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Economista da FGV diz que nem o governo atual nem o próximo conseguirão fazer o ajuste necessário nas contas públicas, cujo desarranjo segura o crescimento do país
ROSANA HESSEL
O governo está empenhado em aprovar a reforma da Previdência ainda neste mês, mas, mesmo que consiga, isso não resolverá o problema fiscal. Em artigo que será publicado na revista Conjuntura Econômica, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV), o economista e pesquisador Luiz Guilherme Schymura afirma que nem o governo atual nem o próximo conseguirão fazer o ajuste fiscal necessário para reverter o ritmo de degradação das contas públicas, que devem continuar registrando deficits primários até 2020.
“O quadro fiscal nunca esteve tão ruim e só não está pior porque o cenário externo é favorável, com juros baixos, pleno crescimento, pouco desemprego e sem pressões inflacionárias. Nessas condições, apesar do desequilíbrio fiscal, o capital externo continue entrando no país, porque o investidor busca taxa de retorno”, explicou Schymura em entrevista ao Correio.
“O ajuste fiscal será muito mais difícil do que se possa imaginar por conta dos grupos de interesses que agem para não pagar essa conta”, disse Schymura. Para ele, aprovar uma reforma previdenciária em ano eleitoral é muito difícil. “A reforma não tem efeito a curto prazo, mas, não ocorrendo agora, o ajuste fiscal será adiado em mais um ano”, completou.
Pelos cálculos de Schymura, se não houvesse desequilíbrio nas contas públicas, o Brasil conseguiria crescer, facilmente, 5% ao ano, porém, pelas estimativas do Ibre, o Produto Interno Bruto (PIB) deve avançar 2,7% em 2018. O economista reconhece que há uma retomada em curso, mas por conta do consumo, que voltou a crescer com o leve aumento do poder de compra dos brasileiros devido à inflação mais baixa. No entanto não há investimento na ampliação da capacidade produtiva. Pelas estimativas do Ibre, a taxa de investimento cairá 1,9% em 2018, depois do tombo de 10,9% em 2017.
Na avaliação do economista, o recente entusiasmo da bolsa de valores mostra que o mercado ainda não está dando a devida importância à gravidade do quadro fiscal. “O mercado torce para que o país se organize, porque todo mundo está atrás de retorno. Com a economia mais ou menos acertada, é possível ter uma taxa de retorno de 10% nos investimentos, em geral, mesmo com os juros em queda”, comentou, lembrando que a taxa básica da economia (Selic), de 6,75% ao ano, ainda é alta, se comparada com os juros norte-americanos, de 1,5%.
Schymura acredita que essa euforia pode estar com os dias contados. Ele lembrou que a preocupação com o quadro fiscal já se refletiu no rebaixamento do país feito em janeiro pela Standard & Poor’s (S&P). A agência criticou o ritmo lento das reformas estruturais e demonstrou preocupação com o avanço da dívida pública bruta, que, pelas contas da instituição, ultrapassará 80% do PIB neste ano.
Auditores do trabalho criticam artigo que prevê aviso prévio às empresas sobre ações de fiscalização. Votação fica para hoje
RODOLFO COSTA
A comissão especial da Câmara que examina o projeto do Código Comercial — proposta que estabelece normas para regular direitos e obrigações das empresas — adiou para hoje, às 9h, a votação da proposta, que deveria ter ocorrido ontem. O adiamento foi provocado por ação de uma força tarefa de servidores da Secretaria de Inspeção do Trabalho, do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), e de representantes do Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais do Trabalho (Sinait), que alertou deputados sobre artigos que retirariam a imprevisibilidade do trabalho das categorias, responsáveis por apurar irregularidades nas relações trabalhistas e nas condições de saúde e segurança dos trabalhadores.
Os auditores-fiscais ressaltam que o artigo 78, inserido nas últimas emendas feitas à proposta, prevê que as fiscalizações sejam comunicadas às empresas com antecedência mínima de dois dias úteis. Embora o parágrafo único da mesma norma estabeleça que uma decisão judicial pode retirar a necessidade de aviso antecipado, a categoria entende que a previsão de alerta fere dispositivos do Regulamento da Inspeção do Trabalho, que expressa, entre outros assuntos, a possibilidade de que as vistorias ocorram de maneira imprevista.
“É uma afronta ao trabalho dos auditores-fiscais que atinge diretamente o trabalhador. Da forma como está, a legislação está protegendo os valores econômicos, e não os da vida”, criticou Ana Palmira Arruda Camargo, diretora de Comunicação do Sinait. O presidente da comissão, deputado Laércio Oliveira (SD-SE), comprometeu-se a encaminhar as reivindicações da categoria ao relator, deputado Paes Landim (PTB-PI), que, por sua vez, avaliará a necessidade ou não de mudança no projeto. “Não queremos um texto tendencioso para um lado, nem para o outro”, declarou.
Entretanto, o deputado Laércio Oliveira deixou claro que não abrirá mão de promover novas sessões na comissão até que o texto seja votado. “Se não for hoje, tentarei novamente na próxima terça. Se necessário, continuarei insistindo na quarta, quinta… até conseguir”, afirmou.
Segurança
A novela envolvendo o novo Código Comercial é antiga. O texto é fruto do Projeto de Lei 1.572/11, que começou a ser debatido em 2012 na Câmara. Ao longo dos anos, a proposta foi amplamente discutida em audiências e seminários e, segundo o deputado Laércio Oliveira, recebeu até elogios de representantes do Banco Mundial, em uma das viagens internacionais realizadas para estudar meios de tornar a matéria mais robusta.
“Há muitos empresários e investidores nacionais e estrangeiros satisfeitos com a possibilidade de votação do código. Para eles, o projeto oferece tudo o que precisamos”, disse Oliveira. O entendimento dele é que a proposta garante mais segurança jurídica nas relações entre empresas. Atualmente, esses vínculos são regulados pelo Código Civil, de 2002.
O advogado especialista em direito comercial Fábio Ulhoa Coelho, professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), partilha da avaliação. “Diferentemente do Código Civil, que trata de famílias, locação de bens e imóveis, entre outros pontos, o projeto vai definir os princípios para regular a atividade econômica. A segurança jurídica virá porque possibilitará que os agentes jurídicos façam os conceitos valerem, de forma que contratos não sejam facilmente revistos e modificados por um juiz”, disse.
Há, entretanto, opiniões divergentes. O professor Otávio Yazbek, da Fundação Getúlio Vargas (FGV) em São Paulo, entende que o Código Civil tem base mais simples e suficiente para reger as relações comerciais. “É suficiente para dar conta. Precisa de mudanças? Sim. É o caso de corrigir. Mas criar um código comercial só vai gerar duplicidade de regras”, avaliou.
Debate no Correio
O Correio Braziliense não ficará de fora dos debates em torno do Código Comercial. O jornal vai sediar e mediar na próxima quinta-feira, a partir das 9h, um seminário sobre o tema. O evento ocorrerá no auditório do Correio e contará com a presença do diretor da Associação Brasileira de Direito e Economia (ABDE), Bruno Bodart, do presidente da Confederação Nacional dos Dirigentes Lojistas (CNDL), Honório Pinheiro, do secretário de Comércio e Serviços do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (Mdic), Marcelo Maia, e do relator do projeto, deputado federal José Francisco Paes. Landim (PTB-PI).
A União argumenta, por exemplo, que a Geap, sob gestão dos beneficiários do plano, corre o risco de insolvência ou liquidação, o que significaria seu fim. Será razoável pensar que os assistidos estariam interessados na extinção da autogestão que intermedeia o atendimento à saúde de seus familiares há tantas décadas?, questionam os autores do artigo
Eliane Cruz e Carlos Gandola*
Quem trabalha na área de saúde aprende a interpretar os sinais que apontam diagnósticos e tratamentos. Diagnósticos nem sempre precisos, tratamentos nem sempre disponíveis.
Desde a Constituição Federal de 1988, a saúde no Brasil vive o misto de atenção pública universal, representada pelo Sistema Único de Saúde (SUS), e de assistência suplementar, ofertada pelos planos de saúde.
No orçamento da União, a saúde é uma das maiores rubricas. O limite de gastos para 2016, antes dos cortes promovidos pelo governo provisório, era de R$ 91,5 bilhões. Além disso, mais de 60 milhões de brasileiros movimentam uma enormidade de recursos próprios para pagar planos de saúde individuais ou coletivos. Portanto, saúde é sim uma demanda objetiva da sociedade para viver mais e melhor.
Mesmo na área da saúde suplementar coexistem modelos diferenciados. Há as operadoras de perfil comercial, lucrativo e existem as que funcionam no sistema de autogestão, sem fins lucrativos, onde tudo que é arrecadado é aplicado na assistência à saúde dos assistidos. Este é o modelo da Geap Autogestão em Saúde, a operadora de plano de saúde mais comum entre os servidores públicos federais.
Nestes últimos dias, uma disputa judicial tomou a gestão da Geap e os assistidos se veem imersos em um clima de incertezas. Na guerra de argumentos estão embutidos, explicita ou implicitamente, os interesses de cada parte, histórico desse plano e os objetivos e projetos futuros que mobilizam os atores envolvidos no processo. É preciso analisar com cuidado e atenção as razões que têm sido alardeadas em defesa de que a União assuma a administração da operadora, tendo mais peso nas decisões que os beneficiários que efetivamente pagam pelo plano.
A União argumenta, por exemplo, que a Geap, sob gestão dos beneficiários do plano, corre o risco de insolvência ou liquidação, o que significaria seu fim. Será razoável pensar que os assistidos estariam interessados na extinção da autogestão que intermedeia o atendimento à saúde de seus familiares há tantas décadas?
Analisemos de perto esta argumentação e os verdadeiros interesses por trás dela. Haveria motivos razoáveis para uma intervenção da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) na Geap? O regime de Direção Fiscal por parte da ANS, que vigora na Geap neste momento, não foi motivado pela situação econômico-financeira atual da empresa, mas em função de problemas nas demonstrações financeiras de 2013, contabilizadas de forma equivocada e que precisaram passar pela avaliação de duas auditorias internacionais até sua correção.
Antes de detalhar os erros do balanço patrimonial da Geap que repercutiram no desenquadramento contábil da empresa, façamos uma pausa para um breve resgate histórico da conturbada gestão administrativa da Geap no ano de 2013. A empresa passou por três direções diferentes num único exercício. Nos primeiros três meses daquele ano, a então Geap Fundação de Seguridade Social foi dirigida por um diretor executivo substituto. De março a outubro, a gestão esteve sob intervenção da ANS e PREVIC. Coube ao interventor, indicado pela União, comandar a segregação da Fundação em duas empresas distintas: Geap Autogestão em Saúde e Geap Previdência (que permanece sob intervenção). De outubro a dezembro, um novo diretor executivo. Todos esses gestores (diretores e interventor) indicados pela União.
Não seria absurdo prever que um ano tão conturbado administrativamente resultasse em um balanço patrimonial falho também. Esse erro somente foi descoberto em 2015, quando da avaliação das demonstrações financeiras de 2014 por uma auditoria externa. Os auditores internacionais observaram um grave desencontro entre os dois últimos balanços financeiros e contábeis da empresa (2013/2014) devido ao não provisionamento de recursos para custas judiciais. O não provisionamento destas despesas era uma prática estabelecida por anos na empresa, mas que a partir de 2015 passou a ser registrada nos balanços feitos pela gestão do período. Ressalta-se que essa distorção não foi detectada nem mesmo pelos interventores de 2013.
Essa soma de desinformações contábeis é que determinaram a atual Direção Fiscal na Geap pela agência reguladora, com o objetivo de acompanhar mais de perto a gestão financeira da empresa. Desde outubro de 2015, a Geap vem atendendo as demandas do diretor fiscal da ANS de maneira qualificada e responsável, atendendo rigorosamente a provisão de reservas técnicas determinadas pela agência reguladora.
A partir de maio de 2016, a Geap passou a ter na presidência do seu colegiado administrativo um representante dos beneficiários. Sob comando dos assistidos, a empresa tem trabalhado mediante condições adequadas de recepção dos recursos financeiros e remuneração da rede de prestadores de serviços. Essa é a função de uma autogestão.
O Programa de Saneamento econômico-financeiro determinado pela Direção Fiscal também vem sendo cumprido à risca.
O que motivaria, então, a intervenção ou liquidação da Geap, se não há justificativa nos números atualizados?
Inconformado com a perda de poder na empresa que gerencia o principal plano de saúde dos servidores públicos federais, com receitas em torno de R$ 4 bilhões ano, o Governo Temer judicializou a questão, e tem conseguido liminares favoráveis fundamentadas em interpretações falsas sobre os dados contábeis da Geap, divulgando rombos que não existem.
Seria razoável acreditar que um órgão independente como a ANS decretaria uma direção técnica na Geap sem respaldo apenas para atender uma demanda política? Para isso, teria dedesconsiderar, de forma deliberada, o perfeito enquadramento da Geap, demonstrado em vários aspectos: nas reservas técnicas depositadas nos prazos; no pagamento programado, e em dia, da rede de prestadores de serviços; no desempenho positivo no índice de desenvolvimento da saúde suplementar, principal indicador da ANS sobre a assistência prestada pelos planos de saúde (a nota mais recente da Geap é 0,65, sendo 1 a pontuação máxima); e na redução gradativa do número de reclamações de beneficiários (a última nota da Geap no índice geral de reclamações da ANS foi 1, sendo 0 a melhor e 3 a pior). Isso sem contar o os avanços da Geap no fomento aos programas de promoção à saúde, como incentivo ao parto adequado, reconhecidos e aprovados pela referida agência.
Cremos que a ANS, um órgão regulador maduro e independente, não cairia neste embuste de desconsiderar suas próprias avaliações em detrimento de ilações, sem fundamentação, de rombos e déficits fictícios.
Outro argumento que vem sendo apontado para criticar a gestão dos beneficiários é a proposta de revisão do índice de reajuste dos planos da Geap, dos atuais 37,55% para 20%. A União alega que esta redução promoveria sérios rombos financeiros na empresa. Aí, identificamos novamente uma falácia.
Ao contrário do que tem sido alardeado de forma leviana, a proposta de revisão de reajuste foi apresentada na tentativa de garantir que os atuais beneficiários se mantivessem na carteira geapeana. A verdade dos fatos é que, neste momento, 40% dos beneficiários dos planos Geap têm mais de 60 anos e não conseguiriam aderir a outros planos de saúde em valores praticados pelo mercado. Dada a média de salário dos servidores, em torno de R$ 2.700 – a maioria oriundos das carreiras PST (Previdência, Saúde e Trabalho) e PGPE (Plano Geral do Poder Executivo), boa parte dos assistidos da Geap têm dispensado mais de 30% de seus proventos com o custeio do plano de saúde.
Em tempos de desemprego, os servidores públicos com estabilidade são os principais arrimos de família e a despesa com saúde acaba tendo que sair do orçamento. O reajuste da Geap em 37,55% acabou determinando que muitos servidores precisassem fazer a difícil escolha de abrir mão do plano que sustentam desde seu ingresso no serviço público.
Muitos certamente gostariam de poder voltar para a Geap num outro momento, mas infelizmente não poderão, pois existem liminar no Supremo Tribunal Federal (STF) e medida cautelar do Tribunal de Contas da União proibindo a captação de beneficiários entre as 130 patrocinadoras da Geap (ministérios, empresas e outros) ligadas ao próprio governo federal.
Mas o que justificaria a existência de medidas judiciais proibindo captação de clientes por parte da Geap? Ambos os tribunais afirmam “de pés juntos” que a Geap é uma empresa privada e, por isso, questionam o Convenio Único estabelecido entre a operadora e o Ministério do Planejamento, em 2013. As alegações apresentadas nestes processos afirmam que a Geap, sendo uma empresa privada, deveria concorrer pela captação de clientes entre os servidores públicos federais na mesma proporção que outros planos de saúde. Tal concorrência seria positiva para a Geap, por praticar preços em média 40% mais baixos que outros planos similares do mercado. No entanto, apesar da procura entre os servidores públicos, a Geap está impedida de inscrever novos beneficiários.
Isso posto, vejam o paradoxo: a Geap é considerada empresa privada pelo STF e TCU e chamada de Fundação de Seguridade Social pelos conselheiros que supostamente representam o governo federal no Conselho de Administração da operadora, neste momento. Sob o falso argumento de que a Geap seria uma fundação pública requerem para si a condição de gerir o plano, mediante liminares apresentadas ao Tribunal Regional Federal, na última semana.
Mas, afinal, por que a União tem interesse em intervir na Geap?
Entre 2009 e 2010, o repasse de recursos do orçamento público para a antiga Fundação de Seguridade Social foi interrompido e cada servidor passou a contar com um auxílio saúde que poderia ser destinado ao plano pelo qual optassem ou para nenhum plano de saúde. Neste período, numa incrível coincidência, os servidores públicos federais passaram a receber correspondências de planos de saúde em suas residências, com informações do cadastro de servidores do governo federal, oferecendo planos de saúde da Aliança Administradora de Benefícios de Saúde. Mesmo com essa ação ostensiva de publicidade, a maioria dos servidores quis permanecer na Geap. Então, em 2013, os planos de saúde lucrativos, mobilizados pela Golden Cross e por meio do Conselho Federal da OAB, optaram pela judicialização, impedindo, assim, que a Geap crescesse.
Além das já descritas, outra ameaça infundada que paira sobre a Geap amedrontando os beneficiários do plano é a de que o governo suspenderia o Convênio Único, entre Ministério do Planejamento e a operadora, sob alegação de que não há julgamento por parte do STF sob o referido convênio. Tal decisão consistiria em improbidade administrativa já que o objeto desse convênio é consignar no contracheque do servidor a mensalidade do beneficiário à Geap, juntando neste valor o auxílio saúde a que o servidor federal tem direito. Ressalte-se que este desconto em contracheque somente pode ser efetivado por escolha do servidor. Em março de 2016, 77% dos recursos financeiros da Geap vieram das mensalidades descontadas da remuneração do servidor e 23% do auxílio saúde – direito do servidor. Portanto, 100% dos recursos que mantêm a Geap são dos beneficiários. Assim, também é falsa a alegação de aporte de recursos da União para sustentar a Geap.
Mas os servidores precisam estar atentos porque, na atual conjuntura política precária em que todo o tipo de retrocesso se tornou possível, o rompimento do Convênio Único pode acontecer como mais uma ação de imobilização da Geap, com objetivo sórdido de inviabilizar a administração desta autogestão ora sob condução dos beneficiários.
E qual seria, na prática, o resultado desta ação orquestrada da União contra a Geap, nas várias frentes já citadas (combate à revisão do reajuste; apoio à publicidade dos planos de saúde privados e lucrativos sem definir por um modelo transparente de concorrência pública; decisões judiciais impedindo o ingresso de novos beneficiários; ameaças de intervenção da ANS e de rompimento do Convênio Único; questionamento judicial da gestão exercida pelos beneficiários)?
Vejamos: com o fim da Geap, os idosos que representam quase metade da carteira fatalmente seguiriam para o Sistema Único de Saúde por não terem condições de arcar com as opções do mercado. Temos certeza que seriam bem acolhidos, mas o orçamento público da União, somado aos orçamentos de estados e municípios, precisaria triplicar para aproximar-se do orçamento da vizinha Argentina, ou crescer em 10 vezes para aproximar-se do orçamento de países como Inglaterra ou França, e assim atender minimamente ou adequadamente toda a população brasileira.
Se o plano irresponsável do governo interino para acabar com a Geap for bem-sucedido, em pouco tempo cerca de 200 mil geapeanos, com mais de 60 anos, que hoje são atendidos na autogestão, estarão às portas do SUS.
Rompe-se, assim, o princípio de solidariedade intergeracional de uma autogestão como a Geap, em que o custeio do plano é distribuído entre as faixas etárias de forma a não onerar demais os mais idosos.
A outra parte da carteira, composta pelos mais jovens, será atraída por planos mais baratos (especialmente as faixas etárias iniciais que utilizam muito pouco os serviços) de operadoras lucrativos como Qualicorp, Hapvida, One Health, Allianz, entreoutros, seguindo a PEC 451 de Eduardo Cunha (PMDB/RJ)*, que contrapõe o SUS com a proposta de planos de saúde privados para todos os trabalhadores.
Desta forma, retornaremos precariamente aos atendimentos de saúde da década de 1980, onde quem tinha carteira assinada era atendido e os que não tinham seguiam para serviços beneficentes. Esses planos lucrativos, que ora se apresentam, são fortalecidos pela facilitação da entrada de capital internacional na assistência à saúde no Brasil**, que cartelizará toda a rede de saúde do país.
Portanto, a demolição de uma autogestão sem fins lucrativos que cuida da saúde de 600 mil vidas atende a muitos interesses, exceto os interesses dos atuais beneficiários.
***Eliane Cruz
Assistente Social, Mestre em Direitos Humanos e Cidadania e Doutoranda de Bioética/UnB.
Carlos Gandola
Presidente da FENADADOS