Movimento negro está de olho em Sérgio Camargo

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Lideranças negras afirmam que o presidente da Fundação Palmares não está interessado no combate ao racismo. Ele quer destruir o órgão. É uma peça no tabuleiro do governo usada para “destruir a identidade de um povo e todas as conquistas na Constituição”

VERA BATISTA

AUGUSTO FERNANDES

Representantes do movimento negro, com tradição de luta contra o racismo e a discriminação, não querem o retorno de Sérgio do Nascimento Camargo, indicado pelo presidente Jair Bolsonaro, à presidência da Fundação Cultural Palmares. E prometem reagir. A Educação e Cidadania de Afrodescendentes e Carentes (Educafro) pretende recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) contra a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que o reconduziu. “Vamos apontar cada ação que vá contra a essência do cargo. Alguém que assume a função de defender o povo negro não pode agir contra ele, assim como não faz sentido a existência de um médico que não tenha como princípio salvar o paciente”, explica Frei David Santos, diretor-presidente da Educafro.

Desde o final do ano passado, quando Camargo foi nomeado, ficou patente, diz Santos, que Bolsonaro e a maioria da equipe dele “têm uma tremenda dificuldade em aceitar o crescimento da consciência e dos direitos do povo negro”. Parte dos votos que colocaram Bolsonaro no poder vem de negros despreparados, ressalta. “Tenho pena de Sérgio Camargo. Não percebe que está sendo usado contra anos de luta e enfrentamento. Ele talvez não seja o maior dos problemas. O problema está no time de frente do governo que escolheu pessoas com esse perfil”, destaca. Para Maria Sylvia Oliveira, presidente da Galedès – Instituto da Mulher Negra, está clara a intenção de acabar com a Fundação. “Quando se desmonta um patrimônio cultural como esse, se está destruindo a identidade de um povo e todas as conquistas que tivemos na Constituição de 1988. Ou ele sai de lá rápido, ou vamos precisar de mais 132 anos para desfazermos todos os estragos”, lamenta Maria Sylvia.

Demissões

O gesto de Sérgio Camargo ao demitir funcionários da Palmares por telefone, na quarta-feira, foi avaliado como mais uma afronta à população negra do país. Marivaldo Pereira, do Círculo Palmarino, afirma que a atitude “reforça a impossibilidade de ele ocupar o cargo”. “Desde sua chegada, tem praticado todos os atos possíveis para atentar contra a instituição. Ele não quer uma fundação para o combate ao racismo nem que preze pelas políticas raciais de igualdade. Isso é muito grave. Vivemos em uma sociedade com uma raiz escravocrata. O Sérgio se esquece de toda a história de sofrimento, de ataque e de massacre a uma população sequestrada para ser explorada. É uma contradição insuperável”, criticou Pereira.

Ele ainda lamentou que, devido ao comportamento de Camargo, o país não conta com mais nenhum órgão capaz de atuar em políticas de igualdade racial. “Os dois principais órgãos federais foram dizimados. A Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir) já havia desaparecido dentro do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Agora, na Palmares, temos um presidente que quer sabotar a fundação. É uma lógica que tem se repetido em todo o governo federal: a de servir à elite e massacrar as populações historicamente excluídas”, acrescenta. Os ativistas prometem acompanhar a conduta à frente da Palmares e adotar medidas urgentes caso ele provoque uma desconfiguração da instituição cultural.

Presidente da Aliança de Negras e Negros Evangélicos do Brasil, a pastora Waldicéia de Moraes frisou que “mesmo diante de todo esse cenário estarrecedor para a população negra, não podemos abrir mão dos instrumentos conquistados pelos nossos antepassados após muita luta”. Segundo ela, já ficou claro que a atitude de Camargo faz parte de um projeto de poder do governo Bolsonaro. “Tem como objetivo simplesmente destruir todas as políticas públicas de igualdade racial pelas quais lutamos a vida toda e impedir que as pessoas em vulnerabilidade social neste país continuem ascendendo socialmente”, afirma.

A nomeação de Sérgio Camargo à presidência da Palmares foi autorizada após decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), há duas semanas. O órgão acatou um recurso da Advocacia-Geral da União (AGU) e derrubou a liminar do Tribunal Federal Regional da 5ª Região (TRF-5) que o impedia de assumir o cargo. A Defensoria Pública da União (DPU), que protocolou uma ação civil pública de organizações do movimento social negro contra a nomeação de Sérgio, já recorreu da decisão, mas não há previsão de quando a Corte Especial do STJ levará o pedido a plenário. Até a hora do fechamento, a Fundação Palmares não deu retorno.

“Juiz tem que ser absolutamente imparcial”, diz o ministro Dias Toffoli

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O ministro Dias Toffoli, presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF), disse que a magistratura deve ser absolutamente imparcial e “não pode se envolver, principalmente nos momentos atuais”. A declaração ocorreu durante a 280ª Sessão Ordinária do CNJ, nesta terça-feira, no julgamento de um procedimento de controle administrativo que envolveu um conflito entre a Corregedoria do Tribunal de Justiça de Goiás (TJ-GO) e um magistrado de Piracanjuba (GO)

“Gostaria de registrar que nós temos 16 mil juízes no Brasil. Nós temos que ter a magistratura que seja absolutamente imparcial e que seja a magistratura que saiba receber as petições, as contestações, as respostas, ouvindo as partes, os seus representantes, os seus advogados, o Ministério Público e decidir”, disse o ministro Dias Toffoli. Ressaltou que, embora o caso debatido pelos conselheiros se referisse especificamente a atividade de um juiz na cidade de Piracanjuba, a partir do momento em que é discutida no âmbito do CNJ passa a ter reflexos nacionais. “Temos que ter essa preocupação, do reflexo nacional, por mais bem-intencionado e correto, por mais que talvez aquela pessoa sofra vendo injustiças na cidade dela e queira resolver. Mas a magistratura tem que ser imparcial, não pode se envolver, principalmente nos momentos atuais que vivemos”, disse.

O ministro Dias Toffoli comunicou, durante a sessão, que completa no dia de hoje (23/10) nove anos de magistratura. “E há nove anos parei de ter desejos, um juiz não pode tê-los. Quando eu quiser realizar os meus tenho que deixar a magistratura. Para ser imparcial, impessoal e de acordo com a Constituição Federal, tem que ter consciência que a magistratura é incompatível com desejos. O juiz é um eunuco”, disse.

O Corregedor-Nacional de Justiça, ministro Humberto Martins, pediu a palavra para responder ao ministro Dias Toffoli: “parabenizo vossa excelência pelos nove anos, pela independência, coragem e por estar desenvolvendo trabalho muito ativo com muita transparência e determinação nas causas que envolvem o CNJ e o STF”, disse o ministro Humberto Martins.

Anjos do Futuro
O caso julgado pelo CNJ teve origem na cidade de Piracanjuba, quando o juiz Gabriel Consigliero Lessa, titular do Juizado Especial Cível e Criminal, instituiu, por meio de uma portaria, um programa denominado Anjos do Futuro. Entre as ações do programa, estavam a realização de campanhas do agasalho e palestras para prevenção da gravidez e do suicídio na adolescência, e combate ao uso de drogas.

A Corregedoria Geral de Justiça do Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO), no entanto, suspendeu a portaria por entender que o juiz teria usurpado a competência da Vara de Infância e Juventude, e abriu uma sindicância para investigar a conduta do magistrado. No CNJ, o juiz pleiteou o arquivamento da sindicância e o restabelecimento da portaria que instituiu o programa Anjos do Futuro.

A maioria dos conselheiros, no entanto, decidiu por negar provimento ao pedido, sob entendimento de que o CNJ deve zelar pela autonomia administrativa dos tribunais. “A intervenção do CNJ em processos disciplinares de origem deve se limitar a flagrante presença de vícios insanáveis”, disse o conselheiro e relator Henrique Ávila.

Quatro conselheiros – a conselheira Daldice Santana e os conselheiros Aloysio Corrêa da Veiga, Luciano Frota e Arnaldo Hossepian – apresentaram voto em sentido contrário e ficaram vencidos. “Defendo que o juiz seja não apenas de gabinete, mas de caso concreto, que vá além do processo. O juiz que se propõe a oferecer há de ser aplaudido porque está se colocando na linha de frente para cuidar de questão de cidadania”, disse a conselheira Daldice Santana.