“Dessa forma, os pontos controvertidos são dois: a) aferir a responsabilidade do ato à chapa Bolsonaro-Mourão; b) se a invasão do perfil resultou em favorecimento da mencionada chapa”
Marcelo Aith*
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) retomará o julgamento, nesta terça-feira (9), de duas ações de investigação judicial eleitoral (AIJE) que pedem a cassação da chapa que elegeu o presidente Jair Bolsonaro e o Hamilton Mourão (AIJEs nº 0601369-44 e 0601401-49), o qual teve início em 26 de novembro de 2019.
Estas ações têm por objeto os ataques cibernéticos a um grupo de Facebook denominado “Mulheres contra Bolsonaro”, o qual teria favorecido Bolsonaro, uma vez que a postagem referia que elas estavam aderindo à campanha do atual presidente.
Na citada sessão de 26/11/2019, o Plenário do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) iniciou o julgamento dessas duas Ações de Investigação Judicial Eleitoral (AIJES) ajuizadas contra Jair Messias Bolsonaro e Antonio Hamilton Martins Mourão, então candidatos, respectivamente, aos cargos de presidente e de vice-presidente da República nas Eleições 2018. Uma das ações também foi apresentada em desfavor do deputado federal Eduardo Bolsonaro. O julgamento foi interrompido por um pedido de vista apresentado pelo ministro Edson Fachin.
Em seu voto, o Relator reconheceu que era estreme de dúvidas de que a referida página do grupo virtual do Facebook foi alvo de ataques cibernéticos, fato comprovado pelas provas constantes dos autos e por informações prestadas pelo Facebook Serviços Online do Brasil Ltda., que atestou a invasão e a alteração da página, ocorrida nos dias 15 e 16 de setembro de 2018.
Todavia, segundo o Ministro Og Fernandes, mesmo que tenha sido provada a materialidade do ilícito, as investigações não foram conclusivas quanto à sua verdadeira autoria. Além disso, acrescentou o relator, a invasão ao perfil em rede social perpetrada por menos de 24 horas não teve gravidade capaz de causar ofensa à normalidade e à legitimidade do pleito, conquanto possa repercutir em outras áreas do Direito, como a civil e a penal.
Para o relator, a rigorosa sanção de cassação do registro ou do diploma tem amparo em situações excepcionais e somente deve ser aplicada quando houver provas robustas, fortes e contundentes de autoria e participação.
Dessa forma, os pontos controvertidos são dois: a) aferir a responsabilidade do ato à chapa Bolsonaro-Mourão; b) se a invasão do perfil resultou em favorecimento da mencionada chapa.
Para melhor compreender a dinâmica do procedimento de apuração da ação de investigação judicial eleitoral (AIJE), cumpre trazer, na íntegra, o artigo 22 da Lei Complementar 64/90: “Art. 22. Qualquer partido político, coligação, candidato ou Ministério Público Eleitoral poderá representar à Justiça Eleitoral, diretamente ao Corregedor-Geral ou Regional, relatando fatos e indicando provas, indícios e circunstâncias e pedir abertura de investigação judicial para apurar uso indevido, desvio ou abuso do poder econômico ou do poder de autoridade, ou utilização indevida de veículos ou meios de comunicação social, em benefício de candidato ou de partido político, obedecido o seguinte rito”.
Nos termos do inciso VI do artigo 22 da mencionada norma de regência, é permitido ao Relator proceder a todas as diligências que determinar, ex officio ou a requerimento das partes. A questão que remanesce é se pode o Relator, iniciado o julgamento, convertê-lo em diligência para apurar fatos nos trazidos ao conhecimento da Corte Eleitoral?
O artigo 23 da LC 64/90, lançam luz que sobre a questão, surgindo uma alternativa para a análise de fatos novos, senão vejamos: “O Tribunal formará sua convicção pela livre apreciação dos fatos públicos e notórios, dos indícios e presunções e prova produzida, atentando para circunstâncias ou fatos, ainda que não indicados ou alegados pelas partes, mas que preservem o interesse público de lisura eleitoral”.
Como é de conhecimento comum, os elementos informativos colhidos no Inquérito que está sobre a presidência do Ministro Alexandre de Moraes do Supremo Tribunal Federal, que trata das “fake news”, foram compartilhados com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Cumpre agora saber o impacto dessa informação para o Relator do processo, que, repise-se, já proferiu sua decisão pela improcedência da ação, porém pode revê-lo, inclusive propor a conversão do julgamento em diligência, uma vez que não se encerrou a sessão iniciada dia 26 de novembro de 2019, sendo apenas suspensa em decorrência do pedido de vista do Ministro Fachin.
Com efeito, a depender do conteúdo apuratório poderá sim o relator, converter o julgamento em diligência, com supedâneo na parte final do artigo 23, que assim descreve: “(…) ainda que não indicados ou alegados pelas partes, mas que preservem o interesse público de lisura eleitoral”.
Todavia, não se pode perder de vista que para atribuir responsabilidade ao Presidente e o vice-presidente, as provas do abuso do poder econômico, na espécie consistente na utilização de empresa para hackear a página do facebook “das mulheres contra Bolsonaro”, tem que convergir no mínimo sentido da ciência dos candidatos da manobra ilegal e a potencialidade de benefício com o ardil.
Compreendo ser muito difícil, nessa duas primeiras ações, demonstrar que o ataque ao facebook das “mulheres contra Bolsonaro” tiveram potencial de beneficiá-lo, salvo se os dados compartilhados do Supremo Tribunal Federal sinalizarem de foram diversa, do contrário as duas primeiras ações serão julgadas improcedentes a unanimidade pelo Tribunal Superior Eleitoral.
*Marcelo Aith – Advogado especialista em Direito Eleitoral e professor da Escola Paulista de Direito (EPD)