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Reforma administrativa pode andar em 2020, diz Tiago Mitraud
Em um ponto, governo, parlamentares e servidores concordam: a reforma administrativa não está morta, está apenas adormecida. E não foram apenas os servidores que embarreiraram o processo de tramitação da proposta (PEC 32/2020) enviada ao Congresso
Técnicos do próprio governo admitem que o Executivo não se esforçou, porque, nas estratégias de bastidores, apostava na vitória da direita nas eleições municipais. “Não tem nada morto. A Câmara estava andando em marcha lenta em todas as pautas relevantes para o país. Na verdade, a reforma não andou porque a base do governo obstruía tudo. O Ministério da Economia fez a sua parte. Mas a base do governo no Congresso alegava de que queria, primeiro, a instalação da Comissão Mista de Orçamento (CMO)”, disse o deputado Tiago Mitraud (Novo/MG), que é presidente da Frente Parlamentar Mista da Reforma Administrativa (FPMRA.
Ele admitiu que os entraves vinham direta ou indiretamente do Palácio do Planalto. Mas não soube dizer se efetivamente a intenção eram as eleições municipais. “Isso não dá para confirmar. Mas, enfim, a expectativa agora, passadas as eleições, é de que as comissões sejam instaladas ainda em 2020, com andamento imediato da reforma administrativa. E conto também com o esforço do governo, já que a proposta é dele”, destacou Mitraud. Fontes do Planalto, por outro lado, destacaram que, “com a derrota nas urnas e o avanço do centrão, o governo ficou refém de grupos de interesse. Tende a olhar agora para 2022 e não se sabe o futuro da reforma”, explicou um técnico que preferiu o anonimato.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM), previu qualquer avanço a partir de 2021. Em resposta a uma ação de parlamentares considerados de esquerda (embora o grupo se denomine multipartidário), no Supremo Tribunal Federal (STF), pedindo a suspensão da análise do texto, disse que não era viável suspender o que sequer começou a tramitar, já que as comissões permanentes, entre elas de Constituição e Justiça (CCJ), não foram instaladas, em consequência da pandemia. Mesmo assim, a expectativa do deputado Tiago Mitraud é de que os debates comecem logo.
Mitraud, no entanto, não descarta a judicialização em torno do assunto. “Os contras vão se utilizar de todo e qualquer recurso”, assinalou. Para a advogada Larissa Benevides, que atua em defesa dos servidores, entre os pontos que podem parar na Justiça está a possível extinção da estabilidade. “A estabilidade é uma garantia da imparcialidade do servidor público. Além da questão dos diferentes vínculos, as contratações por prazo determinado, indeterminado, cargos típicos de estado e aqueles de assessoramento. Essas diferenças vão trazer incongruências na prestação do serviço”, destaca Larissa.
O deputado Israel Batista (PV-DF), presidente da Frente Parlamentar Mista em Defesa do Serviço Público (Servir Brasil), revelou que, seja qual for o momento, há um acordo para que “os pontos que alcançaram um certo consenso sejam apreciados diretamente pelo Plenário da Câmara”. “A reforma não morreu. Ano que vem, deve voltar com força. Enquanto isso, nós da Servir Brasil, estamos discutindo um texto alternativo à PEC enviada pelo governo. Se não tivermos sucesso no substitutivo, pretendemos alterar substancialmente a PEC 32 com emendas. Ao mesmo tempo, abrimos diálogo com a frente presidida pelo deputado Mitraud para chegarmos no ano que vem estabelecendo imites. Ou seja, o que a gente aceita e o que a gente não topa de jeito nenhum”, afirmou Batista.
Prazo
Em meio às hostilidades entre Executivo e Legislativo, os servidores consideram que estão ganhando tempo. Sérgio Ronaldo da Silva, secretário-geral da Confederação Nacional dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef), disse que, se depender de Maia, Davi Alcolumbre, presidente do Senado, e Paulo Guedes, ministro da Economia, “a reforma está somente adormecida”. “Nossa esperança é de que Maia e Alcolumbre não consigam burlar a Constituição e se reeleger. São eles os arquitetos da PEC 32. Até fevereiro, quando terminar o recesso do Congresso vamos articular nossas estratégias”, contou.
Silva aposta que, até lá, já se tenha a vacina contra o coronavírus. “E possamos, a partir de março, fazer pressão. O ano de 2021 vai ser de muita luta para dar um freio em tudo isso que está sendo apresentado”, afirmou Silva. Na análise de Rudinei Marques, presidente do Fórum das Carreiras de Estado (Fonacate), dem 2020, tudo continuará parado, em função das declarações de Rodrigo Maia. Nos quatro meses que restam, até março, a intenção do Fonacate é apresentar estudos sobre o serviço público.
Hoje, foi divulgado o 15° Caderno da Reforma Administrativa, com comparativos internacionais. “Estamos também aproximando o diálogo entre as frentes em Defesa do Serviço Público e em Defesa da Reforma Administrativa. Esse é um grande diferencial. A gente quer mostrar que as entidades de classe estão dispostas a trabalhar juntas e para isso estamos buscando os pontos de convergência”, reforçou Marques.
Questões importantes
Vladimir Nepomuceno, diretor da Insight Assessoria Parlamentar, garante que “a PEC 32/2020 está vivíssima”. Ao contrário da maioria, ele destacou que não é possível entender a declaração do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM/RJ) como suspensão da tramitação. “A tramitação dessa PEC – e de outras proposições legislativas – não está andando em virtude de outras razões. Tanto é que o deputado Rodrigo Maia usa a expressão ‘na prática’. O que pode ser lido como ‘não por minha vontade’”.
Para este ano, Nepomuceno afirmou que é preciso considerar algumas questões: não haverá recesso parlamentar, o que significa que o Congresso vai trabalhar em dezembro e janeiro, emendando como o início do próximo ano legislativo, que começa em 1º de fevereiro. “Digo isso porque não foi votada a Lei de Diretrizes Orçamentária (PLDO/21), que, pela Constituição, deveria ter sido até julho deste ano, o que impede a votação da Lei Orçamentária Anual (PLOA/21), que se não for apreciada nenhum dos três Poderes terá recursos para investimento ou novos contratos, apenas para as despesas obrigatórias, incluindo folha de salários e contratos vigentes, por exemplo”.
Na análise do diretor da Insight, as comissões permanentes não foram compostas pela ausência de acordo entre a bancada liderada por Rodrigo Maia e a base do governo na Câmara, principalmente em relação às consideradas chave, como a CCJ, a de Finanças e Tributação (CFT) e a de Fiscalização Financeira e Controle (CFFC). A ocupação desses cargos deve ocorrer logo após o segundo turno das eleições municipais, o que liberaria a pauta e permitirá ao andamento de proposições na Câmara, como a da PEC 32/2020, ainda este ano. Da mesma forma, a PEC 186/2019, que também é considerada estratégica tanto pelo governo quanto pelo presidente da Câmara, deverá ser retomada o mais rápido possível.
“Assim, é grande a chance de andamento das proposições entre os últimos dias deste ano e os primeiros do próximo ano. Lembro que 2021 está a pouco mais de 40 dias”, destacou ele. “Em relação às estratégias dos servidores, eu acredito que a primeira questão, considerando a profundidade da reforma, que altera a estrutura e o funcionamento do serviço público, é convencer os parlamentares a não instalar a Comissão Especial enquanto não for permitida a presença da população nas dependências do Congresso, com a realização de audiências públicas, seminários, debates e outros eventos envolvendo todos os segmentos envolvidos, como servidores e usuários do serviço público”, alertou.
Nepomuceno destacou que a PEC 32 é uma proposta gravíssima pelo seu eixo central. Não é somente uma reforma administrativa, mas também a liberação para a privatização, no sentido mais amplo da administração pública, permitindo a entrada de instituições privadas em atividades exclusivas do Estado, além da volta do patrimonialismo pré-Constituição, “por meio das indicações políticas e o fim da estabilidade que permitirá a troca de servidores por apadrinhados políticos a cada mudança de governo, com o favorecimento pessoal se sobrepondo às necessidades da sociedade”.
Ao lembrar as reformas anteriores, previdenciária e trabalhista, Nepomuceno informou que é importante ter clara a necessidade de informação, esclarecimento e debate com o conjunto da sociedade, uma vez que, além de continuação do processo de desmonte do que ainda há do Estado do bem-estar social, todos serão de alguma forma atingidos pelas alterações propostas na Constituição e em várias legislações setoriais nas esferas federal, estadual, distrital e municipal.
Ele ressaltou, ainda, que em muitos pontos da PEC 32 é possível de judicialização, principalmente pela ausência de base e pelas fragilidades. “Lembro a predecessora desta PEC, a Emenda Constitucional 19/98, citada pelo secretário Especial de Desburocratização, Gestão e Governo Digital do Ministério da Economia, Caio Mario Paes de Andrade, no dia da apresentação ao Congresso Nacional, dando à atual PEC o caráter de continuação da Emenda nº 19/98. Naquela ocasião, o questionamento chegou ao STF pelos então partidos de oposição (PT, PDT, PSB e PCdoB), obtendo uma liminar em 2000, que apenas agora em 2021 deve ter sua decisão final, 21 anos depois”, relembrou.
Planejamento suspende encaminhamento ao Congresso de projetos de aumento salarial para categorias que fecharam negociação este ano com o governo. A pasta reavalia detalhes como concessão de bônus de eficiência a aposentados da Receita Federal
O governo se complicou nas negociações salariais com o funcionalismo. Na pressa de atrair apoio político dos servidores, a equipe econômica do presidente interino Michel Temer, com o auxílio do próprio chefe do Executivo, fez um esforço para obter aprovação do Congresso Nacional aos projetos de lei que autorizam reajustes salariais para várias categorias dos Três Poderes, acertados no fim do governo Dilma Rousseff. Na afobação, no entanto, deixou de lado detalhes jurídicos importantes — especialmente relativos aos aposentados — que deveriam ser resolvidos com as carreiras típicas de Estado. Com isso, o encaminhamento dos projetos, que deveria ocorrer na quarta-feira, foi suspenso.
“O Planejamento nunca vai admitir publicamente, mas era clara a intenção de enviar as propostas sem os acertos para o Congresso e, depois, ir ajeitando aqui e ali, até porque outras carreiras, com projetos emperrados, estão irritadas e pedem celeridade. O envio seria anunciado em encontro com os auditores da Receita, onde o confronto com os aposentados é maior. Mas, quando o governo percebeu que não tinha nem os parlamentares e nem o mercado na mão, recuou”, disse uma fonte com acesso ao Palácio do Planalto.
Especulação
O Ministério do Planejamento negou que tenha voltado atrás. Em nota, informou que “o governo avalia os acordos feitos no final da gestão da presidente afastada e se e quando irá encaminhar projetos de lei nesse sentido”. Afirmou ainda que “é falsa a especulação sobre o envio”. A pasta não explicou o que está avaliando nos projetos se todos foram exaustivamente discutidos e estão assinados. Muito menos o que não foi discutido antes da assinatura dos acordos que precisa, agora, de análise mais apurada.
Cláudio Damasceno, presidente do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita (Sindifisco), uma das categorias que deveriam ter o projeto de reajuste encaminhado ao Legislativo nesta semana, classificou como “muito ruim” o resultado de encontro que teve com o ministro Dyogo Oliveira, na quarta-feira. “Ele disse que há boa vontade do governo para cumprir o acordo, mas a decisão sobre o envio dos projetos ainda não foi tomada, porque há dificuldades técnicas e jurídicas sobre o pagamento do bônus de eficiência para aposentados, Além disso, houve repercussão negativa em relação a outros projetos de lei já em tramitação”, afirmou.
“Não dá para compreender que um acordo fechado há tanto tempo esteja sendo discutido dentro do Planejamento. Se havia divergências, deveriam ter sido sanadas lá atrás. Agora, não há como se falar em rever acordo ”, acrescentou Damasceno. Ele disse que o clima no Fisco é de indignação, e não está descartado um acirramento dos protestos, com paralisações e operação-padrão nas aduanas.
Na avaliação de Luís Boudens, presidente da Federação Nacional dos Policiais Federais (Fenapef), o ministro está usando a estratégia anunciada pelo seu antecessor, Romero Jucá, que se afastou do cargo10 dias após a posse. “O Planejamento está fazendo uma reavaliação dos contratos, como queria Jucá, para ganhar tempo. Vai enrolar as carreiras que dependem de projetos de lei e têm reajuste a partir de janeiro de 2017, até o envio da lei orçamentária, em 31 de agosto”, assinalou.