A cínica votação da PEC 23

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“Para se entrincheirar no poder, os governos precisam fazer mais – eles também precisam mudar as regras do jogo. Autoritários em busca de consolidar seu poder com frequência reformam a Constituição, o sistema eleitoral e outras instituições de maneiras que prejudiquem ou enfraqueçam a oposição, invertendo o mando de campo e virando a situação de jogo contra os rivais”

Cássio Faeddo*

A política deveria servir para garantir a autonomia das instituições

O que a maioria dos políticos possuem, especialmente quando visam permanecer no poder, é o instinto de sobrevivência.

A patacoada ocorrida em uma triste madrugada desta semana, na qual partidos ditos de oposição votaram sim para aprovar a PEC 23 na Câmara dos Deputados, só não foi mais vergonhosa do que o contorcionismo retórico de deputados para justificarem seus votos.

Prorrogar o Bolsa Família, mesmo com algum reajuste, poderia ocorrer por diversas formas legislativas, mas é evidente que se não mudar o nome do programa para Auxílio Brasil, não atender-se-iam os interesses eleitorais de Jair Bolsonaro para sua reeleição.

Como afirmam Steven Levitsky e Daniel Ziblat no livro “Como as democracias morrem”: o paradoxo trágico da via eleitoral para o autoritarismo é que os assassinos da democracia usam as próprias instituições da democracia – gradual, sutil e mesmo legalmente – para matá-la.

Levitsky e Ziblat, explicam que uma das estratégias para contornar a ordem constitucional e “lidar com oponentes potenciais é comprá-los”. E é exatamente o que vem ocorrendo no Brasil.

Porém, o preço institucional, de ordem constitucional e democrática é alto, como explicam Daren Acemoglu e James Robinson: “prosperidade e pobreza são determinadas pelos incentivos criados por instituições”, e a PEC 23 será o fundo do poço para a democracia e almejada estabilidade econômica já em deterioração.

Para Acemoglu e Robinson, a política deveria servir para garantir a autonomia das instituições, sustendo a importância de regras jurídicas claras e estáveis para que as instituições econômicas possam funcionar.

Voltando para Levitsky e Ziblat, estes arrematam: “para se entrincheirar no poder, os governos precisam fazer mais – eles também precisam mudar as regras do jogo. Autoritários em busca de consolidar seu poder com frequência reformam a Constituição, o sistema eleitoral e outras instituições de maneiras que prejudiquem ou enfraqueçam a oposição, invertendo o mando de campo e virando a situação de jogo contra os rivais.

Essas reformas são muitas vezes levadas a cabo sob pretexto de algum benefício público, mas, na realidade, estão marcando as cartas do baralho em favor dos poderes estabelecidos. E, por envolverem mudanças legais e mesmo constitucionais, permitem que os autocratas consolidem essas vantagens durante anos ou mesmo décadas.”

Ora, nada mais conveniente para tal objetivo do que, em um sistema fisiológico e corrupto, como a criação de um novo auxilio assistencial para engrandecer o concedente, em troca da distribuição de emendas aos legisladores. Tudo com dinheiro dos contribuintes.

Desta forma, todos continuam no poder. O primeiro por ser futuramente confundido com o próprio programa assistencial, e os legisladores inaugurando obras espetaculosamente nos seus redutos eleitorais. Nada mais conveniente e desleal no sistema democrático.

Nos parece solar que um programa de assistência social deveria ser um benefício permanente e com um nome que não ofenda os preceitos da moralidade e impessoalidade de forma reflexa.

Para Lula foi Fome Zero e Bolsa Família. Agora, com muito alarde por certo, se for aprovado, será o Auxílio Brasil de Jair Bolsonaro.

Já tarda que esse tipo de medida de marketing eleitoreiro seja proibido por ser claramente inconstitucional. A nomenclatura deveria ser algo como auxílio assistencial e ponto final.

E quanto à farra das emendas de deputados que almejam reeleição, além das legais, porém imorais, verbas para divulgação de mandato, devem urgentemente serem revistas.

A dinheirama despejada que, segundo veículos de comunicação, foi cerca de R$1 bi, é cupim para a democracia, e o alongamento de dívida interna uma irresponsabilidade fiscal sem igual.

Os órgãos de imprensa informam que apenas PT, PSOL, PC do B e NOVO votaram unanimes contra a PEC 23. Porém, dez do MDB, quinze deputados do PDT, dez do PSB, vinte e dois do PSDB, e vinte e nove do PSD deixaram se levar pelo doce canto da sereia das emendas.

Pior foram aqueles que sequer votaram, sendo omissos no compromisso com a democracia quanto esta encontra-se em risco.

Como justificar a postura de parlamentares de oposição que aprovaram, com poucas exceções, a irresponsável medida populista?

Aguarda-se uma solução para esse ataque aos cofres públicos e democracia, bem como deslinde legislativo dentro dos mecanismos do Bolsa Família, afinal todos sabemos que políticos quando querem aprovar algo arrumam condições.

*Cássio Faeddo – Advogado. Mestre em Direito. MBA em Relações Internacionais – FGV/SP

Fonacate repudia “mentiras” do ministro Paulo Guedes sobre o furo do teto de gastos e a reforma administrativa

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“A esse escárnio, soma-se a chantagem do ministro contra a população e os servidores públicos, a mesma usada para justificar a PEC Emergencial, sustentada por mentiras e projeções econômicas que mais parecem exercícios de prestidigitação”, destaca nota de repúdio

O Fonacate reforça, ainda, que “evocar a PEC 32/2020 da Reforma Administrativa, um verdadeiro marco institucional da corrupção, do clientelismo e do privatismo no serviço público, para justificar a PEC 23/2021 do furo improvisado do teto e do calote em precatórios, é Fake News da pior qualidade patrocinada pelo Ministro da Economia”.

Veja a nota:

“O FONACATE – Fórum Nacional Permanente de Carreiras Típicas de Estado, na qualidade de representante de 37 (trinta e sete) entidades de classe, que juntas alcançam mais de 200 mil servidores públicos, manifesta repúdio à fala do Ministro da Economia, Paulo Guedes, no dia 24 de outubro, que tentou justificar a proposta de furo seletivo do Teto de Gastos, afirmando que a reforma administrativa poderia compensar parte dos R$ 30 bilhões estimados para a implementação, em 2022, do chamado Auxílio Brasil. Segundo o Ministro, em 10 anos a Reforma Administrativa economizaria R$ 300 bilhões, não havendo problema em ampliar a assistência aos mais vulneráveis neste momento. Tudo mentira, bem ao estilo de Paulo Guedes, que projetou o dólar entre R$ 3,80 e R$ 4,20, mas que hoje é vendido a R$ 5,60, sendo o real a moeda mais desvalorizada do mundo em 2020 e 2021.

Desde sua implantação em 2017, e especialmente com o advento da pandemia, estava claro que o Teto de Gastos, na forma vigente, era incompatível com o atendimento mínimo das necessidades do país e da população. O discurso oficial de defesa da regra, descolado da realidade, foi repetidamente confrontado com a necessidade da abertura dos créditos extraordinários, que, devido ao irrealismo das peças orçamentárias de 2020 e 2021, foram usados para cobrir gastos previsíveis. Com isso, insegurança, improviso e falta de transparência se tornaram as marcas da gestão do orçamento e dos gastos públicos no Brasil. Tanto que, para este ano, o Teto de Gastos será extrapolado em RS 130 bilhões, em gastos necessários, mas que não atendem ao requisito da imprevisibilidade.

A proposta de orçamento para 2022, encaminhada pelo governo em agosto, cujo teto Guedes pretende — e agora assumidamente propõe — furar, incorre no mesmo viés irrealista do orçamento de 2020 e de 2021. As lacunas são dramáticas, com despesas obrigatórias subestimadas em até R$ 24 bilhões, em virtude da subestimativa do INPC; despesas em saúde fixadas no menor volume dos últimos 5 anos (como se não houvesse necessidade de enfrentar a pandemia e outras despesas com a saúde da população); despesas com o Bolsa Família fixadas em R$ 71 bilhões a menos do que o previsto para 2021; investimentos abaixo dos mínimos históricos (incapazes de manter a infraestrutura existente); e nenhum recurso para recuperar o atraso educacional ocorrido com a pandemia.

Vê-se, portanto, que a manobra do governo com a PEC 23/2021 não visa atender às sérias lacunas da saúde, assistência social, educação e investimentos do país, mas se reveste de caráter imediatista e improvisado, visando tão somente o interregno eleitoral mediante o emprego de práticas não republicanas, como calote de precatórios, excepcionalização seletiva de regras fiscais e projeções fictícias dos índices de inflação.

A esse escárnio, soma-se a chantagem do Ministro contra a população e os servidores públicos, a mesma usada para justificar a PEC Emergencial, sustentada por mentiras e projeções econômicas que mais parecem exercícios de prestidigitação.

As audiências públicas na Câmara comprovaram as inconsistências das justificativas da Reforma Administrativa (na verdade, uma deformação regressiva da Administração Pública no Brasil). Primeiro, o governo limitou-se a afirmar que a PEC 32/2020 iria modernizar o Estado e contribuir para o equilíbrio fiscal, sem apresentar, porém, nenhum estudo ou projeção que amparasse seus argumentos. Instado a apresentar dados fiscais por meio de ação movida pelas entidades do serviço público junto ao TCU, recuperou-se estudo do IPEA com cenários hipotéticos de gastos com pessoal inteiramente desvinculados das propostas da PEC 32!

Em contraposição, estudo do Senado Federal dedicado, este sim, aos impactos fiscais das propostas da PEC 32, conclui que a reforma administrativa amplia a corrupção e o gasto público improdutivo, pois confunde modernização com proliferação de contratações precárias baseadas em critérios eminentemente políticos e com a entrega sem controle dos serviços públicos a empresas com fins lucrativo.

Um governo responsável, fiscal e socialmente, e transparente adotaria uma estratégia de desenvolvimento inclusivo e regras fiscais críveis para viabilizar as políticas sociais no ano que vem e nos próximos, emprestando ao orçamento público a previsibilidade que lhe tem sido negada por manobras e ficções usadas sem pudor.

Evocar a PEC 32/2020 da Reforma Administrativa, um verdadeiro marco institucional da corrupção, do clientelismo e do privatismo no serviço público, para justificar a PEC 23/2021 do furo improvisado do teto e do calote em precatórios, é Fake News da pior qualidade patrocinada pelo Ministro da Economia. Cancelem Já a (D)eforma Administrativa! Mudem Já a PEC do Calote!

Brasília, 26 de outubro de 2021

FONACATE – Fórum Nacional Permanente de Carreiras Típicas de Estado”

Servidores contra a PEC 23/2021 querem pagamento imediato de precatórios

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PEC dos Precatórios, que define o pagamento de dívidas antigas da União com a sociedade, entra em semana decisiva. O governo, segundo especialistas, pensa em “dar um calote” ou parcelar o pagamento. O argumento é de que o Executivo precisa ter mais recursos disponíveis para o auxílio emergencial ou para elevar o valor unitário do novo Bolsa Família, agora com o nome de Auxílio Brasil. Mas quem ja espera o dinheiro por décadas, tem pressa

Milhares de servidores estão na mesma situação da dona Terezinha (veja vídeo), abatidos com a possibilidade do calote nos precatórios, previsto na PEC 23/2021, informa o Fórum Nacional das Carreiras de Estado (Fonacate), No final de setembro, representantes do Fórum das Carreiras de Estado (Fonacate) e do Fórum das Entidades Nacionais dos Servidores Públicos Federais (Fonasefe) participaram de reunião virtual com a presidente da Comissão de Constituição, Justiça e de Cidadania (CCJC), deputada federal Bia Kicis (PSL/DF), para tratar da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 23/2021, conhecida como PEC dos Precatórios.

 

Durante o encontro, Bia Kicis anunciou que o deputado Darci de Matos (PSD/SC) será o relator da PEC 23 na CCJC. Ele também acompanhou a reunião, oportunidade em que as entidades apresentaram argumentos jurídicos, orçamentários e fiscais para requer que a proposta não seja acatada pela Comissão ou seja alterada, de forma a retirar os precatórios do teto de gastos.

A deputada, de acordo com as entidades, demonstrou sensibilidade em relação à causa, relatou episódios de sua atuação como procuradora no governo do Distrito Federal e a luta para honrar pagamentos de precatórios. Ela informou que vai se reunir com autoridades administrativas para avaliar as alternativas apresentadas. Já o deputado Darci de Matos se colocou à disposição para o diálogo.

O presidente do Fonacate, Rudinei Marques, observou que o teto de gastos trata de despesas previsíveis, o que não é o caso dos precatórios. Portanto, que a retirada dos precatórios do teto não significa desrespeito às regras fiscais, ao contrário, é um fator positivo por afastar a desconfiança do mercado, o que levaria ao aumento dos juros e da própria dívida pública.

“Levamos à presidência da CCJC argumentos técnicos no âmbito jurídico, fiscal e orçamentário, mas também alertamos para a questão social de pessoas já idosas que aguardam por décadas o desfecho das ações judiciais que originam os precatórios, e por tudo isso pedimos que a Comissão não acate a proposta. Para isso, apontamos alternativas, como a retirada dos precatórios do teto de gastos (EC 95)”, comentou Marques.

A PEC 23/2021 prevê o parcelamento de precatórios, inclusive alimentares, quando a soma total de todos os precatórios devidos pela União for superior a 2,6% da receita corrente líquida. Essa previsão impactaria o pagamento dessas dívidas já a partir do próximo ano.