OAB e a decisão histórica sobre a equidade racial e a paridade de gênero

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“A população negra e as mulheres, atualmente, pouco ocupam cargos no sistema político da Ordem e, em algumas seccionais e subseções, não ocupam lugar algum, sendo o quadro de ausência da advocacia negra sensivelmente mais gravoso quando comparado a mulheres brancas e não negras”

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Eliane Pereira, Isabela Damasceno, Maíra Vida, Rosana Rufino e Zaira Castro*

Vimos, ao longo deste ano, que a tentativa secular do Estado, de grupos que partilham privilégios sociais e das instituições de preterirem as questões raciais, supostamente, sob latência, fracassou diante da efervescência dos conflitos raciais no Brasil e no mundo e, agora, visibilizados pela grande mídia. A democracia racial nunca foi uma realidade em nosso país e a “miscigenação”, sempre suscitada com a finalidade de silenciar vivências negras e minimizar as sequelas do racismo, apenas serviu para respaldar a ideia de raça e hierarquia racial na sociedade.

Por 90 anos não vimos Luiz Gama e Esperança Garcia compondo o colegiado da OAB, senão em participações episódicas e festivas advindas de homenagens recentes. E foi sob a inspiração desses juristas, e de tantas outras que abriram caminhos de resistência negra e foram agentes de mudança social, que advogadas negras e advogados negros de todas as regiões do Brasil organizaram um movimento popular para deslocar a discussão sobre cotas raciais e paridade de gênero, da cúpula administrativa da OAB nacional, para toda a sociedade. A advocacia negra tem vocalizado suas demandas há décadas e não admitiria deixar de ser ouvida e considerada no julgamento de temas que interferem diretamente na sua vida e exercício profissional, haja vista corresponderem a formação da representação institucional da categoria.

Após o resultado da deliberação do Colégio de Presidentes da OAB (01 de dezembro deste ano) e da recomendação de reserva de cotas de 15% e paridade de gênero, as bases da advocacia negra, que se reconhecem, rapidamente, se mobilizaram para pensar em uma OAB inclusiva e equânime para já, a fim de se somar a lutas anteriores que (nos) construíram juristas possíveis. O julgamento das duas pautas se avizinhava (14 de dezembro) e questões como o princípio da anualidade, plebiscito, proporcionalidade e censo estavam sendo suscitadas como óbices, em potencial, à imediatidade das ações afirmativas em análise.

A decisão em torno de uma reação foi unânime porque, em sua composição orgânica, a OAB não espelha a sociedade. A população negra e as mulheres, atualmente, pouco ocupam cargos no sistema político da Ordem e, em algumas seccionais e subseções, não ocupam lugar algum, sendo o quadro de ausência da advocacia negra sensivelmente mais gravoso quando comparado a mulheres brancas e não negras.

Produzimos a muitas dezenas de mãos a Nota do Movimento de Juristas Negras e Negros do Brasil Sobre Cotas Raciais e Paridade de Gênero no Sistema OAB com o intuito de avaliar o cenário e as perspectivas, mas, sobretudo, para demarcar a nossa posição de defesa intransigente da paridade de gênero e da reserva de cotas raciais de 30%, no tocante aos cargos diretivos da Ordem, afirmando a impossibilidade de fracionamento destas pautas.

A mobilização de abrangência nacional do movimento popular de juristas negras e negros seguiu fortalecida pelo apoio de 45 entidades de grande relevância social, representantes da advocacia negra, a exemplo do Instituto da Advocacia Negra Brasileira, organizações do movimento negro, como a Coalizão Negra por Direitos e instituições mistas, jurídicas e não jurídicas. A sociedade foi conclamada a declarar que “enquanto houver racismo não haverá democracia” e ouviu o chamado, nos apoiando intensamente e, mesmo sem recursos e tempo hábil, alcançamos mais de 1600 assinaturas na petição pública, na qual convertemos a Nota Técnica.

No dia 09 de dezembro encaminhamos um Ofício ao CFOAB reivindicando a cobertura e transmissão da sessão plenária do Conselho Federal da OAB que discutiria paridade de gênero e equidade racial pelo canal no Youtube da OAB Nacional, em razão da não transmissão do Colégio de Presidentes que discutiu acaloradamente os temas. Requisitamos, também, naquela oportunidade, a concessão de oportunidade para que juristas negras e negros que representam as bases do sistema OAB pudessem sustentar razões e exposição dos motivos que deveriam conduzir o CFOAB ao acolhimento integral dos pleitos de paridade de gênero e cotas raciais de 30%.

A OAB foi defensora das cotas no Judiciário, atuou na ADPF 186, tem em sua estrutura Comissão de Direitos Humanos, Comissão da Igualdade Racial e Comissão da Verdade da Escravidão Negra. Está previsto, no Estatuto da Advocacia e da OAB, a defesa da Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático de direito, os direitos humanos e a justiça social, que atravessa, necessariamente, a dimensão racial. Ora, a adoção de uma política afirmativa no sistema referenda o que está previsto em sua normativa, que há muito aponta para um caminho de enfrentamento ao abismo entre negros e não negros dentro da instituição. A OAB é um espaço real de poder que interessa para o povo negro e que deveria ser ocupado pela advocacia negra militante, sem tardança, sem ressalvas quanto aos cargos, extensivo às subseções.

A advogada e pesquisadora Tatiana Emília Dias (2020), da UFBA, apresenta uma provocação assertiva sobre a ausência de pessoas negras em ambientes deliberativos e decisórios: “Quando as pessoas me perguntam ‘por que os negros têm dificuldade em ocupar espaços de poder?’, eu inverto a questão: Por que as instituições têm dificuldades em dar acesso às pessoas negras?”.

É um direito fundamental da advocacia negra ocupar cargos decisórios na OAB, tanto quanto é um dever da instituição garanti-los. Tal ação seria uma medida concreta contra o racismo institucional e implicaria num ineditismo dentro do sistema da OAB, e do sistema de justiça. Trata-se de prática antirracista enunciando uma mudança do perfil atual de representação majoritário, que produz e reproduz desigualdades. E foi nesse contexto que o Movimento de Juristas Negras e Negros reafirmou o pleito de 30% de cota racial e de paridade de gênero como inegociáveis, aludindo a Carta das Juristas Negras entregue à Diretoria da OAB, na III Conferência Nacional da Mulher Advogada, documento que muitas integrantes do Movimento de Juristas Negras e Negros contribuíram com a elaboração e subscreveu.

Na sessão de julgamento (14), o Relator do item de cotas, o Conselheiro Federal (ES), Jedson Marchesi Maioli votou pela fixação de 30% de cotas em caráter transitório condicionado ao censo que indicaria os percentuais a serem incorporados em definitivo para as seccionais e subseções e com vigência a partir 2024, devido a anualidade. Ao longo dos debates o relator reorientou seu voto para a proposta de 20% de cotas raciais. O Conselheiro Federal (CE) André Costa abriu a divergência apresentando a proposta de 30% de cotas, como mínimo, durante 10 mandatos (30 anos), para todas as instâncias da OAB.

O Movimento de Juristas Negras e Negros promoveu sustentação oral na pauta sobre cotas raciais através do advogado Hédio Silva Jr, que elencou os marcos legais, precedentes judiciais e ativismo da OAB que deveriam compelir o Conselho Federal à definição de reserva mínima de 30%, enquanto a advogada Maíra Vida fez um breve histórico das lutas negras com incidência no sistema de justiça e na própria OAB, na experiência da advocacia negra e do movimento negro e as razões jurídicas para o afastamento do princípio da anualidade, vinculação das cotas ao censo ou à lógica de proporcionalidade.

A questão acerca da anualidade, tanto sobre as cotas quanto sobre a paridade, foi votada destacada do mérito e, com isso, o princípio da anterioridade foi afastado, garantindo aplicação imediata das ações afirmativas, caso julgadas favoravelmente.

À exceção das seccionais do MT, MS, PR, PA e ES, que votaram por 20% de cotas, todas as demais seccionais votaram a favor do percentual de 30% de reserva de cotas raciais. Quanto a perenidade da cota de 30%, as seccionais do PR, SC, AP, ES, GO, MS e PB votaram pelo censo como condicionante de aferição da proporcionalidade, em detrimento da proposta de 10 mandatos, elegendo a proposta do Conselheiro Federal (RJ) Siqueira Castro para o trato das situações de exceção.

O Conselheiro Federal (SC) Fábio Jeremias, relator do item de paridade de gênero, acolheu inteiramente a proposta paridade. A votação, por maioria, não se confirmou unânime em virtude da oposição da seccional da PB.

O racismo institucional, que naturaliza as hierarquizações raciais no âmbito das instituições, consiste num padrão de reprodução cotidiana perpetuada por agentes públicos e privados, tanto silente quanto ruidosamente.

O dia 14 de dezembro de 2020 entra para a história das lutas negras e para a história da OAB, que admitiu a necessidade de enegrecimento, a começar por se abrir à escuta de vozes insurgentes e contramajoritárias que integram a advocacia: foi assim que o Conselho Federal decidiu que será lembrado após o término da gestão 2019-2021.

Agora, estamos diante de um universo de desafios e possibilidades, novas propostas, métodos, conhecimentos e competências a serem explorados pela nossa instituição de classe. A presença de interlocutoras negras e interlocutores negros no sistema OAB vai ser uma realidade que diminuirá a dor de estar à margem. Seguiremos com o compromisso de acompanhar e monitorar a regulamentação e implemento das ações afirmativas atinentes às cotas raciais e paridade de gênero no sistema OAB.

*Eliane Pereira, Isabela Damasceno, Maíra Vida, Rosana Rufino e Zaira Castro – Advogadas e integrantes do Movimento Juristas Negras e Negros do Brasil

Proibição de grávida em atividade insalubre prejudica concorrência com homens, dizem advogadas

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A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), por 10 votos a 1, de proibir que grávidas e lactantes exerçam atividades consideradas insalubres — independentemente de apresentação de atestado médico — prejudica a mulher no mercado de trabalho. Essa é a avaliação de advogadas especializadas no tema. Elas acreditam que qualquer medida de proteção ao trabalho da mulher “só será efetiva se, juntamente com esta, forem implementadas políticas públicas de incentivo à contratação feminina”

A ação julgada na quarta-feira (29) foi apresentada em abril de 2018 pela Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos. A entidade questionava o trecho da reforma trabalhista aprovada em 2017 pelo Congresso Nacional que permitia o exercício das funções consideradas nocivas às mulheres.

Barbara Priscila, especialista em Direito Trabalhista do Nelson Wilians e Advogados Associados, concorda com o voto do ministro Marco Aurélio Mello, único a considerar a norma constitucional. “O ministro considerou razoável a obrigação de apresentação de atestado médico, comprovando a necessidade de afastamento da funcionária do seu ambiente de trabalho, dependendo de suas condições. Ele ponderou ainda que, com um tratamento diferenciado às mulheres, poderá haver maiores obstáculos em suas contratações, pois os empregadores podem começar a evitar a contratação de pessoas do sexo feminino”, avalia.

Ainda de acordo com Barbara Priscilla, a norma aprovada no governo Temer não trazia riscos à gestante ou ao nascituro por exigir apenas a apresentação de atestado em casos que fosse necessário o afastamento. “A reforma trabalhista buscou com referida norma minimizar as diferenças entabuladas entre homens e mulheres, aumentando assim a competitividade desta no mercado de trabalho, ao passo que o STF tutelou a saúde do nascituro por se tratar de direito indisponível. Em que pese a decisão do STF, perdura a preocupação com a represália na contratação de pessoas do sexo feminino nos segmentos que possuem atividades em ambiente insalubre, por menor que seja o risco”, opina.

Mariana Machado Pedroso, especialista em Direito e Processo do Trabalho e sócia responsável pela área trabalhista do Chenut Oliveira Santiago Advogados, considera a decisão do STF como a primeira derrota da reforma, implementada há dois anos. “Em que pese a indubitável intenção do legislador de proteger a maternidade e o nascituro, cria-se, como desagradável consequência, mais um entrave a ser utilizado pelos empregadores para evitar a contratação de mulheres”, afirma.

A advogada observa que toda e qualquer medida de proteção ao trabalho da mulher “só será efetiva se, juntamente com esta, forem implementadas políticas públicas de incentivo à contratação feminina”. “Do contrário, em vez de protegê-las, será mais um passo para reduzir sua participação no mercado de trabalho”, analisa.

Mariana Machado destaca que o julgamento se restringiu à obrigação criada pela reforma trabalhista para que gestantes e lactantes apresentassem atestado médico antes do afastamento das atividades.

Ministros ressaltaram durante a sessão que a Constituição Federal já garante proteção à dignidade humana, à maternidade e aos direitos do nascituro e recém-nascido lactente, tornando dispensável a apresentação de qualquer documento pela trabalhadora grávida.

Promotoras criam movimento por direitos iguais

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O primeiro encontro do movimento será entre os dias 25 e 26 de maio de 2018. Promotoras, advogadas, defensoras públicas e juízas chamam atenção para a desigualdade material entre homens e mulheres nas instituições públicas e clamam por políticas institucionais pela igualdade de gênero

Em busca de maior representatividade feminina em suas respectivas instituições, advogadas, defensoras públicas e juízas começam a se mobilizar em todo o país. Nesta terça-feira (17) foi apresentado o documento inicial de criação do Movimento Nacional de Mulheres do Ministério Público. De acordo com o documento, o objetivo do movimento é a união de esforços para formular e implementar ações voltadas à valorização da mulher membro do Ministério Público. O documento chama a atenção também para a existência de “desigualdade material entre homens e mulheres no âmbito das instituições públicas, que justificam a necessária formulação de políticas institucionais de promoção de igualdade de gênero”.

Até então, essa movimentação vinha sendo feita por promotoras e procuradoras de Justiça nos seus respectivos Estados por meio de iniciativas isoladas, nem sempre de conhecimento geral.

“Já chegou a hora de unir forças, mostrar nosso trabalho e ocupar nosso espaço. Uma voz pode não dizer muito, mas muitas vozes fazem eco. Se luto tanto por todas as mulheres no meu dia a dia, por que não lutar por nós?”, pergunta a promotora Gabriela Manssur, de São Paulo. “Por muito tempo me incomodei com a falta de representatividade, de valorização do nosso trabalho, da falta de mulheres em bancas, eventos, congressos, cursos. Mas meu silêncio me incomodou mais.  Não se trata de nenhum movimento político, mas de união de esforços e valorização das mulheres nas carreiras públicas. A hora é agora. Amanhã haverá mais de nós”.

Para a promotora Erica Canuto, do Rio Grande do Norte, “o Movimento Nacional de Mulheres do Ministério Público é um espaço de fala e protagonismo apolítico, que tem por objetivo estabelecer diretrizes para que seja observada a igualdade de gênero nos espaços de poder e representação na instituição’.

O primeiro encontro do movimento será entre os dias 25 e 26 de maio de 2018.