Câmara dos Deputados aprova por unanimidade o fim dos supersalários

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Relatório do deputado Rubens Bueno prevê crime de improbidade administrativa para quem autorizar pagamento acima do teto constitucional de R$ 39,2 mil mensais. A expectativa é de economia anual aos cofres públicos de R$ 10 bilhões 

A Câmara dos Deputados aprovou por unanimidade o relatório do deputado Rubens Bueno (Cidadania-PR), ao Projeto de Lei (PL 6.726/16), que acaba com os penduricalhos que aumentam significativamente os subsídios, principalmente de magistrados e procuradores. Segundo Bueno, explicou que a proposta de combate aos chamados supersalários teve como base uma lei do Senado, de 2016. O objetivo é que as determinações sobre o teto constitucional sejam válidas para todas as instâncias de governo (federal, municipal e estadual) e todos os Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário).

A proposta, que segue para votação do Senado, detalha todas as parcelas – que já constam no Artigo 37 da Constituição – e que poderão ser pagas. “Nós colocamos travas, porque um Estado paga R$ 1 mil, outro R$ 3 mil, R$ 5 mil de penduricalhos, da forma como deseja. Limitamos essas parcelas indenizatórias para que se evite os abusos que infelizmente vêm acontecendo no país”, explicou. Como cada ente estabelecia as suas normas, segundo Bueno, até o momento, não é possível cravar o valor gasto com essas benesses. “Os dados indicam que pode ser R$ 2 bilhões ou até R$ 10 bilhões, porque não sabemos quantos penduricalhos existem em cada instância de governo”.

Crime

O deputado Rubens Bueno citou ainda que a maior vitória foi estabelecer, a partir de agora, pena de 2 a 6 anos para o responsável que autorizar qualquer pagamento a servidor ou profissional do serviço público acima de R$ 39.293,32. “Agora, só pode pagar o que está na lei”, comemorou. As regras se aplicam aos agentes públicos de todas as esferas de governo (federal, estadual, distrital e municipal) e a todas as esferas de Poder (Executivo, Legislativo e Judiciário), incluindo-se Ministério Público, Defensoria Pública, contratados temporários, empregados e dirigentes de empresas públicas que recebem recursos dos governos (dependentes) para pagar salários e custeio, militares e policiais militares, aposentados e pensionistas.

Pela manhã, em uma entrevista, Bueno citou como exemplo de “absurdos” o caso do Tribunal de Justiça de Goiás. “No mês de junho, 93 juízes receberam mais de R$ 100 mil, 148 receberam mais de R$ 90 mil. Isso é um escândalo em um país que precisa ter noção do que é República e noção do que é o serviço público”, destacou. Muitos parlamentares, inclusive o deputado Tiago Mitraud (Novo-MG), que também é presidente da Frente Parlamentar Mista da Reforma Administrativa, elogiaram a iniciativa. “É uma grande vitória para o Brasil”, disse Mitraud. Já Pompeo de Mattos (PDT-RS), reforçou que, “agora, não será possível mais ver pessoas recebendo mais de R$ 40 mil acima do teto”.

Negociações

Segundo Rubens Bueno, o projeto de lei (PL 6.726/2016) que barra os supersalários no serviço público vai gerar uma economia que pode variar de R$ 3 bilhões a R$ 10 bilhões por ano. Para o relator, a votação premia todo o trabalho que contou com um debate franco com categorias e também com o envolvimento de vários setores do meio político e da sociedade no combate aos privilégios. O projeto estabelece uma só regra para todos os poderes da República e valerá para União, estados e municípios. Agora a matéria passará pela apreciação final do Senado.

“Não é possível mais admitir que, por meio centenas de ‘penduricalhos’ dos mais variados tipos, uma pequena casta chegue a receber salários de mais de R$ 100 mil por mês. Barramos centenas desses auxílios, que agora não podem mais fazer com que os salários ultrapassem o teto. Se não está nessa lista, o auxílio vai passar pelo corte. É bom que fique claro que não estamos estabelecendo o valor que deve ser pago para cada auxílio e sim criando travas que impedem que essas verbas indenizatórias ultrapassem de forma escandalosa e sem critérios o teto constitucional para permitir o pagamento dos chamados supersalários”, explica Rubens Bueno.

Fizemos, reforça o relator, exatamente o que determina a Constituição. “E o que ela diz: que uma lei irá estabelecer as verbas indenizatórias que podem ultrapassar o teto. E restringimos a apenas 32 pontos, como auxílio alimentação e 13º salário, que são direitos constitucionais. Fora dessa lista, tudo será alvo do abate teto. E são centenas de rubricas que antes eram consideradas indenizatórias e que agora vão ser alvo do abate teto”, explica Rubens Bueno.

“Nesse sentido, por exemplo, o auxílio-alimentação só pode ultrapassar o teto em 3%. Antes, não havia qualquer limite. Alguns recebiam R$ 500 e outros até R$ 4 mil, sendo tudo permitido ultrapassar o teto. Agora, estabelecemos uma uniformidade para isso, com o objetivo de barrar abusos”, reforçou Rubens Bueno.

Economia

A estimativa mínima de economia anual com a aprovação do substitutivo ao projeto de lei 6.726/2016 é de R$ 3 bilhões, segundo cálculos da Consultoria de Orçamento da Câmara. “No entanto, esse valor pode chegar a até R$ 10 bilhões com a inclusão dos gastos que serão economizados por estados e municípios e com o corte de penduricalhos que variam de mês a mês e não puderam ser contabilizados no cálculo anual”, afirmou Rubens Bueno.

Rubens Bueno também vem conversando com diversos senadores para uma aprovação ágil do projeto na Casa para que siga para a sanção presidencial ainda neste ano.

“A proposta faz Justiça com o servidor público e combate os abusos contra o erário público. Quem é que admite privilégios? Não é o funcionalismo público. São grupos que atuam no serviço público e que tiram proveitos daquilo que a Constituição deixava como margem porque não havia sido regulamentado até agora por lei”, resumiu o relator, que agradeceu o apoio do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-PI), e do líder do Cidadania, Alex Manente (SP), na articulação com as bancadas partidárias.

Medidas

– Entre as medidas propostas no projeto estão o corte no auxílio-moradia de autoridades, honorários de sucumbência passíveis do abate teto e desconto de salários extras (jetons) de ministros e servidores que fazem parte de conselhos de empresas públicas.

– O projeto também coloca travas no pagamento de verbas indenizatórias, que não são sujeitas ao abate teto.

– Com a adoção da lista do que fica fora do teto, mesmo com travas, o projeto estabelece que todas as rubricas não listadas, o que inclui centenas dos chamados “penduricalhos”, serão passíveis de corte a medida que ultrapassarem o teto.

– O projeto ainda limita a “venda” do 1/3 a apenas a um período de férias, o que corresponde a 30 dias. A medida atinge em especial magistrados e integrantes do Ministério Público que tem direito a 60 dias de férias e recebiam o adicional de férias nos dois períodos.

– Além do projeto, tramita na Câmara, uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC 435/2018), também de autoria de Rubens Bueno, que põe o fim as férias de 60 dias para magistrados e integrantes do Ministério Público.

O que não é submetido ao teto salarial dos servidores e se tornou alvo de corte no parecer de Bueno:

– Honorários de sucumbência, venda de férias acima de 30 dias (Judiciário e MP tem 60 dias de férias e maioria dos membros vende mais de 30), jetons (exemplo: ministros e servidores que recebem para fazer parte de conselhos de estatais dependentes do governo), entre outras rubricas.

Como é o teto salarial é hoje

A Constituição determina um limite para o pagamento de salários no serviço público. Em âmbito federal esse teto é R$ 39,2 mil. Porém, os critérios de pagamento hoje se encontram dispersos, dando margem a “penduricalhos”.

O que muda com o projeto

O PL, por meio do substitutivo do deputado Rubens Bueno, preenche essa lacuna e unifica o entendimento do que entra e o que sai do teto do serviço público, baseado no que manda a Constituição: “Art. 37 – § 11. Não serão computadas, para efeito dos limites remuneratórios de que trata o inciso XI do caput deste artigo, as parcelas de caráter indenizatório previstas em lei.”

Para cumprir essa finalidade, são identificadas parcelas que, por serem classificadas como indenizatórias, poderão ser pagas sem observância do limite remuneratório. Fora dessa lista, será aplicado o corte. A economia com essa medida ultrapassa R$ 3 bilhões por ano.

O que o PL faz

– são discriminados os agentes públicos cuja retribuição é alcançada pela futura lei. Entra presidente da República, deputados, senadores, governadores, prefeitos, magistrados e servidores em geral.
– promove-se a enumeração de parcelas remuneratórias que não se submetem ao limite constitucional por serem consideradas indenizatórias.
– Estabelecidas as parcelas consideradas indenizatórias, são introduzidas travas com o objetivo de evitar medidas oportunistas de burlar o teto.
– Determina-se que qualquer parcela remuneratória não contemplada na relação será submetida ao limite constitucional.
– O substitutivo também introduz pena de 2 a 6 anos para quem fizer o pagamento de parcela remuneratória em desacordo com o disposto na futura lei.

Quem pode fugir da reforma administrativa

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Verbas de gabinete de deputados e senadores continuarão intocadas

No Legislativo, a dificuldade de mudança pode ser maior do que se imagina. Todo o esforço de economia com a máquina pública pode ficar restrito apenas aos servidores, sem mexer nas benesses dos parlamentares. Nas verbas de gabinete por exemplo. Na Câmara, o valor mensal é de R$ 111.675,59 por deputado, para pagamento de salários de até 25 secretários parlamentares que trabalham para o mandato, em Brasília ou nos estados.

O deputado Tiago Mitraud (Novo/MG), presidente da Frente Parlamentar da Reforma Administrativa, disse que “o ideal é reduzir tudo isso”. “Mas a parte política da estrutura de cada gabinete não permite uma mudança imediata. Não vejo mesmo em grande parte dos parlamentares essa intenção. Portanto, é uma questão que não deve entrar na conta agora”, destacou Mitraud.

Alcance

O Judiciário está na expectativa do envio da proposta de reforma administrativa pelo Poder Executivo. Manoel Murrieta, coordenador da Frente Associativa da Magistratura e do Ministério Público (Frentas), afirmou que juízes e procuradores preferem que sejam debatidos vários textos que já tramitam no Congresso (sobre supersalários, verbas indenizatórias, férias de 60 dias, entre outros). “Acho mais adequado que seja em separado, observando os detalhes, e não um pacote”, disse.

Ele lembrou, ainda, que, apesar de serem Poderes distintos, as novas regras podem valer também para o Judiciário. “É possível que alcance a magistratura. E não será a primeira vez. Se for, como está previsto, uma mudança por meio de Emenda Constitucional, não é possível ainda medir o resultado. O que nós não podemos admitir são os exageros que não levem em conta a carga de trabalho e as especificidades da magistratura”, destacou Murrieta. Ele afirmou que o país está vivendo um momento difícil. “E nós temos dado nossa contribuição”.

A estratégia de envolver o Judiciário em mudanças estruturais não é nova e nem foi ignorada pelo governo. Desde 2019, quando foi divulgado o Plano Mais Brasil, a intenção era mesmo – e ficou claro na apresentação – fazer com que “todas as regras valessem também para juízes, procuradores e promotores”. A questão é se politicamente o governo vai conseguir essa proeza. Balanço da Contatos Assessoria Política demonstrou que o Executivo vem perdendo frente no Congresso Nacional.

Isso fica claro quando se observa as Medidas Provisórias (MPs) enviadas. Das 49 finalizadas, mais metade delas não prosperaram, resultando em apenas 42% de aprovação para o governo federal. “O número fica ainda menos favorável ao governo se vermos as alterações que o Congresso fez. Foram 12 medidas alteradas na forma de PLV (destas alterações, o presidente Jair Bolsonaro vetou cinco deles). Apenas nove MPs não tiveram qualquer alteração, sendo aprovadas em sua íntegra”, aponta o balanço.

O presidente da República publicou desde o início deste ano 75 MPS. A primeira, a MP nº 918, (03/01/2020) – que cria funções de confiança na Polícia Federal e extingue cargos em comissão. Porém, como têm vigência de até 120 dias, haviam 24 delas, de 2019, ainda ativas (MP 893 até a MP 917) e que só foram concluídas em 2020, reforça a Contatos Assessoria Política.

Superavit na Seguridade, sim, mas com (des) governo, não!

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Floriano Martins de Sá Neto*

A Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip) sempre esteve engajada na defesa da Seguridade Social, inscrita na Constituição de 1988, na manutenção do seu modelo de financiamento, com a pluralidade de fontes exclusivas, e no aperfeiçoamento desta que é a maior rede de proteção social brasileira.

Calcada nesses princípios, há anos a Anfip defende uma metodologia que a levou a constatar a viabilidade previdenciária no contexto da Seguridade Social. Metodologia amparada pela Constituição Cidadã, clara, objetiva e transparente, fundamentada em artigos, parágrafos, incisos e alíneas, que resulta, anualmente, no requisitado periódico (e eventualmente difamado) que analisa o Orçamento da Seguridade Social.

Ao fazer algumas colocações, ao estilo “fake news”, em seu recente publicado artigo “Superávit na Seguridade?” (Estadão, 14/11/2017), o senhor Bernard Appy, ex-secretário de reformas econômico-fiscais do governo, parece não entender muito bem a lógica por de trás dos estudos da Associação.

Primeiro que a entidade condena duas medidas que ao longo dos anos vêm retirando recursos da Seguridade: renúncias e desvinculações. Somente em 2016 foram R$ 271 bilhões em renúncias, recursos que deveriam ser destinados a políticas sociais, mas que de fato beneficiou o empresariado. E o país cresceu? Empregos foram gerados?

E sabem por que a Anfip considera no orçamento as receitas sobre as quais se aplica a DRU (Desvinculação das Receitas da União)? Porque ela é receita do Orçamento da Seguridade. Simples. São receitas de contribuições sociais que entram como receitas e que posteriormente são retiradas. Ao invés de comporem os recursos que retornam a sociedade por meio de benesses e serviços da Seguridade Social, eles são destinados a um caixa único, a ser usado a critério do governo. E não é pouco. Até 2015, esse percentual de desvinculação era de 20%. Com a elevação para 30%, aprovada em 2016, a subtração de recursos passou de uma média de R$ 63,4 bilhões ao ano (entre 2013 e 2015) para R$ 99,4 bilhões. A propósito, o governo utiliza esses recursos da maneira correta?

Se somarmos essas ações às atuais políticas que não conseguem retomar o crescimento, nem amenizar a abissal taxa de desemprego, está posto um indiscutível deficit no sistema.

E sabem por que a Anfip não considera os gastos com aposentadorias e pensões dos servidores públicos no Orçamento da Seguridade Social? Porque Regime Próprio (RPPS) e Regime Geral (RGPS) são coisas distintas, tanto que se encontram em artigos de Títulos distintos na Constituição Federal (Artigo 40 (Da Organização do Estado), financiamento das aposentadorias e pensões dos servidores públicos; e Artigo 195 (Da Ordem Social), financiamento da Seguridade Social e, obviamente, da Previdência do Regime Geral).

A montagem dos números referentes aos gastos da Previdência, os considerados “oficiais”, infelizmente está nas mãos do governo, que utiliza da sua própria “metodologia criativa” para emplacar um modelo que não condiz com o Estado de bem-estar, reduzindo a letra morta os direitos sociais previstos na Constituição e estabelecendo, de maneira mais intensa, o desequilíbrio social. A construção de um conceito de déficit, de aposentadorias precoces, de crescimento demográfico, cumpre o papel de motivar questionamentos. Na visão desses poucos, a previdência não é justa, ela é apenas uma “alocação orçamentária”. É a mesma lógica utilizada quando o senhor Appy afirma que a economia obtida com a redução da corrupção e dos privilégios é pequena diante das despesas previdenciárias. Difícil acreditar que alguém possa considerar como irrelevantes fatos tão significativos para o país como é o caso do combate à corrupção. Então quer dizer que ela é válida somente se gerar lucros?

É preciso ter um olhar na previdência, parte da Seguridade, para além dos “cifrões”. Estamos falando de um sistema onde os constituintes estabeleceram o mecanismo de financiamento tripartite (empregado, empregador e governo). A partir desse aspecto, cabe ressaltar a ampla importância do Estado como garantidor de direitos e mantedor da dignidade da pessoa humana.

A Previdência Social precisa, sim, ser aprimorada periodicamente para se adequar a novas conjunturas socioeconômicas. Mas antes de se pensar em qualquer tipo de reforma, devemos concentrar esforços numa política inclusiva, com maior formalização e menos informalidade, melhoria nas rendas advindas do trabalho, redução da rotatividade do mercado formal, melhores condições de trabalho, da saúde do trabalhador, maior fiscalização (coibindo sonegações). De imediato, assegurar o retorno de um crescimento, com valorização do trabalho e redução do desemprego. Mas com uma política de “Austericídio”, como a que o governo optou, fica difícil almejar qualquer melhoria.

E os pontos mais severos da proposta de reforma da previdência não é aumento da idade mínima do Regime Geral ou o tamanho da aposentadoria dos servidores. O que está em jogo é algo muito grave: elevar idade mínima de contribuição para 25 anos, desconsiderar a penosidade e o início precoce da atividade rural; desconsiderar questões de gênero; estabelecer regras que praticamente impedem o cidadão de se aposentar. Isso é corrigir previdência, senhor Appy? A previdência privada, e seus adeptos, não vêm a hora de a reforma ser aprovada!

A Anfip não camufla números para justificar ideais. O deficit ou o superavit é resultado da aplicação fiel de um Orçamento embasado no que reza a Constituição. Seja qual for o resultado dessa equação, continuaremos pautados na legalidade. Ignorar preceitos fundamentais em defesa de mudanças apenas em um lado da balança, o da despesa, desprezando a necessária gestão da receita, é querer permanecer atrás das cortinas do interesse social. O Estado Democrático de Direito não pode ser reduzido a um produto segundo a lógica mercantil.

*Floriano Martins de Sá Neto – Auditor fiscal da RFB e presidente da Anfip

Supremo tem de rever benesses concedidas aos delatores da JBS

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É essencial balancear os benefícios outorgados aos delatores da JBS, equiparando-os de maneira isonômica àqueles negociados com outros colaboradores.

Adib Abdouni*

O instituto da delação premiada apresenta-se como um moderno e eficaz instrumento de realização da justiça na busca da verdade real. O emprego desse mecanismo de obtenção de provas lança luzes sobre as sombras que protegem as ações contínuas e irrefreáveis de integrantes de associações criminosas, havidas nos subterrâneos do Poder.

Contudo, a aceitação e a homologação da colaboração devem ser precedidas de análise cautelosa, com justa e adequada ponderação na efetivação da negociação com o delator, que pretende, com seu ânimo de espontaneidade, apenas livrar-se de sanções mais gravosas mediante a concessão de benefícios legais que as mitiguem.

A concretização da delação revela-se como um verdadeiro contrato, onde prós e contras devem ser sopesados, de modo que o Estado – enquanto titular do direito público subjetivo de punir – abre mão de alguns fundamentos sancionatórios da jurisdição penal, com vistas a alcançar – com a colaboração – um aprofundamento da investigação criminal, mediante o atingimento de um maior número de coautores e partícipes dos crimes delatados, cumprindo assim sua missão  de velar pelos valores fundamentais que alicerçam a subsistência da sociedade.

A delação premiada dos executivos da JBS tem sido alvo de defensores apaixonados e de críticos ferrenhos.

Com efeito, não se nega que os irmãos Batista trouxeram à baila fatos novos, qualificados pela importância da estatura dos delatados, de interesse indelével da persecução penal do Estado e da própria clarificação do país.

Benesses extrapolaram limites da razoabilidade

Porém, as peculiaridades do acordo fechado causaram espécie a uma parcela significativa dos brasileiros, ante a gravidade dos fatos tornados públicos – com concreta participação dos delatores nos delitos confessados. As benesses recebidas pelos delatores da JBS extrapolaram os limites da razoabilidade, diante da ausência de reprimenda de segregação corporal (encarceramento mínimo que fosse). Assim, elas fizeram surgir um sentimento de impunidade, haja vista que nem mesmo a multa bilionária negociada – a ser paga parceladamente e em valor dissociado dos vultosos prejuízos causados ao Erário e à população – mostra-se capaz de apaziguar essa sensação.

Emergem daí — com razão — as críticas dirigidas contra os negociadores do Estado, a revelar ou o açodamento de sua conclusão (talvez precipitada pelo prenúncio da sucessão que haverá no comando da Procuradoria Geral da República), ou, remotamente, a demonstrar que os irmãos Batista – assim como fazem em suas negociações mercantis – são experts mesmo em obter resultados ímpares nas demandas em que se envolvem.

Não se acredita, nessa ordem de ideias, que a delação dos donos das JBS homologada pelo ministro Edson Fachin seja anulada, mesmo que em nosso entendimento ele não fosse o magistrado competente para homologar a referida colaboração, vez que os irmãos Batista não preenchem os requisitos de foro de prerrogativa de função (“foro privilegiado”) no STF. Ao nosso ver o conteúdo da delação trouxe maior força e amplitude à investigação criminal, mesmo que tenha havido a supressão de instância, isto é, não tenha passado pelas mãos do juiz Sérgio Moro. Ademais, entende-se a existência de vício formal na confirmação judicial monocrática realizada pelo ministro Fachin.

Por outro lado, não se vislumbra a possibilidade de invalidá-la na medida em que, recentemente, a presidente do STF homologou, também por meio de decisão unipessoal, 77 colaborações de executivos da Odebrecht, sem que isso tenha gerado perplexidade maior.

O que se espera é que o Plenário da mais alta Corte de nosso país – sem que isso represente afronta à segurança jurídica – possa rever as condições homologadas, com o fito de neutralizar os efeitos da impunidade, de forma a balancear os benefícios outorgados aos delatores. Afinal, é preciso equipará-los de maneira isonômica àqueles negociados com outros colaboradores, a exemplo da redução da pena ou da aplicação de penas substitutivas, mas não lhes conceder o perdão judicial, tendo em vista a carência da recuperação total dos recursos desviados, a magnitude dos crimes cometidos e, principalmente, a repercussão social dos resultados danosos impostos pelo esquema criminoso.

* Adib Abdouni é advogado constitucionalista e criminalista. Foi professor de Direito Constitucional na PUC-SP