Novelas e séries estão trazendo questões de representatividade com naturalidade

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Séries como As five e novelas como Salve-se quem puder se destacam por trazer personagens transexuais ou travestis em que eles levantem bandeiras

Durante um tempo as telenovelas brasileiras ignoravam a necessidade de representatividade entre seus personagens. Travestis eram renegados ao núcleo cômico e à visão histriônica. Transexuais eram raríssimos e mal representados. Com o tempo, esses personagens foram chegando e trazendo com eles uma bandeira, uma causa, uma militância. Eles não tinham trama própria, além da defesa dos direitos. Agora, a tendência é que esses personagens ganhem tintas naturais, largando a bandeira em alguns momentos — levantando discussões necessárias sobre inclusão, sim — e tendo uma vida comum, com direito a conflitos que não estejam ligados somente à questão de gênero.

“Por muito tempo, as narrativas e vivências trans foram contadas a partir do ponto de vista de pessoas cisgêneras. Mas, graças à representatividade e à conquista de direitos, estamos cada vez mais ocupando os espaços e mostrando que, sim, existem profissionais talentosos e que também são transgêneros”, afirma Bernardo de Assis, ator trans que vive o trans Catatau em Salve-se quem puder. “O fato de ser trans é só mais uma característica do Catatau. Eu acho ótimo que a narrativa criada por Daniel Ortiz (autor da novela) aborde essa questão, mas não se limite a ela. Existem muitos caminhos que um personagem trans pode ir, não só o da violência ou da disforia”, continua.

Bernardo ainda vê com bons olhos a possibilidade de Catatau e Renatinha (Juliana Alves) viverem um romance na novela, prevista para voltar ao ar em março de 2021, mas cujas gravações já terminaram. “Não sei dizer se o público está ou não preparado, mas pessoas trans existem e estão vivendo suas vidas. Catatau e Renatinha ー caso fiquem juntos ー podem representar muitos casais cis-trans que estão por aí”, afirma.

Bernardo de Assis: ““Existem muitos caminhos que um personagem trans pode ir, não só o da violência ou da disforia”

Até chegar a Salve-se quem puder, Bernardo esteve em Nós (Canal Brasil), Noturnos (Canal Brasil) e Todxs nós (HBO), sempre vivendo personagens trans. “Eu diria que fazer somente personagens trans não é necessariamente uma escolha, mas, sim, uma consequência. Ainda estamos descobrindo como naturalizar essa temática. Então me sinto muito feliz e responsável por exercer tantos papéis que podem contribuir nessa jornada”, afirma.

Com a pandemia, a Globo está reprisando A força do querer, novela de Glória Perez que abriu caminho para essa discussão por meio da personagem Ivana (Carol Duarte, em sua primeira novela). No decorrer da trama, ela se descobre Ivan e enfrenta vários preconceitos e questões internas até se aceitar e ser aceito. “Por ter sido vivido por uma atriz cis, infelizmente o personagem acaba sendo lido enquanto mulher por parte do público. Mas, sem dúvidas, a temática acabou chegando em muitos lugares. É importante reconhecer que, desde 2017, quando a novela foi ao ar, a discussão vem crescendo e ganhando espaço principalmente na mídia”, comenta Bernardo.

Representatividade para jovens

Se alguns jovens têm resistência a novelas, eles podem ser mais atingidos pelas séries, especialmente as de televisão fechada. A Globoplay lançou recentemente As Five, cujos episódios são disponibilizados a cada quinta-feira. Na série de Cao Hambúrguer, Marcos Oli vive Miguel, ator de musicais que tem uma drag queen, a Michele Esmeralda, e é amigo de uma das protagonistas, Keyla (Gabriela Medvedovski).

“Eles se estranham de início, mas, mesmo com seu jeito debochado e prepotente, Miguel percebe em Keyla um grande potencial em que ela mesmo não acredita. A partir daí, eles se tornam amigos, mas o que Keyla não sabe é que Miguel tem uma drag, a Michelle Esmeralda, que chega de surpresa montadíssima em uma festa das Five. Miguel/Michelle se torna(m) a fada madrinha de Keyla e a leva para os palcos para viver e enfrentar o tão sonhado mundo dos musicais”, conta Marcos Oli.

Dedicado, Marcos se dedicou de várias formas para dar conta do personagem em As Five: fez a preparação de elenco, especialmente com Gabriela; teve aula de stilleto com Gustavo Siqueira “para desenvolver e explorar o corpo de Michelle”; visitou uma casa noturna para “conhecer mais do universo drag de perto” com a drag Regina Schazzitt; e estudou filmes, personagens e artistas drags, como a Gloria Groove.

As Five vem se destacando por trazer temas como homossexualidade, autismo e outros de uma forma diferente, sem bandeiras serem levantadas, com naturalidade. “Na série temos temas importantíssimos que estão sendo apresentados, mas que não são estereotipados ou apelativos. Admiro ainda mais o Cao Hamburguer em criar Miguel/Michelle não estando diretamente atrelados a estas discussões, o que naturaliza ainda mais esse personagem. Não é pelo personagem ser negro e gay que esses fatores devem ser discutidos a todo momento”, comemora Marcos.

Outros momentos de representatividade na telinha

A força do querer (2017) – A transformação de Ivana (Carol Duarte) em Ivan foi gradual e o público pôde acompanhar os passos de perto: desde a descoberta dele mesmo até o momento em que Ivan já está mais confiante da própria condição. Cenas, como quando ela se abre com a mãe, Joyce (Maria Fernanda Cândido) foi forte e muito comentada à época.

A dona do pedaço (2019) – Mesmo que com uma pegada muitas vezes cômica, Britney (Glamour Garcia) teve importância na trama de Walcyr Carrasco ao enfrentar o preconceito da própria família. Apaixonada por Abel (Pedro Carvalho), ela demorou a ter coragem de se revelar trans para ele, que não aceitou a novidade de cara. No fim, a personagem consegui trazer alguma discussão social.

Bom Sucesso (2019)Bom sucesso era uma novela das 19h leve, pra cima. Nessa atmosfera estava Michelly, vivida pela brasiliense Gabrielle Joie, atriz trans que também brilhou na ousada série Toda forma de amor (Canal Brasil) e em um episódio de Sob pressão, sempre com personagens que levaram a temática trans à tela. “Ocupar espaços sendo minoria é uma forma de revolução. Estamos mudando o mercado em pequenos passos, mas a sociedade ainda é hostil e preconceituosa”, comemorou Gabrielle, em entrevista ao Correio à época da novela.

Vinícius Nader

Boas histórias são a paixão de qualquer jornalista. As bem desenvolvidas conquistam, seja em novelas, seja na vida real. Os programas de auditório também são um fraco. Tem uma queda por Malhação, adorou Por amor e sabe quem matou Odete Roitman.

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