das autoridades e dos parlamentares, iremos viver o caos. Enquanto os servidores privados procuram manter os seus empregos a qualquer preço para não ingressarem no contingente de aproximadamente 13 milhões de desempregados, os servidores públicos, inclusive os ministros do Supremo Tribunal Federal, reivindicam aumentos alegando que pleiteiam apenas a recomposição dos seus salários.

A correção dos salários pela inflação seria justa se beneficiasse a todos os trabalhadores brasileiros. No entanto, a correção só tem ocorrido para os servidores públicos, o que a torna injusta socialmente. Conforme estudo recente do Banco Mundial, os salários dos servidores públicos são em média 96% mais altos no nível federal e 36% mais altos no nível estadual quando comparados aos do setor privado.

Nesta segunda-feira (29/10) começou o “terceiro turno” das eleições. O problema central não é a ausência de um diagnóstico, mas sim a falta de ambiente político para que as medidas necessárias sejam implementadas. A divisão do País e o clima político exacerbado geram um Fla x Flu a cada debate essencial. Para os governistas, tudo deve ser aprovado; para os
oposicionistas, tudo deve ser reprovado. O consenso é quase impossível.

A discussão das reformas envolve a redução de privilégios e não é popular. No Brasil atual, privilégio é uma vantagem que os outros usufruem. Nos casos pessoais são sempre direitos adquiridos…

*Gil Castello Branco – Secretário-geral da Associação Contas Abertas

Reforma Tributária Solidária aponta solução para crise fiscal nesta quarta-feira na Câmara dos Deputados

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Documento-síntese traz proposta que reúne simulações econômicas com impacto financeiro de sugestões de mudanças no sistema tributário sem aumento de impostos

Nem o aumento, nem a diminuição de impostos são a solução para a crise fiscal e para a redução da desigualdade social no Brasil, mas sim a forma como os tributos são cobrados. Esta é a máxima que guia as propostas de mudanças no sistema tributário, que serão lançadas na próxima quarta-feira (17), no Auditório Freitas Nobre da Câmara dos Deputados, às 17h, pelo movimento Reforma Tributária Solidária. O documento traz uma série de simulações de renomados professores universitários, doutores e técnicos.

O movimento Reforma Tributária Solidária: menos Desigualdade, mais Brasil é encabeçado pela Fenafisco e Anfip e tem o apoio do Conselho Federal de Economia (Cofecon), do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), da Fundação Friedrich-Ebert-Stiftung Brasil (FES), do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), do Instituto de Justiça Fiscal (IJF) e da Oxfam Brasil.

Serviço

O quê: Lançamento do documento-síntese com propostas da Reforma Tributária Solidária

Quanto: Quarta-feira (17), às 17h

Onde: Auditório Freitas Nobre da Câmara dos Deputados, Brasília

Decisão contra honorários de sucumbência acirra discórdia entre advogados e juízes

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O Conselho Curador dos Honorários Advocatícios (CCHA) informou a “verba é originalmente privada, portanto, não integra o orçamento federal, ao contrário de outras carreiras que recebem, por decisão administrativa ou judicial (liminar), valores de auxílio-moradia para morar em residência própria, diárias exorbitantes, passagens de primeira classe, auxílios creche, saúde e alimentação, além de vantagens às vezes indevidas ou desproporcionais que são combatidas judicialmente pela AGU”

A discórdia entre magistrados e procuradores da República contra as demais carreiras de Estado ganhou mais um reforço com a decisão do juiz federal Bernardo Lima Vasconcelos Carneiro, de Limoeiro do Norte (CE), na semana passada. Ele considerou inconstitucional o dispositivo do Código de Processo Civil (CPC/15) que autoriza o pagamento de honorários de sucumbência (desembolsado pela parte que perde a causa) aos advogados públicos federais. O benefício, segundo Carneiro, viola o teto remuneratório, além de criar conflito de interesses entre o particular e o público e enriquecimento sem causa.

Na análise dos profissionais da Advocacia-Geral da União (AGU), órgão do Poder Executivo – que por diversas vezes emitiram relatórios condenando o auxílio-moradia e outros penduricalhos -, trata-se de uma “retaliação sem fundamentação técnica”. Isso porque magistrados e procuradores de todo o país estão em campanha salarial e um dos argumentos para a valorização das carreiras é “recomposição do poder aquisitivo”.

No estudo que aponta “severa corrosão inflacionária” (superior a 46%), os magistrados garantem que suas remunerações (R$ 27,500 mil mensais) estarão, em 2019, abaixo da de consultor e advogado do Senado (R$ 35,144 mil) e de advogados federais (R$ 27,303 mil mais R$ 6,032 mil, no total de R$ 33,335 mil), entre outras. O que os juízes não revelaram nas comparações é que embolsam auxílio-moradia de R$ 4,3 mil mensais, sem tributação alguma, entre outras benesses.

De 2014 para cá, o impacto nos cofres públicos da moradia foi de R$ 5,4 bilhões, de acordo com levantamento da Associação Contas Abertas. “O que está em jogo é o tratamento igualitário”, defendeu Guilherme Feliciano, presidente da Associação Nacional dos Magistrados do Trabalho (Anamatra). “Categorias de extrema importância, mas que não têm responsabilidade individual equivalente, estão ganhando mais. O pessoal da AGU, por exemplo”, reforçou José Robalinho Cavalcanti, presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR).

Peso dos honorários

O benefício foi criado em 2015 e regulamentado em 2016. De janeiro a outubro de 2017, segundo informou o Ministério do Planejamento, o valor total pago de honorários chegou próximo a R$ 481,227 milhões. A conta será inflada, quando incluídos os últimos meses do ano. A prova é que a quantia individual subiu gradativamente. Em janeiro, os ativos recebiam R$ 3,744 brutos, sem desconto de Imposto de Renda. No mês seguinte, R$ 4,200. Em março, novo salto para R$ 4,794. Caiu um pouco em maio, para R$ 4,070.

Mas o montante pessoal dos honorários se recuperou em junho, indo para R$ 4,950. Voltou a oscilar em julho e agosto, R$ 4,835, R$ 4,620, respectivamente). Em setembro, ficou em R$ 5,898. Em outubro, R$ 6.032. E em novembro, R$ 6,119. Segundo pesquisa no portal da transparência, o extra nos subsídios dos advogados federais deu um salto para R$ 8.511, em dezembro de 2017. As carreiras jurídicas do Poder Executivo que recebem os honorários são advogado da União, procurador da Fazenda Nacional, procurador federal e procurador do Banco Central do Brasil.

Por meio de nota, o Conselho Curador dos Honorários Advocatícios (CCHA) informou a “verba é originalmente privada, portanto, não integra o orçamento federal”. Atualmente, 12.555 profissionais recebem, entre ativos e inativos. “Merece registro, ainda, que a consagração do direito ao recebimento atende aos básicos princípios da meritocracia na medida em que premia aqueles que efetivamente trazem benefício econômico ao Estado, ajudando, de fato, a contornar a atual crise fiscal”, aponta a nota do CCHA.

O Conselho também faz uma provocação. Alerta que a remuneração variável está fundamentada em diversas leis, “ao contrário de outras carreiras que recebem, por decisão administrativa ou judicial (liminar), valores de auxílio-moradia para morar em residência própria, diárias exorbitantes, passagens de primeira classe, auxílios creche, saúde e alimentação, além de vantagens às vezes indevidas ou desproporcionais que são combatidas judicialmente pela AGU”.

“Como o auxílio-moradia está na pauta, os juízes quiseram colocar os honorários no mesmo bolo. Enfim, essa é uma decisão de primeira instância, com pouca repercussão”, criticou Marcelino Rodrigues, presidente da Associação Nacional dos Advogados Federais (Anafe). Ele estranhou a observação juiz Bernardo Lima Vasconcelos Carneiro, de que o “cenário é esdrúxulo”. Os advogados vivem “no melhor dos mundos”: em caso de vitória, recebem, já na derrota, o pagamento fica a cargo exclusivamente do erário. “É um absurdo um juiz colocar isso em uma sentença. Os honorários não existem em caso de perda. O fato de antes a União não ter pago era considerado apropriação indébita”, destacou Rodrigues.