Zeina Latif*
O Brasil já gastou tempo demais discutindo a política macroeconômica – câmbio, juros, política fiscal. Foi um debate necessário por muito tempo, enquanto o país batia a cabeça com inflação estratosférica, descontrole fiscal e grave desequilíbrio externo. Muito se avançou desde o Plano Real. O debate econômico nem tanto.
De forma geral, analistas e academia continuaram batendo nas mesmas teclas, com grande divisão nas recomendações de política econômica. Com a saída de Palocci do Ministério da Fazenda em 2006, o grupo que defendia corte de juros a qualquer custo, intervenção cambial e laxidão fiscal, em contraposição ao fortalecimento do tripé econômico, passou a definir a política econômica do país. Vieram os tempos da Nova Matriz Macroeconômica, termo cunhado pelo então secretário de política econômica Márcio Holland.
O desastre da política econômica de Dilma, ironicamente, ajuda o país a seguir adiante e a rejeitar experimentalismos nessa área. No futuro, em um ambiente macroeconômico estável, com dívida pública bruta controlada e mais próxima da dos países pares (no conceito do FMI, o Brasil está com 73% do PIB contra 17% do Chile, 50% da Colômbia, 54% do México e 23% do Peru), bem como a inflação (Chile, Colômbia e México adotam 3% de meta e o Peru, 2%), haverá espaço para política fiscal anticíclica e, eventualmente, revisão do regime de metas de inflação. Depois de tantos equívocos de política econômica, adiamos essa possibilidade.
O debate econômico avança e, cada vez mais, se discute a necessidade de construir uma agenda microeconômica pró-crescimento, algo iniciado no primeiro mandato de Lula, mas abandonado em seguida. Os equívocos das políticas setoriais de Dilma também elevam a pressão do setor produtivo que foi preterido e agora anseia por medidas horizontais e de redução do custo-Brasil.
A agenda micro é tecnicamente complexa, pois, diferente da agenda macro, ela não é consolidada na literatura econômica, sendo necessário avaliar caso a caso. E esse não tem sido tema comum na pesquisa acadêmica no Brasil. Não sabemos fazer muito bem políticas microeconômicas pró-crescimento de longo prazo.
Não se trata apenas de remover obstáculos ao crescimento – como o sistema tributário complexo e com estrutura cumulativa, a burocracia asfixiante, a insegurança jurídica e o excesso de regulação governamental nos mercados, incluindo o mercado de trabalho – mas também eliminar políticas que protegem a ineficiência, como a regra de conteúdo nacional, o Simples, a proteção à indústria automobilística, a Zona Franca de Manaus e barreiras ao comércio externo. A dificuldade é também política, pois para cada política setorial, há um grupo de interesse que reage a reformas microeconômicas.
Interessante analisar a posição do Brasil nos rankings de competitividade para se ter uma noção de onde o país se mostra mais frágil. No Global Competitiveness Index, o Brasil, que ocupa a constrangedora 81ª posição (Chile está na 33ª, Colômbia na 61ª, México na 51ª e Peru na 67ª) num total de 138 países, é particularmente penalizado pelos itens regulação governamental, taxação de investimentos e no mercado de trabalho, práticas de contratação e demissão. Mais recentemente, a corrupção entrou no grupo das maiores mazelas.
Onde o Brasil se destaca positivamente é no pilar tamanho de mercado (8º no ranking), mas isso é dádiva, e não conquista. Caso a nota neste pilar fosse igual à média da dos demais pilares, o Brasil estaria na posição 96 do ranking, ao lado de países como Quênia, Tunísia e Butão.
Outro ponto é que 60% dos itens consultados têm nota inferior à nota média do país. Em outras palavras, o país está mal no ranking por ter muitos defeitos (e grandes considerando suas notas tão baixas), e não por ter poucos defeitos mais graves.
Esses dados dão uma noção da amplitude necessária da agenda microeconômica. São várias as prioridades, já que são muitos itens que o Brasil tem notas muito baixas.
Com um ambiente de negócios difícil e proteção à ineficiência, não há incentivo para as empresas investirem e buscarem ganhos de produtividade.
Talvez não por outra razão que, segundo Marcos Lisboa e José Alexandre Scheinkman em artigo na Ilustríssima, “somos mais pobres não porque nos especializamos em atividades menos produtivas, mas sim porque somos menos eficientes na maioria dos setores”. Importante notar que os baixos ganhos de produtividade no Brasil são em grande medida explicados por ineficiência no nível de setores e de empresas.
O governo e o Banco Central anunciaram um conjunto de medidas para reduzir burocracia em vários segmentos. Medidas na direção correta. Um início.
A agenda microeconômica, no entanto, não é afeita a pacotes. Trata-se de uma agenda permanente de melhora do ambiente de negócios, incluindo maior segurança sobre normas trabalhistas e tributárias, redução das restrições ao comércio exterior, fortalecimento e definição do escopo das agências reguladoras, entre várias outras medidas.
É crucial que se estabeleça uma agenda microeconômica ampla, com diagnósticos e plano de ação ao longo do tempo. Essa agenda é corrida de longa distância. Seria importante para fortalecer a confiança dos agentes econômicos e um importante legado para os próximos governos.
Zeina Latif é economista-chefe da XP Investimentos