O filme de Guel Arraes e Jorge Furtado usa da leveza e do riso para transmitir uma mensagem importante, confira a crítica
Por Pedro Ibarra
O limite da inconsequência é transformado em uma comédia de boas piadas. Este é o princípio do longa Vai dar nada, de Guel Arraes e Jorge Furtado. O filme, que estreia na próxima quarta-feira, conta a história de Kelson (Cauê Campos), um jovem envolvido em um esquema de furto de carros para revenda. O rapaz quer ter dinheiro para trocar de moto e se envolve em uma série de esquemas criminosos, gerando uma confusão generalizada na vida dele e na das pessoas que estão em volta.
O filme é cheio de núcleos, com cenas de ação com perseguições de moto, passando por um lado crítico forte, que ironiza a situação do país atual, chegando a piadas de humor pastelão. Um dos destaques é a a narrativa que envolve Fernando (Rafael Infante) e Suzy (Katiuscia Canoro). Os dois comandam o esquema dos carros, sendo Suzy a estrategista responsável por pensar os roubos e Fernando o cara que reforma os carros para a venda. Os dois, somados a Kelson, dominam as cenas em que estão envolvidos.
Porém, o longa é mais feito de roteiro do que de atuações. As piadas são muito bem colocadas, os atores apenas aproveitam as ideias bem escritas e encaixam no tempo certo. A graça passa, principalmente, pela ironia de o filme tratar de uma forma leve o mundo do crime, tendo um personagem principal moralmente duvidoso, mas que, na base do carisma e de uma oratória confusa e muito persuasiva, consegue convencer qualquer pessoa a fazer o que ele quer.
Vai dar nada gira em torno do próprio título, apresenta uma realidade fictícia de pessoas que agem sem pensar que podem sofrer as consequências dos seus atos. A bola de neve em que elas vão se envolvendo é previsível desde o início do filme e isso tem um trabalho cômico extremamente importante para a produção, já que mantém o espectador o tempo todo atento para como aqueles personagens serão capazes de resolver as roubadas em que se meteram.
O longa vai, de forma leve, carregando o público como em um dos discursos mais detalhados de Kelson. Entre uma piada boa e outra, dá até para se deparar com uma atuação não tão boa, certas limitações no formato ou alguns discursos prontos ditos para justificar escolhas. Entretanto, é tudo tão divertido, que nada marca negativamente o filme.
A produção original da Paramount é um acerto ao entregar algo que é engraçado sem necessariamente ser escrachado ou apelativo. O longa usa comédia física, piadas e até jogos de câmera para fazer o público rir e tem em um roteiro inteligente e bem estruturado, de forma a trazer leveza para um contexto que dificilmente é tratado no cinema brasileiro sem um excesso de punitivismo. O crime é motivo de risada, sem abrir mão de criticar a forma como o sistema opera. Afinal, não é necessário que todo problema do Brasil seja resolvido na bala — às vezes, um bom discurso já é meio caminho andado.