Criminalistas criticam excesso de prisões e põem promotores na berlinda

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A decisão do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, de cassar a prisão preventiva do ex-vice-presidente do Flamengo, Flávio Godinho, que é investigado nos desdobramentos da Operação Lava Jato no Rio de Janeiro, reacendeu o debate sobre medidas cautelares no país. O ministro afirmou que a prisão não demonstrou que outras medidas cautelares seriam insuficientes para impedir que Godinho atrapalhasse as investigações, conforme alegou o Ministério Público Federal. Advogados criminalistas dizem que, em muitos casos, as medidas cautelares são suficientes e não há necessidade da prisão.

O criminalista Daniel Gerber, sócio do escritório Daniel Gerber Advocacia Penal, afirma que “Gilmar Mendes, com seu posicionamento, escancara o vício que passou a macular as medidas preventivas substitutivas da prisão, que cada vez mais são decretadas como autônomas e desvinculadas dos fundamentos da preventiva apenas porque, ao trazerem menor dano, geram conforto ao Judiciário”.

Para o criminalista Fernando Augusto Fernandes, sócio do Fernando Fernandes Advogados Associados, o país está vivendo uma multiplicação das prisões sem o devido processo. “Quando a lei que estabelece as medidas alternativas às prisões do artigo 319 do Código de Processo Penal (CPP) foi editada, já havia 40% de presos provisórios nas penitenciárias. Há uma resistência dos juízes em aplicar as medidas alternativas decretando prisões em massa. Ainda temos 35% de presos provisórios. Na verdade, os juízes desejam ampliar seus poderes. Por isso, simplesmente decretam prisões, hoje com objetivo de antecipação das penas sem processo, extorsão de depoimentos e satisfação de um sentimento de punibilidade contra a Constituição Federal”, explica.

Guilherme San Juan, criminalista e sócio da banca San Juan Advogados Associados, destaca que “a reunião entre advogados para traçar a melhor estratégia de defesa aos clientes não pode ser criminalizada, sob pena de em pouquíssimo tempo se criminalizar o exercício da advocacia”. Para ele, “está na hora de a Ordem dos Advogados colocar o rosto nessa discussão e representar seus membros de forma efetiva. A posição em questão é tão teratológica quanto criminalizar a atuação do acusador que ao final não alcança a condenação do acusado. Me parece que já é chegado o tempo de limitarmos os exageros, sob pena de inviabilizarmos a atuação da acusação e da defesa”, conclui San Juan.

Segundo o advogado constitucionalista e criminalista Adib Abdouni, a prisão preventiva é medida “gravosa e excepcional”. Isso porque permite a segregação do acusado antes de uma condenação judicial transitada em julgado. “Assim, sua aplicação deve ficar limitada às hipóteses em que a análise dos fatos revele, no caso concreto — prova da materialidade e indícios de autoria do delito —, que outros mecanismos de preservação da investigação não se mostrem aptos a refrear potencial risco à ordem pública. Caso contrário, corre-se o risco de subverter o princípio da presunção da inocência, previsto no artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal, gerando inegável e injustificado sacrífico do direito de liberdade de locomoção do investigado”, conclui Abdouni.

Conceição Aparecida Giori, criminalista e sócia do Oliveira Campos & Giori Advogados, lembra que o CPP há muito tempo determina que a medida de segregação cautelar só pode ser aplicada se demonstrado que outras cautelas não têm eficácia. “O que estarrece é o fato de o STF nem sempre seguir o que o CPP diz”, critica.

Ela enfatiza que se o Supremo enveredar por esse caminho, o direito de defesa não será apenas prejudicado, mas completamente anulado. “Imagine o investigado se tornar novamente investigado porque foi assistido, juntamente com outro investigado, pelo mesmo advogado. Já teremos aí a proibição de um mesmo advogado assistir mais de um réu no mesmo processo, porque toda a orientação jurídica poderá ser interpretada como obstáculo à investigação”, explica.

 

Bônus de eficiência põe governo na berlinda

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As discussões sobre suspensão das sessões do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais do Ministério da Fazenda (Carf) e impedimento dos conselheiros para julgar, por conta do recebimento do R$ 7,5 mil mensais, referentes ao bônus de eficiência, estão longe de acabar. A instituição do adicional por produtividade, criado pela MP 765/2016, que reajustou os salários e reestruturou as carreiras dos servidores do Fisco, colocou o governo em uma saia justa. O Executivo terá que enfrentar um dilema inesperado que pode prejudicar o necessário ajuste fiscal. Se cada decisão tomada a partir da última quinta-feira (18 de janeiro) for contestada na Justiça, a arrecadação federal tende a despencar, com impactos negativos no desenvolvimento econômico e nos investimentos.

Os contribuintes têm o direito de contestar, por conta da insegurança gerada pela evidência de que as multas que serão condenados a pagar fazerem parte da base de cálculo do bônus. Ou seja, os resultados dos julgamentos repercutem no valor da bonificação. Caso o Judiciário, mais tarde, decida cancelar aquela sessão, algumas de montantes milionários, tornará sem efeito o que seria arrecadado. E o dinheiro, fundamental para o desenvolvimento econômico, não entrará tão cedo nos cofres do Tesouro. Ou o governo revoga a regra do bônus, ou repensa as normas do Carf”, assinalou o advogado Pedro Guilherme Lunardelli, coordenador do Comitê Tributário do Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (Cesa), que, no início da semana, pediu ao Ministério da Fazenda a paralisação das atividades do colegiado – há dois anos impedido de atuar.

Lunardelli contou, sem citar nomes, que alguns colegas, que representam investigados pelo Carf, já declararam que vão sugerir aos clientes que questionem as decisões do Conselho no Supremo Tribunal Federal (STF). “Não estou arguindo má-fé do julgador. Mas não há dúvida de que há interesse econômico. Seria o mesmo que criar um bônus para magistrados, considerando o valor da causa”, comparou. A pendenga judicial com o Carf também não parou no dia do reinício das sessões. O Cesa está estudando nova manifestação contra a portaria divulgada na quarta passada (18), contestando justamente o a suspensão.

O documento, assinalou Lunardelli, na tentativa de manter o Carf funcionando e de eliminar a possíveis impedimentos dos conselheiros da Receita Federal, criou mais uma lacuna para novos processos. A portaria destacava que só haveria problema no recebimetnto de recursos decorrentes multas se o julgador fosse conselheiro contribuinte (indicado pelas confederações, como CNI, CNC, CNT). “Isso não tem fundamentação legal. O Regimento Interno é claro. A restrição é para todos”, destacou Lunardelli. O Centro de Estudos quer que os julgamentos sejam suspensos até que a Advocacia-Geral da União (AGU) apresente um parecer sobre a legalidade do bônus de eficiência.

O próprio procurador da Fazenda Nacional, Moisés Carvalho, concordou com a exigência de manifestção da AGU”, revelou Lunardelli. Ele disse que as discussões internas do Fisco por salários são legítimas, mas o procedimento do governo que foi fora da curva. “Não houve discussão com a sociedade e nem parecer da AGU. É uma pena que um tribunal centenário tenha sucumbido. Se tornou instável. Essa insegurança prejudica a própria Receita. De novo, o governo criou mais um problema. Estudos apontam que 70% das causas judiciais contra a União são em matéria tributária. Esse é um caso em que o governo provocou mais uma ação”, reforçou o advogado do Cesa.