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Equipe de alunas da USP é premiada em desafio internacional da Arizona State University e pela empresa social Devex. Competição reconheceu a proposta de quatro garotas que estudam ciências de computação em São Carlos. Assim que nasceu o ABC, um projeto de aplicativo que já tem até um mascote, Beto, criado por Ana Laura. A ideia é que, por meio de vídeos e dicas, Beto ajude o público a navegar pelo alfabeto de novos conhecimentos
Fotos: divulgação ICMC/USP
Como tudo começou
O projeto de criar uma solução para contribuir com a alfabetização de adultos tem data de nascimento. Surgiu nos dias 17 e 18 de outubro, durante o SheHacksBr, um desafio de tecnologia para universitárias.
Um pouco antes do evento, Luísa Moura e as outras três estudantes de Ciências de Computação do ICMC – Ana Laura Chioca Vieira, Marina Machado e Luiza Machado – combinaram que formariam uma equipe para participar do desafio. No evento, descobriram que o objetivo era criar uma ferramenta tecnológica para melhorar a qualidade de vida da população.
“Inicialmente, a gente pensou em desenvolver algo para estimular a realização de exercícios físicos na quarentena. Mas é uma coisa que já existe e queríamos sair da nossa bolha de privilégios”, conta Luísa. “Então, decidimos fazer algo que tivesse um impacto verdadeiro na sociedade. E durante uma reunião de brainstorm, que é o famoso toró de ideias, apareceu a questão do analfabetismo”, completa Marina.
Mas como criar um aplicativo para promover a alfabetização? Será que esse público usa celular? Para esclarecer as dúvidas, as garotas foram consultar pedagogas e investigar o tema. Encontraram diversas pesquisas sobre o assunto e dados mostrando, por exemplo, que cerca de 86% dos analfabetos funcionais usam o WhatsApp, especialmente porque têm a opção de enviar mensagens de voz.
Outro achado foi um estudo coordenado pelo pesquisador Ricardo Paes de Barros, do Instituto de Ensino e Pesquisa Insper, que mensurou o índice de qualidade de vida da população brasileira. O índice considera que, quanto mais próximo de 100%, melhor é a qualidade de vida do indivíduo. Para adultos que não concluíram a educação básica, mas plenamente alfabetizados, o índice chega a 77%. Já para aqueles que não aprenderam a ler e escrever, o percentual cai para 43%.
Durante a busca, a equipe também descobriu que o processo de alfabetização de adultos não é idêntico ao das crianças. “Quem aprendeu a ler e escrever desde pequeno não consegue enxergar que esse processo de aprendizagem se torna um grande desafio quando você é adulto”, diz Luiza Machado.
Em suas buscas, a equipe se deparou com o método de alfabetização criado por Paulo Freire, amplamente reconhecido mundo afora, e começou a vislumbrar as possibilidades para criar um aplicativo que favorecesse a aprendizagem significativa, relevante para o contexto de cada pessoa, sem infantilizar o processo. “A proposta é que os usuários possam aprender escolhendo as lições segundo seus temas de interesse”, conta a estudante.
Foi assim que nasceu o ABC, um projeto de aplicativo que já tem até um mascote, Beto, criado por Ana Laura. A ideia é que, por meio de vídeos e dicas, Beto ajude o público a navegar pelo alfabeto de novos conhecimentos. Ao longo do caminho, será possível também avaliar o progresso do aprendizado respondendo a questões (quiz) e realizando exercícios.
Já imaginou como seria sua vida se você não soubesse ler e escrever? Essas quatro estudantes do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da USP, em São Carlos, não só imaginaram essa situação como resolveram pesquisar os impactos do analfabetismo na qualidade de vida dos cerca de 750 milhões de adultos que vivem hoje no mundo sem poder ler nem escrever.
“Descobrimos que é um privilégio saber ler e escrever desde pequeno”, diz a estudante Luísa Moura, que cursa Ciências de Computação no ICMC. Os impactos do analfabetismo vão desde a diminuição na renda familiar e a redução na prática de exercícios físicos até uma menor probabilidade das crianças da família alcançarem um alto nível educacional.
Para democratizar o acesso aos conhecimentos básicos que habilitam a plena leitura e a escrita, Luísa e mais três alunas do ICMC decidiram propor a criação de um aplicativo para celular especialmente para atender aos 62 milhões de adultos brasileiros que são funcionalmente analfabetos: pessoas que podem ler sentenças curtas, escrever o próprio nome, mas são incapazes de ler livros.
A solução também poderá ser útil para os demais 11 milhões de adultos brasileiros que são completamente analfabetos, ou seja, não conseguem ler ou escrever nem uma palavra. Nesse caso, eles provavelmente precisarão de algum tipo de apoio – de familiares ou de professores – para utilizar o aplicativo.
A proposta conquistou o primeiro lugar na categoria “comunicação de impacto” durante uma competição internacional promovida pela Arizona State University e pela empresa social Devex em dezembro. O reconhecimento surpreendeu o time feminino e lançou um desafio adicional para essas quatro garotas em 2021: fazer a ideia premiada ser colocada em prática, quer dizer, desenvolver o aplicativo e disponibilizá-lo para o público-alvo.
Você pode ajudar
A proposta criada pelas garotas em outubro conquistou o terceiro lugar no SheHacksBr. Devido ao bom resultado, elas foram uma das quatro equipes convidadas pela Agência USP de Inovação a participar da competição internacional da Arizona State University e pela Devex em dezembro.
Para enfrentar o novo desafio, a equipe aprimorou a proposta inicial adicionando mais dados e informações globais sobre analfabetismo e preparou uma apresentação em inglês (pitch), que está disponível no Youtube. Os jurados também realizaram uma entrevista, a distância e em inglês, com Ana Laura.
Tal como todo o processo, por meio da web, as quatro garotas relataram essa história de sucesso via videoconferência. Era 17 de dezembro e elas estavam entusiasmadas com a chegada de 2021 e a possibilidade de seguir adiante.
Ana Laura falava de São Carlos, enquanto Marina e Luiza conectavam-se de suas respectivas casas em Aracaju e Luísa Moura estava em Itiruçu, no interior da Bahia. Na tela, enquanto as quatro se revezavam falando, ficava nítida a sintonia da equipe que, pela primeira vez, trabalhou junto, superando as distâncias.
Luísa contou que, para avaliar a ideia do aplicativo, enviou a apresentação da proposta a um amigo que mora em Vitória da Conquista, também na Bahia. Filho de uma mãe analfabeta, o rapaz assistiu ao vídeo e chorou. Disse para Luísa que adoraria ter um aplicativo como o ABC e ajudar a mãe a aprender.
Para atender à necessidade do amigo e de tantos outros analfabetos, essas quatro garotas têm uma longa jornada pela frente em 2021. Todo o apoio é bem-vindo, especialmente de especialistas na área de educação e de mentores que já passaram pela experiência de desenvolver um aplicativo. Para contribuir, basta enviar um e-mail para aplicativoabc@gmail.com.
Fonte: Denise Casatti – Assessoria de Comunicação do ICMC/USP
José Pio Martins*
Uma tribo indígena, sem contato com a civilização, tem um padrão de consumo – logo, de bem-estar – exatamente igual ao padrão proporcionado pela quantidade de frutas, animais e peixes que seus membros conseguem coletar, caçar e pescar. Se essa tribo tiver conhecimento de agricultura, ela poderá obter também milho e mandioca e melhorar seu padrão de vida conforme o produto de seu próprio trabalho e de sua eficiência produtiva.
O padrão de vida da tribo será igual à produção feita por metade de seus membros, pois em geral nos agrupamentos humanos – uma tribo, uma comunidade, uma nação –, metade dos membros não são aptos a produzir, embora sejam consumidores; são as crianças, os doentes, os idosos, os aposentados, etc. Com um país não é diferente, ressalvadas algumas complicações decorrentes da complexidade de sua economia em razão da tecnologia e do imenso número de itens de bens e serviços.
Como o país é mais complexo que uma tribo, existem as leis de convivência social, o Estado e seu braço executivo, o governo, as estruturas burocráticas, os palácios, as mordomias, as sinecuras e todo aparato estatal dos três poderes.
Para sustentar tudo isso, o governo é autorizado a “tomar” uma parte do que é produzido pelos habitantes e, no Brasil, essa fatia já passa dos 35%, que é carga tributária para pagar os serviços coletivos (justiça, segurança, saúde, educação, defesa nacional etc.), os investimentos públicos e distribuir um pouco aos pobres em forma de programas sociais. Mas os homens da máquina governamental são espertos e primeiro pagam a si mesmos, geralmente com salários, vantagens e aposentadorias a valores médios maiores do que os valores médios da população.
Pelas razões acima, o Instituto de Pesquisa Econômica (Ipea), órgão do governo federal, já publicou estudos mostrando que o setor público piora a distribuição de renda. Outro ponto é o seguinte: imagine que os membros da tribo possam se aposentar com idade de 53 anos e vivam 75 anos na média; logo, recebendo durante 22 anos a mesma cota de comida que tinham quando trabalhavam. Se a produtividade (produção por hora de trabalho) for sempre a mesma, o padrão de vida cairá. Assim é a previdência social.
Essas lições simples de economia – que, para conhecer, é necessário estudar – estão na base das políticas e ações para superar a ineficiência produtiva, consertar os dois sistemas de previdência e vencer a pobreza. Infelizmente, os membros do parlamento, com as exceções de praxe, não revelam conhecimentos dessas questões, e a maioria parece nem se interessar muito em estudar, pesquisar e aprender.
Certa vez disseram a Derek Bok, professor de Harvard, que a educação estava cara, ao que ele respondeu: “Se você acha que a educação é cara, experimente a ignorância”. Pois o Brasil vem fazendo isso há muito, e o ônus da ignorância aí está. Um país rico de recursos (naturais) e pobre de riquezas (recursos transformados em artigos consumíveis).