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A contaminação das cervejas da marca Backer com as substâncias dietilenoglicol e monoetilenoglicol – 19 vítimas, entre elas quatro morreram – é mais um indício de que o “apagão” nos órgãos públicos não se restringe ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS)
“Um dos motivos, no caso da cervejaria de Minas Gerais, é a ausência de fiscalização nos produtos de consumo humano e nos insumos. Os auditores têm que acompanhar a fabricação. A fiscalização está em frangalhos. Demos avisos sucessivos a vários ministros que passaram pelo Ministério da Agricultura. Em situações como essa, quem se prejudica é o cidadão que acaba perdendo a vida”, afirma Maurício Porto, presidente do Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais Federais Agropecuários (Anffa). Mas o número de técnicos diminuiu quase pela metade nas últimas duas décadas. Sem profissionais disponíveis, empresas produtoras de vacinas veterinárias, por exemplo, podem ficar até 20 anos sem fiscalização, nos cálculos da entidade.
O auditor Antônio Andrade, diretor de Política Profissional, destaca que no Estado de Minas Gerais, há apenas nove auditores agropecuários, responsáveis por 994 empresas de bebidas e por todos os outros produtos de origem vegetal, como azeite, arroz, feijão, entre outros. Com base em estudos do Tribunal de Contas da União (TCU), diz Andrade, em 2017, houve apenas 2.224 fiscalizações nos cerca de 6,6 mil estabelecimentos regionais. “Pela drástica redução de pessoal, cada fiscal vai a uma empresa de 4 em 4 anos. O que o Ministério da Agricultura consegue é somente fazer análise de risco. Vale lembar que, nesses 20 anos, o valor bruto do agronegócio triplicou de R$ 231 bilhões para R$ 603 bilhões. Já o número de auditores despencou no país”. Mas o mercado não parou de crescer. Em 2015, oito novas fábricas de bebidas eram registradas por mês, em média. Em 2019, o número subiu para 45, destaca ele.
Estudo do Fórum Nacional das Carreira de Estado (Fonacate) aponta que a situação piora a cada dia. A Controladoria-Geral da União (CGU) atua com um quadro funcional 61,5% abaixo da lotação ideal. No Banco Central, a defasagem de pessoal é de 43,9%, e no Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), de 65%. “Nota-se, ainda, patamares alarmantes nos cargos de auditor-fiscal do Trabalho (59,2%), perito federal agrário (61,7%), auditor-fiscal federal agropecuário (39,4%) e carência de 40% de pessoal na Defensoria Pública Federal. Realidade que deve se agravar nos próximos anos, tendo em vista o anúncio de que não haverá novos concursos”, informa o Fonacate.
Falta gente
O avanço da tecnologia não supre totalmente a falta de seres humanos. “O Brasil é gigante, com imensas áreas devolutas sem titularidade. A tecnologia é uma aliada, mas quem atribui o valor da terra (se é ou não produtiva) é um perito. A tecnologia pode ver o espaço, mas quem faz a interpretação é um técnico. Quando não tem fiscalização, abre-se espaço para a grilagem”, explica João Daldegan, presidente do Sindicato Nacional dos Peritos Federais Agrários (SindPFA). No Banco Central não é diferente. A dotação legal exige 6.470 servidores. O quadro efetivo tem 3.630 funcionários (-56,1%) e 2.840 cargos vagos (-43,9%). “Nos últimos 10 anos (2009-2019), considerando todas as entradas e saídas, tivemos um decréscimo de 1.388 servidores (27,7%)”, assinala Paulo Lino, presidente do Sindicato Nacional da categoria (Sinal).
“Se por um lado, o avanço tecnológico substituiu determinadas tarefas, por outro, a própria inovação trouxe diferentes formas de trabalho que exigem acompanhamento e fiscalização”, lembra Lino. Da mesma forma, Rudinei Marques, presidente do Fonacate, reforça que, nem todas as áreas de atuação do Estado são próprias à solução digital. “O combate à corrupção não pode ser totalmente virtual. O auditor tem que ir a campo para saber, por exemplo, se aquela escola foi construída, se o equipamento foi comprado, se a cirurgia foi feita. É preciso que esses dados sejam averiguados. Não é possível fazer tudo isso pelo computador”, complementa Marques.