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O Sinprofaz garante que deseja auxiliar o país no resgate da “higidez orçamentária”. Para tal, é preciso que o futuro governo não faça indicações para o procurador-geral da República fora dos quadros técnicos da carreira.
“Ora, da mesma maneira que um paciente não escolheria um cardiologista para realizar uma complexa cirurgia neurológica ou uma companhia aérea não selecionaria um piloto de avião com base em seus dotes de ciclista, não há de se escolher alguém desconhecedor dos meandros da atuação da Procuradoria da Fazenda Nacional para geri-la, ainda que, eventualmente, detenha essa pessoa considerável respaldo político ou, até mesmo, conhecimento técnico em área totalmente estranha às atribuições fazendárias”, aponta a nota.
Veja a nota na íntegra:
“O Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional (Sinprofaz), considerando as últimas notícias publicadas pela imprensa nacional, vem expor os seguintes pontos:
A Procuradoria da Fazenda Nacional é órgão de direção superior da Advocacia-Geral da União, também vinculado administrativamente ao Ministro da Fazenda. Suas funções situam-se entre as mais complexas e especializadas em nossa República: representação e orientação do país em matéria fiscal. Destarte, encontram-se sob a responsabilidade da PFN: os créditos internos e externos contraídos; a assessoria jurídica do Ministério da Fazenda; a análise de contratos e garantias dadas pela União; a gestão e controle da Dívida Ativa da União, com combate à sonegação fiscal e a lavagem de dinheiro; a orientação jurídica do Tesouro Nacional; e a viabilização da recuperação fiscal do país, inclusive no que tange à reforma da previdência.
Considerando esse espectro de atribuições, a Procuradoria da Fazenda Nacional exige uma expertise ímpar, calcada no exercício pleno de uma Advocacia de Estado, situando o órgão dentre aqueles mais técnicos do Executivo Federal. Esses pormenores repelem indicações políticas para o cargo de Procurador-Geral da Fazenda Nacional, atraindo escolhas dentre os integrantes da PFN.
Os resultados alcançados pela Instituição refletem o acerto dessa metodologia seletiva técnica. Nos últimos três anos, a PGFN implementou o novo modelo de cobrança e o rating da dívida, alavancando a arrecadação de recursos em mais de 100%, dobrando resultados anteriores. Inovou em gestão da informação e no uso da tecnologia. Somente no ano de 2017 (www.pgfn.fazenda.gov.br/acesso-a-informacao/institucional/pgfn-em-numeros-2014/pgfn_em_numeros_final_2_web.pdf/view), foram aproximadamente R$ 450 bilhões em ganhos diretos (cobrança da dívida ativa) e indiretos (atuação administrativa e judicial), montante já superado em 2018.
Destarte, diferentemente do que vem sendo veiculado em algumas reportagens, os membros da Procuradoria da Fazenda Nacional, representados pelo Sinprofaz, não almejam “prejudicar” ou “boicotar” qualquer governo ou ministério. Muito pelo contrário, desejam contribuir com ganhos ainda mais robustos, auxiliando o país no resgate da higidez orçamentária, objetivo que trará benefícios para toda a sociedade. Justamente por isso, os integrantes da instituição posicionam-se firmemente contra indicações alheias aos quadros técnicos da carreira, considerando que tal postura tende a romper com o virtuoso ciclo de resultados verificado no órgão, podendo impactar, inclusive, no combate à sonegação fiscal, aos grandes devedores tributários e à lavagem de dinheiro.
Ora, da mesma maneira que um paciente não escolheria um cardiologista para realizar uma complexa cirurgia neurológica ou uma companhia aérea não selecionaria um piloto de avião com base em seus dotes de ciclista, não há de se escolher alguém desconhecedor dos meandros da atuação da Procuradoria da Fazenda Nacional para geri-la, ainda que, eventualmente, detenha essa pessoa considerável respaldo político ou, até mesmo, conhecimento técnico em área totalmente estranha às atribuições fazendárias.
Expostos esses pontos, ciente da relevância do cargo de Procurador-Geral da Fazenda Nacional, o Sinprofaz aguarda a indicação de seu titular com base em critérios técnicos e levando em consideração o profundo conhecimento da Instituição.”
Marcio El Kalay*
Assinam-se acordos de leniência e delações premiadas, onde são feitas confissões sobre o envolvimento em crimes e práticas de corrupção. Os termos do acordo podem ser mais ou menos contundentes e estarem ou não alinhados com os seus valores. Seja como for, boicotar a compra de produtos ou serviços da empresa corrupta é, eticamente, o que parece ser a melhor opção. Mas isso é legítimo? É legal, autêntico e fundado na razão?
Legalmente, não se trata de tatuar a testa do ladrão. Deixar de comprar algo de alguém não significa “fazer justiça com as próprias mãos”, mas é uma simples decisão que só cabe a você. Porém, ao revelar publicamente a sua opção pelo boicote ou ao fazer campanha por ele, você pode alcançar resultados que vão além dos esperados.
Para explicar, proponho um exercício. Suponhamos que você não veja valor no acordo firmado. Entende que as informações obtidas não são moeda de troca capaz de livrar os administradores da empresa corrupta de um processo criminal. Sendo assim, para que o corrupto seja penalizado pelo menos nos seus negócios, você adere ao boicote e promove um vídeo viral na Internet pedindo que todos façam o mesmo. Com isso, você perde o controle das consequências da sua ação, mas não se pode dizer que o boicote é ilegítimo.
Ainda em juízo de suposição, é possível que empresas venham a aderir à causa, umas por marketing, outras de fato por acreditarem num mercado mais transparente e, ainda, algumas para simplesmente empurrar a concorrente em direção à falência. Aliás, mesmo sem aderir ao boicote, por opção ou, quem sabe, por operar de modo similar, estas concorrentes certamente agradecem o resultante incremento nas vendas.
Havendo falência, considere a alta dos preços em razão da diminuição da oferta, alguns milhares de empregados honestos demitidos, perda de arrecadação, perda de captação de recursos no exterior, o incremento da crise, e nem mesmo aqui é possível atestar a ilegitimidade do boicote.
Como não há somente reflexos negativos, a longo prazo é razoável dizer que pode ocorrer algo similar ao que, em direito penal, é tratado por caráter preventivo geral da pena. Isto é, o boicote pode demonstrar ao mercado uma certa capacidade de autorregulação, onde empresas corruptas são naturalmente rejeitadas por consumidores conscientes.
Portanto, a legitimidade do ato de boicotar não deixa dúvidas no âmbito da legalidade, já que não comprar é juridicamente viável; nem no âmbito da autenticidade, quando se trata de uma ação verdadeira, sem interesses escusos.
Assim é que a solução do dilema reside numa terceira acepção: em se encontrar fundamento racional na decisão. Por isso, considerar os reflexos do boicote pode afastar ações baseadas na emoção ou na análise superficial de um cenário complexo. Ao legitimar seu ato, você deve concluir, convicto e de acordo com a sua própria escala de valores, que os possíveis reflexos de sua ação são mais vantajosos à vida em sociedade do que a sua inércia, que o risco de demissão de alguns milhares de empregados, apenas para exemplificar, pode ser apenas um custo marginal na busca por extirpar do mundo um mal maior: a corrupção.
E se verdadeiramente você assim concluir, resta-nos tão somente concordar ou discordar, mas jamais chamar de ilegítima a sua decisão.
*O advogado Marcio El Kalay é sócio e diretor de novos negócios da LEC (www.lecnews.com). Formado em Direito pelo Mackenzie, é especialista em processo civil e mestre em ciências jurídico-forenses pela Universidade de Coimbra, em Portugal.